Sexta-feira à noite, depois de um jantar bem-passado com o João Mariano, o Rui, o JMendes e a Ana, em que também demos de caras com o Phillip Morringer (que parece que está à beirinha de ter grandes novidades, mas só lá mais para daqui a uns tempos), dissémos adeus ao Rui e viémos cá para casa terminar a sessão de Dogs in the Vineyard que deixaramos a meio há umas duas ou três semanas. Faltava-nos o Rogério (Irmão Cyrus), mas nem por isso eu (Irmão Nathaniel) ou o Mariano (Irmão Jonah) estávamos com menos vontade de cortar pela raiz a podridão espiritual que se instalara na bela cidadezinha de Lone Creek.
O nosso GM, o JMendes, adaptara-se na perfeição ao estilo de jogo exigido a um GM de DitV, e esta cidade fora um autêntico espectáculo para o coração de qualquer roleplayer. Ele não teve medo de entrar a matar, literalmente, e mal haviamos colocado os pés na cidade, na sessão anterior, quando o horror da extensão da influência demoníaca sobre a cidade se tornou bem claro. Também aprendeu a gerir os seus recursos bem e, se em outras cidades se pode dizer que os jogadores conseguiam com alguma facilidade ganhar os seus conflictos, aqui tivémos constantemente de suar e de ou arriscar a vida pelo que acreditávamos, ou ceder a nossa posição porque o que estava em jogo não era tão importante para nós como manter a pele intacta. Foi brilhante. O sistema é brilhante. Pergunta a cada jogador, constantemente, se está realmente disposto a enfrentar as consequências das suas acções para ganhar este ou aquele conflito. E se há coisas em nome das quais arrisco a própria vida, há muitas outras que não; se há situações em que acho que vale a pena arriscar matar a própria pessoa que gostava de salvar, há outras que não; e ainda outras vezes há que decido que vale a pena matar alguém para salvar alguém.
Foi exactamente numa das situações em que achei que valia a pena dar a minha vida que o jogo terminou, e mal, para mim e para o Irmão Jonah. Quanto a ele não sei, mas quando vi aquelas pessoas possuídas por demónios a desacrar o corpo da mulher que haviam acabado de matar, a mulher que tinha há algumas horas confiado em mim para a colocar a salvo deles, algo se incendiou cá dentro. Já tinha havido um outro confronto com estes demónios, no qual eu e o Irmão Jonah recuáramos, mas agora aquilo ia acabar ali. Bem ou mal, ia acabar ali. Para representar a importância daquela pessoa morta na minha consciência, de imediato usei os meus dados de reserva e a mecânica do sistema para criar com a mulher uma relação de 2D10, de longe a relação mais alta das quase dez que tinha na minha folha de personagem. E feito isto, iniciei o conflito.
Pela primeira vez em todas estas sessões, comecei um conflito aos tiros, a área de conflito mais extrema e perigosa (para o adversário, pelo menos), não estando com meias medidas. Depois dei o tudo por tudo, junto com o Irmão Jonah, fiel companheiro, para lutar contra o balde de dados do GM. Não recuámos, nem quando não nos podíamos defender eficazmente e as feridas potenciamente mortais ameaçaram cair sobre nós; em vez de desistir, decidimos correr o risco, e ficámos na luta, acumulando dados de 10 (os piores!) de Fallout, que poderiam no final do conflito ditar a nossa morte. O Irmão Jonah esteve comigo até quase ao final, altura em que, de recursos esgotados, se viu obrigado a retirar do conflito ou levar uma brutalidade de dados de 10 de Fallout que quase de certeza lhe garantiriam a morte. Fiquei eu e o GM, batendo-nos taco a taco, dado a dado, pinta a pinta... e foi uma simples pinta que ditou o final. O GM tinha mais uma pinta nos seus dados que eu, e ganhou o conflito. Não conseguimos que os demónios parassem o seu ritual.
E era agora chegada a altura de ver o futuro que os dados de Fallout ditavam. Do lado dos demónios, garantiram a morte de quase todos eles, inclusivé o seu lider, que andava a corromper a espiritualidade da comunidade. Os dados de Fallout que o Irmão Jonah rolou então, deixaram-no às portas da morte. Já os meus, deixaram-me apenas ferido (saquei um 13, que é exactamente o mínimo para se ficar ferido); como o Irmão Nathaniel era de corpo fraco, os dados que rolei não foram suficientes (por bem pouco, ainda por cima!) para evitar que a ferida se tornasse uma ferida grave, tal como a do Irmão Jonah. Feridos com tal gravidade, impossibilitados de nos movermos para ir buscar ajuda, com a cidade ainda aterrorizada, ninguém veio em nosso socorro, e ali morremos, junto ao cadáver da pessoa que tentáramos proteger, junto aos corpos das pessoas possuídas que acabáramos de matar sem tentar exorcisar.
Foi um momento que me tocou bastante, tal como praticamente todos os outros na campanha apenas aqui com ainda mais profundidade. É que eu escolhi aquilo; sabia perfeitamente no que me estava a meter, poderia ter desistido quando a hipótese de sofrer feridas mortais se tornou realidade, poderia ter recuado e ter escolhido fincar o pé noutro sítio, noutra altura. Mas não, decidi arriscar a minha vida ali, naquela situação, e apropriadamente acabei por morrer pela coisa que mais importância teve para mim em toda a campanha. Não estou apenas a inventar, nem a ser poético, estou a ser factual: se lerem a minha folha de personagem, a relação mais importante que lá encontram é exactamente com a mulher que os demónios haviam acabado de matar; só precisam de olhar para os números, é tão fácil como isso, não é necessário ser-se intérprete de linguagem gestual ou adivinho.
Deixo aqui o meu elogio ao Irmão Jonah. A sua morte não foi surpresa, sempre teve aquela veia fatalista, aquela escuridão na voz e no olhar de quem sabe, e nunca hesitou em envolver-se em situações extremas apesar de não ser o melhor dos pistoleiros. Obrigado, irmão, foi uma honra. Não salvámos Lone Creek, mas adiámos a sua queda na escuridão total e isso já é consolo; talvez seja o suficiente para outros dos nossos irmãos cães de guarda de Deus chegarem à nossa procura e colocarem um travão definitivo na corrupção.