Ab nigris equitibus capti

Folium III

Pegrin

Abordámos o campo de forma furtiva, que parecia estar vazio. Pelos vistos, os bandidos tinham estado todos naquela emboscada.

Ainda assim, havia armadilhas no campo, e eu caí numa que me deixou um pouco mal tratada. Entre as coisas de Pegrin, encontrámos alguns objectos curiosos, mas como ninguém nos disse como seria a Chave que procurávamos, não conseguimos saber o que tínhamos de guardar. O meu palpite, desde o início, é para uma estranha caixa de música que encontrámos, e penso que é também esta a opinião dos outros. Pelo menos, acho que é o único objecto desses que ainda trazemos connosco hoje.

Tivemos uma discussão nessa altura sobre o que fazer com os objectos, e achámos melhor esconder a caixa, que nos parecia ser o mais provável. Não queríamos nada que os Cavaleiros ficassem com ela. Por isso, levámos o resto connosco esperançados de que conseguíssemos convencê-los de que a Chave era uma das pequenas estátuas que lá encontrámos.

Os Elfos Escondidos

Só que as coisas levaram uma reviravolta bastante para pior neste dia. Quando passávamos nas ruas de Pashin, um homem com um aspecto desgrenhado e de vagabundo apareceu à nossa frente e fez uma profecia espantosa, dizendo que um plano divino estava em marcha, que devíamos proteger a chave do fogo da obsessão e ter cuidado com diversas coisas que não fizeram sentido para mim: espectros à noite, e intenções invisíveis. Mas logo a seguir, explodiu numa bola de fogo.

Sim, sei que parece estranho, nós também ficámos sem explicação, mas o pior foi que a população se virou contra nós e tivemos de fugir precipitadamente dos Cavaleiros Negros. Corremos sem destino pelo labirinto de ruas de Pashin mas acabámos por dar de caras com o quartel dos Cavaleiros. Fomos presos!

Nunca me senti tão humilhada como entre os Cavaleiros Negros. E certamente o facto de eu ser uma mulher, e convenhamos, com todo o meu treino físico não sou propriamente uma fêmea de desprezar, só acicatou mais a sua vontade de me insultar. Houve até um que quis passar mais além e tentou apalpar-me, mas levou que contar para casa. As minhas carnes não têm dono, mas não são de qualquer que se chegue à frente sem a minha autorização.

Atiraram-nos para uma cela escura e fria, sem nada de nosso excepto as nossas roupas, onde já estavam Bahari e Eruanne. A situação era má. Os Cavaleiros podiam revistar as nossas coisas e descobrir a Chave! Só este pensamento deixava-me à beira de um ataque de nervos, pensar que tinha falhado tão facilmente na minha missão fazia-me detestar-me e sentia a minha fúria subir dentro de mim. Fiquei o mais calada possível, não era uma boa companhia para ninguém naquela altura. Mais ninguém tinha ideias sobre como sair dali, embora me parecesse que o Mago Preto ia tentar alguma coisa. Só não o fez, porque entretanto uma nova companhia foi despejada na nossa cela: uma mulher de aspecto furtivo, ou pelo menos assim parecia pela voz. Ela vestia-se com uma capa que lhe cobria as feições mas que lhe permitia mover-se com grande agilidade. Ela não esperou muito. Apresentou-se, dizendo que se chamava Neilathan, mas tratou-nos com um desprezo tão grande e com um tom tão sarcástico que me fez sentir ainda mais inferior e inútil do que eu já me sentia.
Ela disse baixo que não tinha tempo para grandes conversas. Tinha sido enviada por um grupo que nos ia retirar dali, embora não entendesse qual poderia ser, na verdade, o nosso valor, pois o que via não lhe inspirava grande confiança. Tive vontade de lhe dar uma estalada, mas o máximo que fiz foi chamar-lhe “Cabra” sem que ela ouvisse. Já assim estava a pisar o risco no que toca à tolerância que a Ordem ensina para com os outros.

Mas Neilathan não mentia. Pouco depois, ouvimos um grande barulho lá fora, e uma enorme agitação entre os Cavaleiros. Com um truque de mão, ou de magia, Neilathan abriu a grade da cela, e aproveitando a confusão, lançou um feitiço que de alguma forma nos cobria da vista de toda a gente. Avisando-nos para não nos afastarmos muito, para que a ilusão se mantivesse, dirigiu-nos para um armazém onde recuperámos as nossas coisas, e depois levou-nos para um canto da muralha. do quartel que tinha caído com uma explosão. O meu cavalo, porém, não podia ir connosco, mas ela assegurou-me que mais tarde tratariam dele. Disse-nos então que esta era uma oportunidade que poucos tinham, pois Lady Sheilin queria falar connosco.

Para isso, Neilathan conduziu-nos até aos esgotos por baixo de Pashin e deu-nos indicações para chegar até Sheilin. E depois desapareceu! Típico, apetece dizer...

O cheiro nas galerias subterrâneas era fétido, e os ratos que por lá abundavam ainda nos deram algum trabalho e a mim morderam-me. Essa mordidela deixou-me doente durante dias, mas felizmente não houve consequências graves. No entanto, nesses túneis encontrámos algo pior que simples ratos: criaturas não vivas... e não mortas. Mas conseguimos sobrepor-nos às dificuldades, e deixámos as suas almas em descanso. Livres de ameaças, conseguimos encontrar o nosso caminho pelo labirinto dos túneis até encontrarmos o sinal de que Neilathan nos tinha falado. Esse sinal marcava uma porta escondida, que levava a uma grande área por baixo dos esgotos, de cuja existência nunca tinha suspeitado.