Combat Commander: Europe

Publicado pela GMT Games, no relativo longínquo ano de 2006, pela mão do autor Chad Jensen, o Combat Commander: Europe – CCE para abreviar – tem sido um caso raro de grande sucesso na gama dos wargames tacticos. Tendo por base o comando de equipas e secções de pelotões durante a Segunda Guerra Mundial, coloca os jogadores a controlar forças alemãs, ou dos Aliados – Americanos ou Russos – em cenários que reproduzem escaramuças ao longo das frentes de combate.

Como tem vindo a ser hábito da GMT, a caixa do jogo é sólida com uma arte gráfica evocativa do tema do mesmo, sem grandes truques fotográficos, nem proezas de desenho. Já quando a abrimos e começamos a verificar o seu conteúdo, somos mais uma vez confrontados com uma quase austeridade, comum a muitos wargames desde à muitos anos, mas a inclusão de um livro de regras e de um livro de cenários separados, várias folhas de counters em que se nota aqui uma qualidade esta sim já bem acima da média, várias folhas cartonadas de ajuda e vários mapas impressos de ambos os lados, começamos a ver que já se está a apontar baterias para os níveis mais elevados do que se faz em wargames. É quando se começam a destacar os counters que se nota que estamos naquilo a que chamamos de muito bom, com cada counter tendo uma ou mais figuras evocativas da unidade que representam, líder, equipa de até cerca de 5 homens, ou esquadrão de até cerca de 10 homens, e apresentando os uniformes à época, e o pormenor delicioso de ter todos os lideres nomeados, qualquer que seja a nacionalidade, e ainda counters separados para as armas de suporte (considerando-se que as armas individuais estão já representadas nos counters de cada unidade), como sejam metrelhadoras ligeiras e pesadas, morteiros de suporte até às peças de artilharia ligeira alemã (IG42). Finalmente existem um conjunto de counters para utilização administrativa ou para representar estados de outros counters durante o jogo, como sejam metrelhadoras, trincheiras, bunkers, minas, fumo, indicação de unidade veterana ou suprimida, etc. E depois temos ainda os três decks de 72 cartas cada, um para cada nacionalidade: Americanos, Russos e Alemães. Mais à frente vou explicar o porquê destas 72 cartas em cada baralho, note-se apenas que não existem dados dentro da caixa e os jogadores não terão que os providenciar.

Como tema temos um wargame que vai modelar os combates tacticos da Segunda Guerra Mundial (WWII) no Teatro Europeu de Operações (ETO), na frente Leste (Alemães vs Russos) e na frente Ocidental (Alemães vs Americanos). Estamos a falar de pequenas escaramuças envolvendo 20~30 homens para cada lado, e só em combates de infantaria auxiliada pelas suas armas de suporte, sem apoio de tanques. Aliás este tem sido um pequeno ponto de controvérsia uma vez que o autor Chad Jensen optou deliberadamente por excluir os monstros de metal do jogo. Para quem gostaria de brincar com os pópós, terá de ir brincar para outro lado. De que forma é defensível esta opção? Muito simples, os tanques não estavam em todo o lado, e cada um dos cenários representa uma acção militar restricta em cada frente de combate, em que tanques nem vê-los. O que é normal pois por cada acção em que participaram tanques, existiram pelo menos dez em que estes nem se viram. Trata-se de uma concepção que as pessoas têm errónea da WWII, em que esta é tanques e mais tanques por todo o lado.

Voltando ao CC:E, este é um jogo que oferece um ruleset base que determina como todas as peças se movem, como se jogam as cartas, etc, mas em que o objectivo muda de cenário para cenário. Ou seja, no jogo existe um livro de cenários que coloca em cada um os objectivos de parte a parte e como os alcançar fica ao critério de cada jogador desde que siga as regras conforme escritas. Não só cada cenário dita os objectivos mas também estabelece regras particulares, como seja um cenário a decorrer de noite afectando a distância a que se consegue ver e consequentemente reduzindo a eficácia dos tiros, ou outro que decorre em pleno Inverno em território russo, com neve que dificulta o movimento para todos excepto os partisans russos. Ou seja, cada cenário é um micro-jogo independente dos demais cenários, em que basta uma pequena alteração de uma regra para criar um efeito diferente sobre o jogo. O que me leva ao livro de regras, em que é surpreendente como num jogo desta complexidade consegue transmitir tanto em tão poucas páginas. Profusamente ilustrado, e com um exemplo de jogo que é mandatório de seguir para quem pega no jogo pela primeira vez, caso não tenha ninguém que o ensine, as regras estão claramente escritas, sendo de realçar o mandatório aviso que qualquer indicação das cartas que conflite com as regras, prevalece o que está na carta, bem como a obrigação de cumprir à risca as instruções nas cartas (exemplo: um evento diz para suprimir uma unidade que esteja em terreno aberto – se as únicas unidades em terreno aberto são do próprio jogador este terá que suprimir uma das suas próprias unidades, uma vez que a carta não diz para suprimir uma unidade adversária que esteja em terreno aberto). É ainda de notar pela excelência o gerador de cenários incluido, que é simplesmente dos melhores feitos até hoje em jogos deste tipo, que permite aos jogadores criar novos cenários equilibrados, tornando a longevidade e rejogabilidade do jogo quase infinita.

Quando se começa a preparar para jogar um dos cenários, é bom que os counters estejam organizados de forma a simplificar este processo, já de si um pouco moroso, sendo quase imprescindível adquirir várias das famosas trays da GMT para counters (aconselho 4, uma para exército, e uma para os counters de sistema – todos os restantes). Cada cenário dá indicações precisas do tempo de jogo, condições de vitória, regras especiais em utilização e as unidades que cada jogador tem no inicio ou que podem entrar como reforços, e a sua área inicial. O que cada cenário não indica é onde é que cada unidade deve começar, e é logo aqui começa o jogo com a escolha que cada jogador vai fazer de colocação inicial das suas unidades, pois uma má colocação inicial pode arrasar completamente as hipóteses de vitória do jogador. Esta última vertente vai criar uma grande dificuldade no aprendiz, pois irá precisar de vários jogos para aprender a “ler” o cenário de forma a tirar o melhor partido possível da sua colocação inicial. Esta vertente de aprendizagem fará com que muitos recuem perante um jogo destes, mas caso pretendam gastar o tempo necessário para o aprender vão ganhar um jogo que é cheio de reviravoltas e de decisões dificeis.

Entre as mecânicas base destaco algumas:

  • Cada carta só pode ser jogada como uma ordem que activa uma unidade ou um jogador ou como uma acção que é uma reacção que se joga perante uma ordem do próprio jogador ou do adversário. Todos os restantes dados constantes numa carta só são significativos quando se “rolam” dados: eventos e hexágonos aleatórios.
  • Um líder quando activado permite activar todas as unidades amigas no seu raio de acção (normalmente 1 ou 2 hexágonos)
  • Sempre que é necessário obter um resultado correspondente a dois dados de 6 faces (2D6), revela-se uma carta do próprio baralho, e em cada carta estão representados dois dados D6 com os valores de 2 a 12, o que faz que nas 72 cartas do baralho esteja representada duplamente a distribuição estatística completa de 2D6 (no baralho estão dois 12′s, dois 2′s, quatro 11′s e quatro 3′s, quatorze 7′s, etc). Esta distribuição vai agradar a quem não gosta de dados, pois garante que um jogador não vai andar a lançar 10′s 11′s e 12′s a toda a hora, uma vez que são limitados à quantidade existente no baralho, podendo o jogador mais conservador verificar que se ao adversário já lhe saíram todos os 10′s ou superiores saber que lhe vai ser impossível ter aquela jogada de sorte extrema
  • A carta de iniciativa – o chamado toque de mestre – esta carta extra aos baralhos dos jogadores é atribuída pelo cenário a um dos jogadores, e no decurso do jogo, se o jogador não gostar de um “lançamento” de dados seu ou do adversário, pode forçar o descartar desse lançamento e tirar uma nova carta, bastando dar a carta de iniciativa ao adversário, que no mesmo lançamento pode logo passá-la de volta e vice-versa, até que um dos jogadores fique contente com o lançamento efectuado
  • A capacidade de descarte de cartas inúteis no momento, que varia conforme a nacionalidade, com os alemães a poderem descartar até seis cartas de uma vez, até à estrutura mais rígida dos russos que só lhes permite descartar até três cartas por turno

Claro que as mecânicas base têm mais do que isto, como seja o efeito do avançar do turno que é contabilizado pelo fim do baralho de um jogador ou pelo lançamento de um 12 nos dados. Os eventos que aparecem associados a determinados números nos dados que criam efeitos para além do controle dos jogadores, com sejam incêndios, tiros de sniper, ataques de aviação, a resolução heróica de soldado que faz com que os seus colegas efectuem actos de bravura bem para além do esperado, etc, etc. O que devo realçar é que muitos dos eventos e acções estão desenhados para o efeito, podendo não corresponder exactamente à acção descrita nos mesmos. Um exemplo disto é o evento do snipper que ataca uma unidade completamente fora da linha da frente. Isto pode não corresponder a um snipper no formato tradicional de um soldado equipado com uma espingarda com mira telescópica a disparar emboscado sobre uma unidade inimiga, mas sim a um soldado ter deixado cair uma granada quando estava a limpar a farda, ou um barulho que se ouviu e que fez com que todos se assustassem, etc. Tudo isto no seu conjunto cria uma narrativa que é imbatível e com uma interacção entre os jogadores que têm de estar sempre a verificar o que o adversário está a efectuar, mantendo a cara de poquer, para não o deixar saber que afinal não tem nenhuma carta de tiro para quando este atravessa unidades em campo aberto à frente das suas unidades, ou será que está a deixar passar as duas primeiras para caçar o alvo mais suculento que inclui o líder.

Com um preço na ordem dos 60 Euros, é um jogo que satisfaz durante centenas de horas e o valor que se tira do mesmo só se dá conta quando os counters começam a ficar usados de tanta jogatina que se faz com o mesmo. Considerado um ASL light cruzado com o Up Front, o Combat Commander: Europe é um dos melhores jogos tacticos de combate de infantaria da WWII, sendo um que recomendo vivamente a qualquer interessado em passar muitos e muitos serões bem divertidos, que vão para lá do arrumar da caixa, com as histórias que ficam e que se recontam uma e outra vez, daquele combate em que o herói limpou a fortaleza quase de mãos a abanar ou de como se conseguiu dar cabo de todas as metrelhadoras logo no primeiro tiro.

Publicado originalmente no Firepigeon & Friends Games & Geekiness