É um comentário muito interessante, e identifico-me bastante com essa tensão. Dantes, quando ainda tinha tempo para D&D, começava com um mundo mágico que se perdia à medida que eu começava obsessivamente a catalogar monstros, feitíços e objectos mágicos. Aconteceu-me o mesmo em Immortal - a magia e o mistério que enchem o setting do jogo foram-se perdendo à medida que eu detalhava e descrevia a história e política dos Imortais em Portugal.
Nessa altura, esse género de conflito era bastante improdutivo para mim. Eu criava mundos e histórias grandiosas que se íam perdendo à medida que eu tentava catalogar e dar “stats” a todos os países, personagens e segredos. Várias campanhas (principalmente de D&D) começaram com um “sense of wonder” que se diluiu com o tempo até eu ou os jogadores se fartarem e decidirem começar do zero. Quase que me fez acreditar que as campanhas longas acabavam em merda em 100% dos casos.
Acho que, desde que consegui refrear o impulso de catalogar tudo (não ter tempo nenhum ajuda!) as coisas têm corrido melhor nesse campo. Por vezes esse impulso ajuda bastante (como diz o Mieville), desde que em doses pequenas.
Por exemplo, ocasionalmente desenvolvo com grande detalhe mapas, preocupo-me com a coerencia geofísica e social dos mundos, ou com o modo geral como a magia funciona. Para mim isso, quando exposto aos jogadores (e mesmo que seja irrelavante para a história que eles estão a jogar!) mostra que há coerência por trás do mundo, que há coisas a acontecerem para além deles, e para mim isso dá vida ao setting. Ainda por cima (e contra-intuitivamente!) aumenta o sentido de mistério - mostra uma ordem escondida que está lá, que talvez domine tudo, mas que os personagens e os jogadores nunca poderão alcançar 
Mas… Se eu fizesse isso com mais obsessão, ou se o tentasse trazer mais para a mesa de jogo, acho que os jogadores íam sentir exactamente o contrário, porque uma pessoa só não consegue gerar histórias e settings com toda a complexidade do mundo real, só consegue quando muito pintá-los, dar a ideia. Sempre que tentamos aumentar o detalhe revela-se que são coisas construídas, que não são orgânicas, e o mundo soa a falso. Descobrem-se os segredos e eles são simplistas, faceis de compreender. Lá se vai o mistério.
Outro exemplo. ShadowRun é um RPG em que as coisas tendem a ser catalogadas - poderes, feitíços, cyberware, armas, etc. Mas quando escrevemos os livros que detalham o setting, pedem-nos especificamente para refrearmos essa tendência catalogadora. Em vez de listar inimigos e aliados, pedem-nos que exponhamos diferentes pontos de vista, e se forem contraditórios melhor.
Acho que este “esborratar” deliberado do setting, aliado à maneira como cresceu organicamente (sem ter uma única mente directora ou um único escritor) ajuda bastante a aumentar o tom de mistério do setting, a dar a sensação que há N backstories que se cruzam e descruzam, que há N coisas a acontecerem por trás das cenas que dão vida ao setting. E claro, a falta de detalhe encoraja os grupos individuais a darem a sua própria explicação, a ligarem as histórias ao que se passou na sua mesa de jogo, ou seja, a ligarem os personagens ao setting sem terem que abdicar das suas próprias histórias. Há muitos mistérios no mundo, mas no caso X isso deve-se tudo a nós 
Mas… Se houvesse uma secção a “detalhar tudo” para os leitores, ou se os plots fossem demasiado detalhados, acho que o mistério todo se perdia e o ShadowRun ficava igual a outros jogos em que os jogadores ou seguiam o metaplot ou ignoravam o material publicado.
No fundo, para mim o caos do mundo real é demasiado grande para ser catalogado, e os RPGs que o tentam fazer acabam sempre por soar a falso, por serem transparentes - mas alguma catalogação aqui e a ali ajuda a dar uns ares de consitência, de ordem interna ao setting que podem ao explicar uma série de “pequenos mistérios”, aumetar grandemente a sensação toda do mistério maior 
Rambling,
JP
PS: notem que não sou GM há 6 meses, por motivos profissionais, pelo que não testo estas ideias há algum tempo 