A Sessão Mais Longa – Parte II

Finalizando os comentários à nossa orgia de roleplay (mais precisamente do RPG Heroquest) no fim-de-semana prolongado de 10 a 13 de Junho…

Do setting de Heroquest (Glorantha) não deu para ver muito já que apenas jogámos o equivalente a duas aventuras. No entanto, o que vi já foi óptimo porque o Rogério, o nosso GM, conseguiu mostrar que Glorantha não é um bicho de sete cabeças, e que é um setting excelente! É que a apresentação de Glorantha no livro de regras intimida bastante quem não conhece nada de nada do setting.

Na verdade, se o livro básico do Heroquest falha em alguma coisa, é exactamente em oferecer pouco mais do que um esboço geral e completamente enigmático do seu mundo, mundo esse que é uma incrível mistura de tudo o que é possível e imaginário. Qualquer ideia nova que um Mestre/Jogador possa querer acrescentar ao setting nunca ficará fora de contexto ali; tudo é já tão estranho que introduzir por lá uma tribo de elefantes falantes, cor-de-rosa às bolinhas amarelas, que constróem e se deslocam em máquinas voadoras não parece nada do outro mundo. Essa é, aliás, uma das grandes vantagens do setting: ele está lá para acolher todas as ideias, e todas as modificações. Uma das primeiras coisas que o livro de regras diz é exactamente que não há duas Gloranthas iguais entre os grupos de pessoas que jogam o jogo.

Bom, mas como dizia eu, felizmente para nós que o Rogério já tinha algum Runequest (um jogo mais antigo que usa o mesmo setting) no currículo, portanto não se deixou intimidar pelo setting; teve de aprender as regras dois dias antes do evento, quando lhe emprestei o livro. Quando nos reunimos, só tivemos de criar personagens, e pronto, partimos à aventura!

O Rogério usou uma aventura do livro de regras para abrir as hostilidades, e depois continuou com uma aventura que improvisou. Não foi nada para ficar na história como memorável, mas deu-me oportunidade de ver Heroquest em acção, que foi excelente e que muito útil me será no futuro.

Só foi pena tudo isto ter sido feito em cima do joelho. A criação de personagens levou horas e horas; se me perguntarem agora, nem vos consigo explicar porquê. Parte disso foi tempo gasto connosco a ler material sobre o setting, mas a maioria deve ter sido tempo de espera enquanto os jogadores olhavam à vez (só havia um livro de regras) para as várias Terras-Natal, Profissões e Religiões à disposição dos personagens, ao mesmo tempo que o GM tentava acabar de ler ou rever (não percebi bem!) os capítulos da magia.

Se tivéssemos feito isto antes, por e-mail, por exemplo, eram muitas horas de vida que se tinham poupado. Não só isso, como o GM teria tido tempo de estudar as personagens e desenhar algo de raiz para elas, ou pelo menos personalizar as ideias que já tinha em mente. O que aconteceu foi que nem a aventura foi nada de extraordinário (bom, aqui os gostos hão sempre de variar; eu prefiro aventuras que envolvam os meus personagens – e por consequência a mim – de forma pessoal, o que obviamente é muito difícil de acontecer com uma aventura publicada). Depois, como a aventura foi lida e preparada às pressas, o GM tinha de fazer pausas consideráveis aqui e ali para reler o que se ia passar a seguir.

A juntar às pausas para consultar a aventura, haviam também as pausas para tirar dúvidas sobre o sistema. Havia quem quisesse jogar Heroquest exactamente como o jogo tinha sido planeado, portanto volta e meia parava tudo para ir reler esta ou aquela secção do livro, e compará-la com outra que parecia afirmar o contrário, até se chegar a uma conclusão minimamente fundamentada. O jogo chegou inclusivamente a parar algumas vezes para alguns jogadores refazerem as contas aos seus Hero Points (que são a moeda de experiência em Heroquest) porque aparentemente tinham gasto dois ou três pontitos a mais.

A consequência de tudo isto é que o ritmo de jogo foi muito lento, com constantes arranques e paragens. Felizmente as paragens costumavam coincidir com o final das cenas, e portanto eu podia pegar no meu livrinho à vontade e ler mais umas páginas. Ainda li bastante à conta disso! :slight_smile:

Não posso é deixar de pensar que, se o conteúdo do evento tivesse sido planeado com calma e antecedência (a data do evento, por exemplo, ficou marcada para aí um mês antes), que os três dias e meio que passei ali para jogar duas aventuras bastante simples podiam ter sido encurtados para um dia. Haveria obviamente que juntar a isso o tempo necessário para os jogadores fazerem calmamente, no conforto da sua casa, cada um ao seu ritmo, os seus personagens e, se lhes interessasse, lerem algo sobre o sistema. O mestre também podia estudar o sistema em casa, calmamente, eu vez de tentar marrar um livro de 300 páginas num dia ou dois… felizmente que o Rogério tem cabeça para isso e esteve em grande! Eu teria preferido uma abordagem menos tradicional ao sistema de Heroquest, mas gostos não se discutem! :wink:

Sou grande adepto destas Heresias do Mike (Holmes); a certa altura até dei por mim a explicar à malta a beleza da Heresia n.º 5… infelizmente, não convenci ninguém! Na verdade, tive inclusivamente de lutar contra o Rogério para que o valor na minha folha de personagem (um relacionamento familiar) que eu tinha subido vezes sem conta com os meus Hero Points, não fosse usado por ele como base para tomar uma decisão que eu achava muito pouco interessante para a história, embora privilegiasse o meu personagem ao lhe remover do jogo uma fonte potencial de bastantes problemas. Traduzindo isto por miúdos, o meu personagem tinha um NPC dependente (daqueles que estão lá para exigirem cuidados e atenção nas alturas mais inconvenientes) que queria ir com os PCs na aventura, coisa que o meu personagem obviamente proibiu.

Proibiu o personagem, mas não proibi eu, o jogador. Na realidade, pedi claramente ao Rogério que fizesse o NPC desobedecer à ordem e seguir os PCs clandestinamente até ser demasiado tarde para estes o mandarem para trás. Isto porque, do meu ponto de vista, a história ficava muito mais interessante (por causa de todos os potenciais problemas que isso me ia trazer) se o NPC desobedecesse à ordem. Já do ponto de vista do Rogério, o NPC não ia desobedecer à ordem simplesmente porque a relação entre o meu personagem e ele era tão forte. No mínimo, íamos rolar os dados e só ia acontecer o que eu queria se eu perdesse o lançamento, o que é um contra-senso no meu dicionário! :slight_smile:

É um bom exemplo para ilustrar a Heresia n.º 5 do Mike:

É simplesmente a diferença entre olhar para os valores na folha de personagem como uma medida relativa daquilo que o jogador acha importante ou quer destacar para a história/jogo/personagem, e olhá-los da forma tradicional, como uma medida absoluta das características e capacidades do personagem que é directamente comparável aos valores de outra personagem qualquer.

Bom, em resumo, não foi o evento perfeito mas foi algo de extraordinário, poder passar tanto tempo na companhia de amigos e entusiastas de alto nível, além de que pus a conversa em dia sobre mil assuntos interessantes, especialmente wargames, que cada vez me interessam mais (deve ser para compensar tanta dose de narrativismo, eheh). Um dia destes tenho de cravar a alguém uma tarde de jogatana de guerra… talvez daqui duas décadas, quando a minha filha (que está quase, quase, quase para nascer) casar com o filho do Jota e nós os dois nos tornarmos uns velhotes com mais tempo livre! :wink: