Carrom


 

Encontrava-me ainda imerso no prólogo deste ato, e dei por mim embatucado consoante despertava para a dimensão deste jogo. Talvez não tanto por praias lusitanas, onde até agora não me apercebi de qualquer referência, mas por toda a ásia e médio oriente, em particular no seu país natal: a Índia. 
 
As fronteiras do Carrom transpuseram essas áreas geográficas, existindo atualmente um Carrom Americano e um Carrom Japonês, além de inúmeras versões alternativas, tal é a popularidade deste jogo de perícia. 
 

   

                                     Carrom americano e Crokinole em simbiose                                   Carrom Japonês
                                          Carrom na frente e Crokinole no verso 
 
O Carrom é descrito amiúde como um primo do Crokinole e do Bilhar, com direito próprio radicado numa história centenária. Aliás, o seu epíteto é precisamente "o bilhar de dedos".
As semelhanças com o Crokinole são notórias na parte em que ambos se jogam com as pontas dos dedos, arremessando uma peça contra outra, no intuito de a colocar num determinado ponto. No caso do bilhar a similaridade reflete-se mais na localização dos buracos nos cantos do tabuleiro e no fio de jogo com tabelas, com o uso das peças para defesa, a existência da peça vermelha (rainha) nas vezes da bola preta do bilhar, enfim, toda uma perspetiva de jogo semelhante. 
No caso do Carrom padrão para os seus congéneres de outros países, uma das principais diferenças é o tamanho dos buracos, que no caso do Carrom japonês chega a ser abismal (imagem superior). A facilidade que desse modo é inserida no jogo, não é desejável pelos apaixonados por Carrom, pois vulgariza o jogo ao torná-lo demasiado acessível. A mim a versão japonesa parece mais um Carrom Júnior. 
 

   

                                  Carrom a dois jogado em casa                                                Torneio de Carrom a pares 
 
É um jogo que é viável para jogar a dois ou a pares. Uma diferença que salta à vista a quem já experimentou Crokinole e Carrom, é que no Carrom o grau de perícia necessário é exorbitante. É preciso suar a estopinha. Mesmo para quem já jogou algumas vezes, para meter uma no buraco é necessário concentração absoluta e conformar-se em encaixar em média uma peça em cada dez a vinte tentativas. Em raras vezes lá se colocam duas ou três seguidas, noutras ocasiões lá se está a jogar incansavelmente sem afundar uma há largos minutos. Mas admito que é uma questão de treino e muita concentração a cada dedada, pois mesmo conseguindo o ângulo perfeito para a peça desejada ir para o buraco, é igualmente necessário desferir a energia exata no golpe, pois pouca não chega à fonte e apenas um pouco mais do que o necessário vai causar uma tabela no canto no tabuleiro, não chegando sequer a peça a dar mostras de cair no sítio. 
No entanto, vendo os peritos a jogar, parece tão fácil... 
 

 Taça dos Campeões 2014
  Karnal Abdin Vs Pierre Dubois 
 

Há muitas variações no Carrom, quer nas suas regras, quer nos tabuleiros. A fim de normalizar o jogo e ajudar na sua difusão, a Federação Internacional do Carrom em 1993 criou as Leis do Carrom. Tratam-se de regras que foram estabelecidas como padrão para a modalidade para aplicação oficial em torneios, estipulando as regras em grande pormenor, e inclusive as dimensões do tabuleiro, o tipo de material aprovado para a sua construção e das peças de jogo, até mesmo a altura do candeeiro sobre a mesa e o seu material de fabrico.
Dita as normas de conduta e civismo entre os participantes, incluindo quando se podem mexer, com que partes do corpo e quais os movimentos aceites, o que se pode falar, e por aí fora. Apesar de poder parecer extensivo, define sem margem para dúvidas o que é permitido e o que ultrapassa o desejável. Pessoalmente fiz o download das Leis do Carrom e dei-me ao trabalho de as esbater página a página. Não se assustem, são "só" catorze páginas somente com texto. Há regras bem mais extensas. Para quem quiser uma interação fidedigna com o Carrom, eu aconselho vivamente a ler essas regras. Aliás, é quase obrigatório pois as regras que vulgarmente acompanham o jogo, com umas irrisórias duas páginas, deixam o jogador à fome e de encontro a um vendaval de questões sem resposta. 
 

   
  

O tabuleiro é quadrado e tem quatro buracos nos cantos. No centro tem dois círculos: um pequeno de cor vermelha (inner circle) e outro maior (outter circle).
Perto das bermas situa-se a zona de jogo. Cada jogador tem à sua frente duas linhas, delimitadas em ambos os lados por dois círculos vermelhos. Quando o jogador pretende posicionar a peça grande (striker) para realizar a sua jogada, esta tem que ser colocada a tocar as duas linhas, o que permite uma pequena margem de manobra para a frente e para trás. No entanto, lateralmente tem uma ampla abertura para colocação, entre os dois círculos vermelhos. Não pode no entanto tocar na linha dos círculos.
Caso o jogador pretenda posicionar a sua peça mais para o lado, pode-o fazer colocando a striker de modo a cobrir completamente o círculo vermelho. 
 

 
O Carrom é um jogo em que cada equipa (singular ou pares) tem nove peças, conhecidas como "Carrom men".
Existem mais duas: uma vermelha "Rainha" que faz as vezes da bola preta do bilhar, e a "Striker" que não é uma peça de jogo como as referidas anteriormente, sendo esta na qual se aplica a dedada para embater nas demais. Após a jogada, esta peça é recolhida para se realizar o arremesso seguinte. A striker é a única peça que pode ser personalizada. Apesar das dimensões terem que ser respeitadas, os desenhos estampados variam ao gosto de cada jogador. 
As peças brancas e pretas, e ainda a rainha, são colocadas numa posição pré-definida: a vermelha ocupa o círculo central, as brancas são posicionadas formando um "Y", em que os "braços" são direcionados para os dois cantos opostos ao jogador inicial. Depois coloca-se as pretas em conjuntos de três (exemplificado na imagem acima), e depois completa-se com as restantes brancas. Deve-se ajeitar todo o conjunto de modo a que fiquem corretamente posicionadas. Existem inclusive peças hexagonais para esse efeito, à semelhança do triângulo do bilhar. 
Uma caraterística muito peculiar do Carrom é o uso de pó branco para proteger a superfície de madeira e dar a ligeireza pretendida para as peças deslizarem corretamente. Diz-se que para verificar se o piso está bom, deve-se arremessar uma peça com toda a força contra o lado oposto, devendo esta efetuar três tabelas e meia. O pó deve ser fino e de alta qualidade. Na compra do tabuleiro é fornecida uma dose desse pó, sendo que desconheço por ora se o vulgar pó de talco poderá fazer as vezes do habitualmente usado. 
 

   

 
O jogador com as brancas efetua a jogada inicial (break), podendo arremessar a striker diretamente para o centro, ou procurar uma tabela no lado oposto de modo a atingir as peças pelo outro lado.  
O objetivo de cada equipa é no seu cerne, meter as suas nove peças em qualquer um dos quatro buracos. No entanto, não podem meter a última peça enquanto a vermelha não tiver sido encaixada antes. Se alguém o fizer antes da vermelha estar arrumada, invés de ganhar o jogo por terminar primeiro, perde-o. 
 
Para meter a rainha (peça vermelha), é preciso respeitar algumas regras: 
- enquanto a equipa não tiver metido pelo menos uma peça num buraco, não pode tentar meter a vermelha, pois tal feito irá dar penalização; 
- metendo a vermelha durante o jogo, é preciso tapá-la; tapar a rainha consiste em meter uma peça da nossa cor na mesma jogada em que se encaixa a rainha (em simultâneo, em qualquer buraco) ou meter uma peça da nossa cor na jogada imediatamente a seguir; se o jogador não for capaz, então a rainha não foi tapada e volta a jogo, sendo reposicionada no centro do tabuleiro; 
- como já referido, não se pode terminar o jogo sem que a rainha tenha sido encaixada e tapada, não importando todavia quem o fez; 
 

   

  
As variações de encaixe das diferentes peças, nas diferentes alturas do jogo, tem direito a uma extensa cobertura nas regras do jogo. Revê-se de seguida algumas das linhas principais. 
Caso a striker entre no buraco, é retirada juntamente com qualquer peça do jogador que tenha entrado nessa jogada e ainda uma peça de penalização que já estivesse inserida no buraco. Caso o jogador ainda não tivesse nenhuma metida, então ficava a dever até quando a tiver. 
Claro está que o adversário terá que se lembrar disso depois, ou caso contrário passa à frente incólume. 
Se o jogador inserir qualquer peça do adversário, só o está a ajudar, mas não sofre penalizações.
Não há problema se a striker não embater em qualquer peça, se embater só nas do adversário ou na vermelha, ou qualquer outra combinação. 
Sempre que o jogador conseguir meter num buraco pelo menos uma peça sua ou a rainha, irá jogar novamente a seguir. No entanto se, por exemplo, meter nessa jogada a striker, irá ter de retirar todas as peças da sua cor que meteu nessa jogada e uma de penalização, como já foi referido, mas volta a jogar. Portanto, o mesmo jogador, se tiver arte e engenho pode estar a jogar consecutivamente, enquanto meter as suas peças num buraco (ou a vermelha). Num caso extremo do jogador branco meter todas as peças de seguida, terminando o jogo sem que o adversário possa jogar, tal proeza é denominada "White Slam". 
Meter a última peça do adversário dá derrota. Por quantos pontos, depende das condições do jogo nessa altura. 
 

   

 
Terminando o jogo, procede-se então à contagem dos pontos para o vencedor. Por norma, o jogador ganha um ponto por cada peça do adversário que ainda estiver na mesa, e três pontos se tiver encaixado a rainha. Caso a rainha tenha sido encaixada pelo derrotado, então ninguém ganha pontos por essa peça vermelha. 
Os pontos obtidos somam-se ao total, e recomeça-se outro jogo, alternando entre pretas e brancas.
O primeiro jogador a chegar aos 25 pontos, ganha uma partida. 
O jogo de Carrom é decidido ao melhor de três partidas. 
 
Um aspeto ainda não abordado é o do momento em que se desfere o golpe na striker. Tem um conjunto muito próprio de regras, bem definidas e muito rígidas. 
Pode-se usar qualquer uma das mãos, mas enquanto se usa uma, a outra tem que sair fora do tabuleiro, não podendo apoiar-se. O cotovelo não pode passar para a frente do limite do tabuleiro, nem além do prolongamento imaginário das linhas oblíquas marcadas no tabuleiro. A mão e dedos podem apoiar-se no tabuleiro a fim de prestar melhor eficácia à jogada, mas não é obrigatório. Existem algumas técnicas específicas aconselhadas para se efetuar os vários arremessos conforme os ângulos pretendidos, mas não é obrigatório. No momento da dedada, o dedo pode ser esticado ao comprido, mas a mão não pode realizar um arrastamento, quer esteja apoiada ou não no tabuleiro. Tal ato é considerado ilegal. 
 

   

 

  
O Carrom é sem dúvida um dos jogos mais apaixonantes e desafiantes que já encontrei, apesar de ser uma prova de perícia. Reina nas festas onde todos o querem experimentar, agrada a todos que o jogam, algo que não é muito comum. Por ora ainda não encontrei quem torcesse o nariz, por pouco que fosse. 
Considerando que é um jogo mais acessível economicamente para adquirir do que o Bilhar ou o Crokinole, relevo ainda o facto de atualmente estar em saldo a metade do preço na Juegame Store. É portanto um achado e muito bem gastos os €35 pedidos nesta ocasião, considerando que o preço normal ronda os €70 ou um pouco mais. O tabuleiro é aprovado pela federação, tendo as caraterísticas padrão do Carrom. Vem com um conjunto de onze peças de cada cor, duas rainhas e uma striker. Acompanha ainda uma embalagem com pó branco para o tabuleiro.   
Pessoalmente aconselho sem reservas, pois o Carrom é muito mais do que um jogo. É a alma num encontro de pessoas, tem uma longevidade ímpar, quase infindável, é um jogo que não requer puxar muito pela cabeça para jogar, algo que é do agrado daquelas pessoas a quem pensar provoca dor, mas estão sempre prontas para um teste às suas capacidades motoras, algo que se pode aplicar a muitas pessoas com alguma idade (e não só).
Sem qualquer pejo de dúvida, dentro da categoria de jogos de perícia, dou 20 em 20. 

Mais uma review para a ludoteca. :) 

Só agora tive disponibilidade para ler com atenção esta review. Muito boa! Mais uma vez com todos os ingredientes necessários em que destaco também a boa explicação de regras.



Tenho este jogo e, no meu caso, é o jogo (de longe) mais caro e mais pesado da minha coleção (pesa mais de 16Kg). Notei inclusive que algumas das fotos que colocaste são do meu carrom e foram tiradas por mim (e adicionadas ao BGG). smiley



Comparando o Carrom com o Crokinole, apesar do mesmo género, o Carrom é bastante mais dificil de se jogar e, por isso, considero o Crokinole um jogo melhor para jogar com jogadores ocasionais.



Este jogo já esteve num Encontro Mensal do Grupo de Boardgamers de Lisboa em que tivemos como convidados elementos da Federação Portuguesa de Carrom.



Esteve também em algumas LisboaCon (em baixo a ser jogado por pessoal do Norte) yes



e na LisboaCon 2011 tivemos também um Carrom Sul-Africano feito pela nossa amiga Dinah





É um jogo que recomendo vivamente e que infelizmente, até hoje, nunca consegui jogar uma partida completa até aos 25 pontos frown