Alius dies pugnarum

Folium XVIII

Gelo Brilhante, Dia 25

Partimos ontem uma vez mais ao anoitecer, e mal tínhamos andado talvez uma hora quando nos apareceu mais um daqueles javalis enormes pela frente. E tenho a dizer que nem para aquecer deu! O Laundo desfê-lo de tal maneira que em pouco tempo tínhamos ali carne para churrasco. De facto, alguns de nós cortaram umas rações para levarem na viagem. Eu achei que ainda tinha suficientes e não me dei ao trabalho. Aquela carne estragar-se-á depressa, de qualquer forma.

Andámos um pouco mais e fomos apanhados por uma tempestade de cinza vulcânica, algo que não víamos desde os primeiros dias na Desolação. Mas desta vez, passámos sem problemas. E continuámos a andar, até que a meio da noite fomos atacados por uns cinco humanóides reptilianos. Não sei porque nos atacaram, nem consegui perceber exactamente o que eram, mas eventualmente derrotámo-los, deixando um fugir.

Ainda vimos se havia alguma coisa de útil que pudéssemos trazer connosco, mas infelizmente não tinham mais que alabardas, e essas armas são muito pesadas para nós usarmos. Apesar de serem interessantes para conseguirmos chegar mais facilmente aos nossos inimigos, o resto dos inconvenientes tornavam-nas inúteis. Ainda assim, antes de recomeçarmos a andar, o Google e o Karol queixaram-se de que estavam muito pesados e tentaram dividir a sua carga. O Karol acabou por me ceder, só para guardar, 49 moedas de prata e um pote de óleo perfumado. Não tenho bem a certeza quanto ao pote, creio que eu o podia usar muito mais facilmente do que ele. De facto, já estou há tanto tempo sem tomar banho que o óleo sempre podia ajudar a disfarçar. O Google também partilhou algumas das suas coisas, creio que com a Eruanne, mas não tomei nota dos pormenores.

Depois disto, recomeçámos a andar, com o intuito de deixar para trás tantos quilómetros quantos possível. O problema foi que nos apareceu um inimigo com que não contávamos: um enorme gigante de pele avermelhada, diferente de todos os que eu já tinha visto (bom, também não vi assim tantos, mas as lendas da minha terra falam de gigantes, e estes eram diferentes) e que, infelizmente para nós, era muito rápido. Ele saltou logo na minha direcção, ainda antes que o pudéssemos atacar, e deu-me uma sarrafada tão forte que fiquei quase a andar de lado. Mas respondi e acertei-lhe em cheio. Ainda aguentei um bocado mais, mas depois de levar a segunda e de ter ficado já em mau estado, achei que era melhor tentar atacá-lo de longe e por isso afastei-me, esperando que o Laundo (que ainda estava fresco) pudesse cobrir um pouco os nossos companheiros. Companheiros esses que não ficaram inertes: lembro-me de o Aldor ter lançando alguns feitiços, um que me ajudou bastante, por sinal, segundo ele me disse depois, e outro que atacou o monstro directamente. O Karol também o acertou com um dos seus dados envenenados, a Eruanne rodeou-o para o distrair e o Aprendiz, na sua fatiota de ogre, também fez o que pôde. Enfim, foi um combate de equipa, e basicamente eu aguentei o bicho até os outros poderem fazer o seu trabalho. O Laundo é que, coitado, ficou um bocado mal. Depois de eu me ter afastado, ele levou uns socos mesmo fortes e ficou estendido no chão. Eu ia voltar a carregar, mas logo a seguir o gigante caiu e a Eruanne esgueirou-se-lhe por pouco, senão coitada, podia ali ter ficado ingloriamente. Aproveitei para estabilizar o Laundo para não o deixar morrer. Ele já estava a fazer o caminho para o outro lado, e eu não o podia permitir. Não que achasse que era culpa minha, mas porque somos todos uma equipa e mesmo que mais ninguém se interessasse por ele (o que eu sei que não é verdade), eu ainda me sentiria obrigada a impedir que as pessoas morressem.

Enfim, derrotámo-lo, mas foi duro.... e no entanto, decidimos continuar. O Aprendiz queixava-se que não tinha mais feitiços, mas mesmo assim preferiu andar. Eu preferia ter perdido algumas horas para nos recuperarmos, mas a maioria decidiu de outra forma. A Eruanne era a única que realmente queria parar, mas era por outros motivos. Ela começou a ter, de há alguns dias para cá, assim umas urgências estranhas, uns desejos que nunca vira antes em ninguém: ela quer um animal de companhia. Realmente, acho um disparate, mas ela diz que não, que teve uma revelação mística enquanto dormia, um daqueles sonhos que não devemos ignorar (e quem sou eu para o fazer, também já tive a minha quota-parte, senão, não estaria aqui hoje). Mas de acordo com o sonho, ela tem de rezar durante um dia inteiro para que o animal venha ter com ela. Pois seja... mas enfim, só o pôde fazer passado um bocado. Mais cedo, no entanto, do que pensávamos. Queríamos caminhar bem até à alvorada, como tínhamos feito até então, mas apareceram-nos duas panteras ao caminho, duas daquelas aberraçõezitas que nos tinham aparecido no primeiro dia na Desolação. Realmente, o trânsito na Desolação neste dia estava impressionante, pois encontrámos mais inimigos que quase em todos os outros dias juntos. Adiante... elas atacaram-nos, nós matámo-las. E foi mesmo assim, não durou muito. Elas cuspiam fogo, e ainda nos queimaram um bocado, mas de resto conseguimos matar uma e acho que a outra fugiu. Realmente, percebo porque é que as pessoas não gostam de cá vir.

Depois deste encontro, eu e a Eruanne tivemos de nos impor. Isto já estava a prolongar-se demais, e tínhamos mesmo de parar.... e afinal, não foi preciso grande esforço: os outros concordavam. Depois de eu encontrar uma gruta com aranhas, e de ter feito todo o barulho possível com a minha armadura quando se pedia o máximo de discrição, o Laundo encontrou uma boa gruta para nós sem ninguém lá dentro. Realmente, nunca mais vou procurar grutas, as que eu encontro vêm sempre com inquilino. Mas desta vez, nem foi preciso muito: enquanto os outros procuravam, eu, que nem tenho jeito nenhum para isto, encontrei uma enquanto olhava casualmente para o horizonte. Mas será a última vez!

O Laundo, aparecido algumas sessões atrás, era a primeira personagem de uma

amiga nossa que queria começar a jogar. Já tinha estado nalgumas sessões e

tinha feito os últimos dias do Bahari (cujo jogador original deixara de vir havia

muito tempo) e quando fez uma personagem nova fê-la, explicitamente, para a porrada.

Assim, escolheu uma personagem forte e, mais que tudo, deu-lhe uma arma que

causou sensação no nosso grupo: uma Mercurial Greatsword, com 2d6 de dano

e 4x num crítico.

Certo, é uma Exotic Weapon e custa 600gp, mas é Masterwork já de fábrica e

quando aquilo acerta, e acerta bem....

Foi o que se viu nesta sessão. Aqueles dois javalis foram desfeitos com um crítico

desta arma, e rolar 8d6 duma vez.... bem, não deixou mais nada para ninguém!

É destes momentos que o jogo se faz, e são estas coisas que se recordam mais

tarde, aquelas alturas em que algo único ou improvável acontece e que viram um

encontro completamente do avesso, ou em que alguém morre por estupidez, sei

lá... Mas é isto que se tira do jogo, é disto que se vai falar e, se virmos bem, era

disto que se faziam as lendas: quando uma tarefa altamente improvável de ser bem

sucedida acabava por correr bem. Sim, por valor dos heróis, mas quantas vezes

não era também por sorte e por terem bons conselhos?