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Eu jogo com um grupo que gosta de Gamist baseado em mistério e intrigas sociais, e já andávamos fartos de Call of Cthulhu. Experimentámos alguns sistemas “indie”, como o PrimeTime Adventures e o Great Ork Gods, mas ou são Narrativistas ou Gamists baseados em combate, o que não nos entusiasmava por aí além. Mas descobrimos um joguito chamado Capitán Alatriste que é perfeito para este estilo de jogo.
O jogo
Capitán Alatriste passa-se no “século de ouro” Espanhol, 1630’s, durante o reinado de Filipe IV (III de Portugal). Os jogadores são fidalgos de baixo nível, demasiado pobres para sustentar o estilo de vida que se espera do “nobre bem sucedido” em Madrid, e a sua hipótese de subir na vida é (ao bom estilo Latino) arranjar “cunhas” e “tachos” que lhes dêm riquezas e reconhecimento aos olhos dos seus pares. É inspirado na obra Capitán Alatriste de Arturo Pérez-Reverte, que vai ser adaptada ao cinema em breve, e está cheia de lutas pelo poder, intrigas políticas e duelos pela honra. O jogo está em Castelhano mas vai saír uma edição em inglês em breve.
O sistema
Os gajos da Devir Iberia conseguiram integrar a parte da escalada social e dos duelos nas regras muito, muito bem. Já dizia o Ron Edwards que a chave de um sistema de regras está no sistema de recompensas. No D&D ganha-se XP e com isso poderes de combate; no Capitán Alatriste ganha-se “tachos” e reconhecimento social. Por exemplo, na última aventura o meu personagem, D. Manuel de Bastos (fidalguito Português) fez um favor à guarda e ganhou uma certa reputação de espadachim. Em termos de recompensas, ganhou 5 XPs e um favor de nível 2 - o suficiente para comprar um cargo de Alguacil da Guarda que me dá o “backing” da coroa, alguns subordinados e $$$ para eu não caír na pobreza. Melhor que um “feat” ou mais poderes sobrenaturais, pelo menos neste setting
Este género de recompensas também tem influência nas regras de interacção social. Um gajo bem vestido, com uma boa reputação, uma boa casa e um cargo influente tem uma série de bónus aos lançamentos que um tipo pobre e desconhecido não tem, por mais carismático que seja. Isto cria um mecanismo engraçado de “feed-back” positivo: quanto mais poderoso é um personagem, mais dinheiro necessita para manter a sua posição e imagem, logo vai ter que se meter em esquemas mais difíceis e complicados para o conseguir, genhando como recompensa poder e prestígio social. Não dá para parar, quem pára começa a caír na vida…
Ora na Madrid Filipina, a intriga só leva os personagens até certo ponto. Em algum ponto alguém insulta alguém, e como os Ibéricos têm sangue quente geralmente tiram-se satisfações em duelo. O Capitán Alatriste tem umas regras de combate muito elegantes, e mais uma vez ligados ao sistema de recompensa. Podem-se comprar uma série de manobras de esgrima que, combinadas em combate, podem tornar um personagem numa máquina de espetar bruta e eficiente ou, em alternativa, um esgrimista cujo estilo é reconhecido por todos (e dá pontinhos para subir na sociedade No Capitán Alatriste o combate é raro, mas quando acontece é uma coisa séria, com lugar marcado e testemunhas. Isto tem o efeito engraçado de um jogo que não é focado no combate mas, quando ele acontece, pára para dar lugar ao espadachim - como se fosse um jogo dentro de um jogo, o que me dá a sensação de estar num duelo.
Finalmente, há uma regrazita de metagaming engraçada. Um jogador pode invocar a sorte sempre que quiser, e tem uma hipótese parecida de ter boa ou má sorte. Se tiver sorte, consegue o que quer fazer de uma forma espetacular; se tiver azar, falha também de uma forma espetacular, o que pode ser muito interessante. Isto põe os jogadores a fazerem o equivalente de “rezar a Deus Nosso Senhor” quando estão mesmo à rasca e só um milagre os pode salvar
O resto do sistema é normalzito e faz lembrar o GURPS. É o meu único problema com o jogo, há características e skills inúteis que só servem para tornar o sistema confortável para malta habituada a RPGs “tradicionais”. Como para o meu grupo isto até é uma vantagem, eu não me queixo
GNS
Em termos de teoria e sistema, acho que o Capitán Alatriste é muito útil para jogos Gamist em que o foco é a interacção social e não o combate. Está lá tudo em termos de regras e recompensas, em especial o investimento de XPs em cargos e posições sociais que dão uma série de poderes, ao invés dos mais prosaicos poderes de combate ou sobrenaturais. Aliás, um “munchkin” enquadra-se bem no jogo - quanto mais “poderes” tiver, mais enredado ficará na teia de intriga social
O jogo talvez também sirva para jogos Gamist baseados em combate, para quem só quiser travar duelos, mas é mais fraco. Também pode ser usado para Simulacionismo baseado no setting para quem gosta do Valmont, dos 3 mosqueteiros e das aventuras de capa e espada, mas se os jogadores não se interessarem pela escalada social o jogo pode tornar-se desinteressante (para quê os “poderes” nesse caso?)
Finalmente, o jogo pode interessar a malta do Narrativismo que queira jogar jogos de intriga em sociedade - intriga e escolhas difíceis não faltam. Mas para isso faltam regras para relações pessoais e essas coisas. Talvez desse para adaptar o HeroQuest e ter um resultado melhor, mas para a malta que não tem tempo para essas adaptações e que quer jogar no século XVII o Capitán Alatriste tem um bom potencial.
Para acabar
O Capitán Alatriste vem num livrito bonito, bem ilustrado e barato (33 euros) para quem está habituado aos suplementos do D20 e D&D (para a malta dos jogos indie é caríssimo, mas tem aquelas coisas da capa dura e das ilustrações a cores que compensam). Por enquanto está em Castelhano, muito bem escrito e bem-humorado. Para mim isso é uma vantagem, mas vai saír a edição inglesa para quem não se der bem com a língua do Cervantes (e do Aznar).
Acho que se adapta bem a campanhas com alguma duração, porque sem escalada social o jogo tem menos piada (só a parte dos duelos é que é inovadora). Nós inventámos uma regra extra que roubámos ao PTA e que incentiva os floreados e o estilo que associamos às aventuras de capa e espada: no final de uma sessão, o GM dá aos jogadores 6 pontos de experiência que podemos distribuir entre nós com o critério que quisermos. Temos dado mais XPs à malta que tem as tiradas mais brilhantes e ousadas durante o jogo - é estilo o “fan mail” adaptado aos jogos tradicionais
Enfim, foi um joguito fixe que comprámos e que nos deve durar para mais uma campanha de um ano
JP