A voz da tecnologia

Talvez já tenham visto antes, mas é uma questão nova aqui no grupo. De que forma é que as novas opções que a tecnologia nos oferece podem nos ajudar a criar melhores jogos? Reparei há tempos neste jogo disponível na IPR que assim é apresentado desta forma apelativa: "No rules to read! The unique audio format allows you to play the moment you want to. Print a few documents supplied, gather a group of three to six players who have about three hours to play, and you're ready to go! Play the first .mp3 file and narrator Russell Collins will explain how to play the game step-by-step."

Que vos parece esta opção? Por um lado, traz uma vantagem inegável para a mesa. Por outro, é o mesmo que estar alguém no meio dos jogadores a dizer-lhes como é que devem jogar. Com o mp3 a tocar e toda a gente caladinha, como é que fica a partilha de ideias - especialmente se o ficheiro audio chegar ao ponto de servir como mestre-jogo?

Por outro lado, será que em vez de criarmos um jogo semelhante aos clássicos que nos trouxeram para o hobby, não será também interessante procurar definir o que vai ser um RPG no futuro? Serão lidos e aprendidos da mesma forma? Ainda jogados à volta de uma mesa? E se, no futuro, as mesas forem assim?

Ganda mesa! Sem dúvida que ajudaria a manter tudo em ordem. Acabava-se com o papel e guardava-se sempre tudo no pc no final da sessão, mapas incluidos com as ultimas posições das personagens e assim. Prevejo que dentro de uns anos toda a gente tenha uma destas em casa. Se bem que preferia que não utilizasse retro-projector, mas sim que a mesa fosse um LCD. Estar no escuro debaixo de um foco de luz durante muito tempo pode ser chato. É só uma questão da tecnologia se tornar mais barata. A última mesa LCD deste género que vi custava 3000 euros...

Voltando atrás no post, isso no fundo é uma versão audio-livro do jogo. Se o livro fosse declamado pelo mestre de jogo teria o mesmo resultado. Para mim até seria melhor pois não seria um ambiente tão restrito e fechado, seria mais relaxado e amigável. Acho que esse jogo poderá ter algo que não falaste, que é um tipo de escrita diferente. Neste caso adapta-se perfeitamente a audio-livro. Se calhar se os livros passassem a ser escritos com isto em mente se tornassem mais leves, tanto de texto como de peso (andem com os 3 livros de D&D às costas e sabem do que falo).
Pessoalmente, chamem-me antiquado mas continuo a gostar o velho suporte de papel, muito obrigado. Não é ser velho do restelo, mas com audio-livro não tens tanto a liberdade de parar a meio da frase e ir tomar um café para retomar depois. Os olhos trabalham muito mais depressa do que o ouvido.

Será essencial os RPGs adaptarem-se e redefinirem-se nestes tempos? Ainda pode haver gente que se interesse por eles pelo que são, mas tem-se visto que perdem muito para as versões electrónicas dos mesmos. Eu costumo dizer que os miúdos qualquer dia nascem com tomadas para computador, por serem tão simpatizantes da tecnologia. Talvez RPGs se possam manter como estão, mostrando como se pode obter diversão mesmo quando as coisas não se ligam à corrente. Depois é só arranjar algo que atraia para que sejam jogados, e não criar qualquer coisa que alguém poderá achar fixe (RPG sobre pedir desejos, onde é que isso já se viu? Ups, culpado!).

Antes de continuar na minha rant pois isto a seguir é fundamental para o meu ponto de vista, alguém me pode dizer como está a correr a experiência de D&D 4ed. online? Sei que eles iam fazer um suporte digital para se jogar na net, já está a funcionar? Se sim, tem tido muita adesão? Destas informações poderemos tirar uma de duas conclusões: ou o jogo vale pelo que vale e continua a ser jogado quer seja online ou on-table, ou online não tem hipótese porque tem rivais que o deixam a milhas de distância. Mas isso já é outro negócio.

[quote=The_Watcher]Voltando atrás no post, isso no fundo é uma versão audio-livro do jogo.[/quote]Se fosse, não tinha muito interesse. A questão não é como usar a tecnologia para fazermos as coisas que sempre fizemos antes, mas como ela pode alterar os próprios jogos que criamos. No caso do SHU, parece ser mais um audio-mestre do que um simples audio-livro :)

A nova edição de D&D é um caso intermédio em que já bastante consideração foi posta nas regras quanto à sua possível conversão para um jogo virtual online, mas não é um RPG verdadeiramente inovador no uso de tecnologia. Aliás, a Wizards está a desenvolver ainda muito lentamente as várias ferramentas para que eventualmente haja uma D&D Online Game Table.

Houve quem tentasse este tipo de experiências nos anos 80, embora de forma limitada pelas tecnologias da época. Sei de pequenos editores que editaram jogos com uma cassete video a explicar o jogo. Sem grande sucesso, diga-se de passagem.

Pessoalmente parece-me que é bom ter uma introdução interactiva ao jogo mas isso é mais um custo e poucos editores se podem dar a esse luxo.

Em termos tecnológicos a plataforma ideal não me parece ser o PC. A melhor plataforma são os telemóveis com PDA e comunicação via Bluetooth ou Wi-fi. Ou então em plataformas sociais como o Facebook.

Mas mais uma vez a questão é o custo. Um autor e editor de rpg focaliza-se no texto e sua edição. Passar para tecnologias informáticas é um salto algo complexo.

Com alguma criatividade até pode haver aqui um potencial grande a explorar. Por exemplo, imaginemos um editor de jogos que pretende lançar um rpg baseado na expansão asiática no século XVI. Ele pode:

Preparar o rpg propriamente dito, com regras simples e facilmente assimiláveis para o tornar mais acessível para o grande público.

Fazer a interface tecno via Facebook ou similar. Quanto mais simples as regras, mais simples isto é de fazer. Essa plataforma pode e deve tirar partido da informação disponível na net sobre a Ásia do século XVI, incorporando-a à experiência de jogo.

Negociar com um livreiro para colocar informação sobre livros de história, crónicas, documentos, etc. para venda aos jogadores. O jogo funciona assim como promoção dos livros vendidos pelo livreiro.

Negociar com uma agência de viagens para esta disponibilizar info sobre os locais e publicidade aos pacotes de viagens neles centrados. O jogo funciona neste caso como canal promocional da agência de viagens.

Negociar com restaurantes de comida étnica colocarem info. Isto torna-se particularmente interessante para restaurantes com vendas para fora.

Etc. pois há muitos outros negócios que podem promover produtos através do jogo.

Ora o que isto significa é que o financiamento do jogo e da sua plataforma tecnológica é feito em parte por um conjunto de agentes económicos que, pelo seu lado, beneficiam do potencial de vendas que o próprio jogo pode gerar.

Como é evidente, isto aplica-se a qualquer universo de jogo baseado na nossa terra... excepto talvez um centrado na Faixa de Gaza ou no Iraque...

Sérgio Mascarenhas

isso parece mais que apenas tas a fazer publicidade sobre uma multitude de produtos direccionada a um publico alvo restringido e não a desenvolver/promover um jogo.

Não vejo porquê. Aliás, não estou a inventar nada. O que esquematizei é prática corrente na ficção televisiva e no cinema, por exemplo. Há muita telenovela onde uma pessoa se pergunta se aquilo é uma história suportada financeiramente por publicidade, ou se é publicidade disfarçada de história. Como é evidente, só se pode chegar a uma conclusão caso-a-caso.

O mesmo no que pruponho. O jogo pode ser apenas um argumento para vender produtos (como na maior parte dos concursos da tv), é certo. Mas o jogo pode ser o centro do processo, incorporando publicidade para conseguir financiamento e gerar receitas. Neste caso isso até pode ser benéfico pois a publicidade permite baixar o preço do jogo.

Isto é uma realidade do nosso mundo. O que é uma revista, um catálogo de compras ou conteúdos? O que é um jornal? O que é a música? O desporto? Porque é que os jogos hão-de ser diferentes?

Sérgio Mascarenhas

mas tb nao ha nenhuma razao especial para se tornarem iguais e apenas mais do mm mas apenas com a designacao de jogos Oo

[quote=smascrns]Isto é uma realidade do nosso mundo. O que é uma revista, um catálogo de compras ou conteúdos? O que é um jornal? O que é a música? O desporto? Porque é que os jogos hão-de ser diferentes?[/quote]É uma questão importante e interessante, mas terá a ver com o tópico? :)

Não entendo exactamente como é que a tecnologia implica necessariamente uma subida nos custos - poderá até acontecer o contrário. No caso do SHU, o autor simplesmente gravou um conjunto de ficheiros mp3. Qual foi o custo acrescido dele - um microfone decente? E não são os ficheiros pdf já uma forma mais barata de vender RPGs?

De qualquer forma, o assunto em que me queria centrar é a questão do autor criar um jogo que logo à nascença está integrado com alguma nova tecnologia.

[quote=Rick Danger]É uma questão importante e interessante, mas terá a ver com o tópico? :)[/quote]

Bastante mas deixo a justificação para o fim.

[quote]Não entendo exactamente como é que a tecnologia implica necessariamente uma subida nos custos - poderá até acontecer o contrário.[/quote]

O problema é que a edição de um produto nunca é apenas uma questão de tecnologia. Hoje em dia qualquer pessoa pode produzir um mp3 ou um mp4 ou semelhante. Mas quantas pessoas podem produzir um BOM mp3? Aliás, é o mesmo com a edição de livros e outros textos.

[quote]No caso do SHU, o autor simplesmente gravou um conjunto de ficheiros mp3. Qual foi o custo acrescido dele - um microfone decente?[/quote]

Não é apenas questão de microfone. É questão de conceito, de voz (uma boa voz, bem trabalhada e que sabe funcionar para gravação, custa e muito), de banda sonora, de edição, etc. Um produto amador e de baixa qualidade não custa quase nada. Um produto low-fi produzido por quem domina a tecnologia por gozo pessoal custa o mesmo. Mas um produto profissional, produzido por profissionais custa uma nota gorda.

[quote]E não são os ficheiros pdf já uma forma mais barata de vender RPGs?[/quote]

Exactamente o mesmo problema. A maior parte dos pdfs sofrem de dois males:

O 1º é independente de serem pdfs pois é um simples problema de edição de texto: a falta de um trabalho editorial de qualidade. Se fores a sites como a RPGnet ou a Forge verás incontáveis queixas nas reviews e inumeráveis colunas e threads sobre este assunto.

O 2º é específico da tecnologia pdf: são raríssimos os pdfs à venda que realmente usam esta tecnologia e as potencialidades que ela oferece.

Estes dois problemas não acontecem por acaso. Acontecem porque sai caro pagar os serviços de um editor profissional ou os serviços de um programador de pdf.

[quote]De qualquer forma, o assunto em que me queria centrar é a questão do autor criar um jogo que logo à nascença está integrado com alguma nova tecnologia.[/quote]

O problema com as tecnologias é que para serem utilizadas são precisos... técnicos. Ora quem desenha jogos não é necessariamente um expert nas tecnologias. Há quem seja e faça excelentes trabalhos combinando o seu interesse nos jogos com o interesse nas tecnologias, mas são a excepção, não a regra.

Se o designer do jogo não é um tecnólogo, então vai ter que recorrer aos serviços de terceiros. Tem duas opções:

Pedir a um ou mais amigos tecnólogos que lhe dêm uma borla. É possível mas normalmente o nosso designer fica para o fim e dependente das pressões profissionais e financeiras do amigo.

Pagar os serviços a profissionais. Mas então precisa de €€€.

Normalmente os designers de jogos não nadam em €€€, é uma constante da vida. Que não fosse por outro motivo, isto dá-lhes o direito a chamarem-se artistas. Logo, se querem suportar o seu jogo com tecnologias têm de encontrar quem pague.

O que me leva de novo ao modelo de disseminação do jogo através de redes sociais, e de procurar nesse contexto criar ligações a interesses económicos que possam pagar o desenvolvimento do jogo em suporte tecnológico... mas estou-me a repetir.

Sérgio Mascarenhas

Obviamente que a angariação e gestão de todos os recursos que precisamos para criar um jogo é outra questão fundamental.

[quote=smascrns]Pedir a um ou mais amigos tecnólogos que lhe dêm uma borla.[/quote]Para voltarmos à minha questão inicial, vamos partir do pressuposto fantasioso que todos temos essa borla e que todos os frutos da tecnologia estão ao nosso alcance. Não era minha intenção abordar meios alternativos de financiamento, contactos profissionais, etc.

[quote=Rick Danger]vamos partir do pressuposto fantasioso que todos temos essa borla e que todos os frutos da tecnologia estão ao nosso alcance[/quote]

Boa. Nesse caso...

Quero uma plataforma que liga um PC (do MJ) com ligação à net e ligação aos telemóveis/PCs dos jogadores. Funcionalidades:

De cada vez que o MJ introduz uma palavra, o PC procura na net dados relevantes de acordo com parâmetros pré-definidos tais como um período histórico. Ex, o jogo decorre no Séc. XVIII. O MJ introduz "Timbuktu, cidade, comércio" e enquanto joga o PC procura na net info sobre o comércio na cidade de Timbuktu, imagens, etc. Vai apresentando essa informação para alimentar as descrições do MJ.

Funcionamento em rede entre PCs e tms, de tal forma que os jogadores têm as folhas de perso no seu equipamento. A gestão de lançamentos de dados, modificação das perso em função dos resultados, etc. é feita pelos computadores. Tudo isto permitindo parâmetros de modelação de personagens bem mais complexos do que os que são possíveis em sistemas manuais.

Para que os PCs/tms não se interponham e os jogadores não mudem o seu foco de atenção para écrans em lugar de serem os outros jogadores, a informação que lhes é passada segue via sonora. Cada um tem uns auscultadores e é por essa via que fica a saber o que acontece à sua personagem. Estilo, "atingido no braço, doi que se farta e sentes o sangue a escorrer para a mão". Como é evidente, a informação é diferente para cada jogador.

Há um écran comum onde seguem o desenrolar dos eventos.

As regras estão em pdfs mas também num sistema sensível ao contexto. Se o que está em causa é uma negociação, aparece um resumo das regras para situações de negociação.

Program de GIS para desenvolvimento de universo de jogo ligado a bases de dados com milhares de NPCs e creaturas, locais, situações-tipo, imagens, música ambiente, etc. Tudo facilmente parametrizável para se poder criar um universo em questão de um par de horas.

Integração do universo criado pelo GIS com GPS para utilização em jogo.

Integração com produtos tipo Wee para usar o gesto como input. O mesmo para reconhecimento de voz.

Software social que permita estender o jogo para lá da sessão e integrar no grupo jogadores fisicamente ausentes.

Suponho que as tecnologias que suportam toudas ou quase todas estas coisas já existem.

Sérgio Mascarenhas