Começo a perceber esta coisa do NAR..., e algumas divagações

Notem: este post está re-escrito aqui e aqui. Públicos diferentes e coisital.

Se estão lembrados, postei há tempos uma questão bem pertinente, sobre Como Jogar NAR. A dúvida prende-se por vários motivos, um deles é que os meus olhos sangram quando leio as coisas do Ron Edwards, mas está rapidamente a esvair-se, e não é por causa de jogar ou deixar de jogar, mas por ver o Rome.

Se o Rome fosse apenas sobre SIM, então veríamos as campanhas do Júlio César maravilhosamente retratadas, e talvez acompanhassemos toda a política do Senado e da maneira como o César manobrou os seus amigos e inimigos para chegar ao poder. Só isto já seria excelente e já daria uma excelente série.

No entanto, Rome não é apenas sobre Júlio César e a sua chegada ao poder, Rome é também sobre dois soldados, Lucius Vorenus e Titus Pullo, e a maneira como a sua relação de amizade cresce ao longo da série. No último episódio que vi, Pullo apercebe-se da sua solidão, e pede dinheiro ao amigo Vorenus para lhe comprar a escrava gaulesa Eirene, de quem está apaixonado. Ele compra a escrava e liberta-a, oferecendo-lhe um vestido, e ela sai a correr, para o experimentar. No entanto, logo a seguir aparece um outro escravo, a agradecer ao Pullo ter liberto o seu amor, pois eles já estavam a pensar comprar a sua liberdade para poderem casar. Pullo, num acesso de raiva e ciúme, mata o escravo. Vorenus apercebe-se do que aconteceu, mas não pode deixar passar incólume a violência que ocorreu em sua casa, um escravo seu foi morto à frente da sua mulher e filhos, e pior!, Pullo, sem pensar pela raiva, ainda insinua que Vorenus agora é um vendido de César. Este é um golpe demasiado grande para Vorenus e a sua honra, e ele expulsa o amigo de casa.

Isto é NAR em acção: interessa muito mais a emoção que se extrai do Tema, do que o próprio Tema, o que me leva mais uma vez a concluir que a Teoria está mal escrita. NAR não é sobre Tema, é sobre Emoção; SIM é que é sobre Tema.

Tenho andado ultimamente a falar sobre o Shadows in the Fog. Há duas coisas que adoro nesse jogo, e uma que detesto.

Adoro o Tema, o oculto numa Londres Victoriana, e adoro a luta que pode ocorrer entre a Máscara que se apresenta à sociedade Victoriana contra o Abismo dos vícios e vontades pessoais, e detesto o sistema de Tarot, que quase obriga a que se saiba Tarot para poder jogar, pois involve interpretação das cartas.

Por causa disso, arranjei o meu próprio sistema, que muito sucintamente funciona assim:

A Máscara (o que o personagem diz que é: onde diz estudou, se esteve na guerra, o seu poder económico, como se veste, a que clubes vai...) vai funcionar não apenas como um descritivo, mas também como um recurso que pode ser usado para ajudar em lançamentos (tirei as cartas e substituí por um d6) que envolvam finesse, mentira, e tudo o que seja contra a força bruta ou o instinto. Se quiser forjar uma assinatura para entrar no prestigiado Gentlemen's Club, pode ajudar usando um ponto de Máscara; se numa luta quiser fingir que está ferido e obter assim uma vantagem, pode usar um ponto de Máscara. Os pontos de Máscara recuperam-se ao seguir as leis da Sociedade e as mentiras que se impõem, em detrimento dos próprios vícios e vontades.

O Abismo (o que o personagem realmente é: se é alguém educado para estar na sociedade, alguém que mente sobre a sua posição, os seus vícios, vontades, etc) também vai funcionar como um recurso a ser usado em lançamentos que usem força bruta, instinto primário, velocidade de reacção, ou tudo o que seja oposto à razão. Se quiser ser mais forte numa luta pode usar um ponto de Abismo, se quiser intimidar alguém com um berro pode usar um ponto de Abismo. Os pontos de Abismo são recuperados quando se seguem os instinctos em detrimento da sua posição social.

Agora pensem no seguinte: a alta sociedade Victoriana é toda ela sobre mentiras e aparências. Vejam (ou leiam) o From Hell, do Alan Moore, e percebam como é que eles se protegem todos para manter as aparências. Portanto, um sistema assim faz todo o sentido para apoiar uma Agenda Criativa como o NAR.

Interessante, na rpg.net um tipo chamado Jack Spencer respondeu-me com um link para a Forge onde diz:

Narrativism is prioritized exploration of deep character.

–~~–

Alguém muito sábio disse uma vez: "So, Trebek, we meet again! The game's afoot!"

Uma outra coisa:

Sobre este assunto, e falando também na campanha de Exalted do Tony P., reparem que foi o que eu quis fazer entre o meu perso e o do Tiago - criar uma situação entre os dois personagens.

Que vai acontecer entre os dois quando ele descobrir que fui eu que tentei envenená-lo, e depois andei a espalhar a palavra que havia malta a querer matá-lo e que eu é que o tinha salvo?

Não só isso, mas também alguém chegar a casa de outro para pagar uma dívida, sair de lá com mais dinheiro e ainda lhe dizerem que na verdade estão é em dívida com ele, está total e perfeitamente de acordo com aquilo que a familia do meu perso é.

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Alguém muito sábio disse uma vez: “So, Trebek, we meet again! The game’s afoot!”

Quanto à tua afirmação, Rui, de que Nar é sobre Emoção e não Tema, será que podias explicar melhor a o teu raciocínio e sua ligação com o exemplo de jogo? É que esta não é muito evidente.

Quanto à diferenças entre Sim (incluíndo Sim-Char) e Nar, segundo as definições do autor (e só nelas, sem a bagagem associada) vou tentar sitentizar o que o homem diz e levantar questões onde as achar mais pertinentes ou fundamentais, recorrendo ao corta&cola e abusando um pouco da mancha gráfica aqui do forum.

Então comecemos pelo busílis. No ensaio "[i]Simulationism: The Right to Dream[/i]" o Ron Edwards afirma (atenção que não é uma transcrição integral pois tentei retirar as passagens mais confusas):


[quote]

The point is that one can care about and enjoy complex issues, changing protagonists, and themes in both sorts of play, Narrativism and Simulationism. The difference lies in the point and contributions of literal instances of play; its operation and social feedback.(...)

(...)a character in Narrativist play is by definition a thematic time-bomb(...).

Therefore, when you-as-player get proactive about an emotional thematic issue, poof, you're out of Sim. Whereas enjoying the in-game system activity of a thematic issue is perfectly do-able in Sim, without that proactivity being necessary.

Before anyone flips out, stop for one more point, which is that my perceived time-scale of play for all the above points is quite high. I'm talking about whole sessions and sets of sessions, not moment-to-moment combat decisons or dialogue. So the "poof" is a pretty prolonged thing (and I better not develop this metaphor any further either).

[/quote]

Portanto parte do jogador em Nar procurar activamente durante todas as sessões e durante o jogo (não só em pequenos momentos) abordar um Tema e uma Premissa, mesmo que esteja implícito no Universo do Jogo.

Bem, mas podemos perguntar: "Então mas que raio é o Tema e a Premissa e o que tem a ver com Nar?"

Bem segundo o Glossário Provisório:

[quote]

Premise (adapted from Egri)

A generalizable, problematic aspect of human interactions. Early in the process of creating or experiencing a story, a Premise is best understood as a proposition or perhaps an ideological challenge to the world represented by the protagonist's passions. Later in the process, resolving the conflicts of the story transforms Premise into a theme - a judgmental statement about how to act, behave, or believe. In role-playing, "protagonist" typically indicates a character mainly controlled by one person. A defining feature of Story Now.

[/quote]

Portanto segundo esta definição de Egri a [b]Premissa[/b] é a proposição inicial de um desafio ideológico, proveniente das suas paixões (de que o move e não o deixa indiferente), ao universo que rodeia uma dada personagem.

[b]Tema[/b] é a resolução do conflto advindo do choque Personagem vs Mundo transformada em uma afirmação geral de "como as coisas devem ser"

Sendo que:

[quote]

Story Now (Nar)

Commitment to Addressing (producing, heightening, and resolving) Premise through play itself. The epiphenomenal outcome for the Transcript from such play is almost always a story. One of the three currently-recognized Creative Agendas. As a top priority of role-playing, the defining feature of Narrativist play.

[/quote]

E que:

[quote]

Theme

The point, message, or key emotional conclusion perceived by an audience member, about a fictional series of events. The presence of a theme is the defining feature of Story as opposed to Transcript. See Narrativism: Story Now.

Address Premise, to

To establish, develop, and resolve a Premise during play, with emphasis on the decisions made by the protagonist characters. See also Premise, Protagonism, and Story Now.

[/quote]

Presumo que se à partida um dado jogador (e/ou grupo de jogadores) decidir resolver uma Premissa e todas as decisões que e tome quanto à criação do seu personagem e a maneira como joga quanto às escolhas e actos tenham apenas em conta esse objectivo durante toda a duração do jogo de modo a que se chegue a um dado Tema que estaremos na presença de Nar. Se as escolhas, opções e actos tiverem em conta, durante toda o jogo, algum tipo de respeito por lógica interna do personagem, reacção provável ou válida a algum estimulo interior ou exterior manifestado então estaremos a entrar nos âmbitos de Sim.
O Gm (caso exista nesse jogo) ou o total dos jogadores cuja autoridade narrativa seja partilhada tomarão igualmente essa abordagem à premissa (incluíndo todas as ténicas ao seu alcance) se for caso de Nar, apesar do meu texto referir jogador de um dado protagonista, sendo este o mesmo caso na minha síntese da abordagem Sim.

O que me levanta a questão de que, segundo esta definição, como podem coexistir Nar e Sim num mesmo jogo, híbridos e tal?

Pegando no exemplo do Rome, sendo que é uma série de TV, e portanto uma história, (e Temas e Premissas são relativos a histórias), é difícil à partida aperceber-me da Premissa inicial sem a ter visto (ai, ai, a primeira série a 45 euros na Worten!) mas supondo que é acerca de Amizade vs Liberdade (ou algo parecido) e que foi isso que os produtores e escritores estabeleceram desde o início, todas as cenas descritas e decisões e actos criados estão a ser desenvolvidos de modo que época a época seja apresentado um tema ("A amizade é um laço que aboli a identidade" por exemplo) que tenha algum efeito e seja do agrado, principalmente, do público. Não esquecer que a audiência de um RPG é em si um grupo de pessoas que faz o input criativo para a história e reage a outputs criativos das outras pessoas.

É por essa razão que provavelmente Pullo tem uma reacção inesperada, dado o que segundo o Universo de Roma Antiga na altura de César, é esperado de um Legionário (fiquei com a ideia de que não era apenas um mero soldado) e a lógica interna da personagem demonstrada até então, mas a sua decisão, que obstante não precisava de ser racionalizada num grupo Nar à priori como sendo uma consequência da solidão ou de um ataque de raiva (sendo mais da esfera Sim-char) mas como a maneira mais interessante/pungente/prática de estabelecer tensão, é que leva à resolução da Premissa [b]in-game[/b] e explicitação do Tema.

Desconfio que, segundo este enquadramento, a Emoção (e esta é uma afirmação tremida pois ainda não percebi a afirmação que te questionei acima) não será bem o foco do Nar. A abordagem à Premissa por parte dos jogadores pode ser um puro exercício intelectual sem pontes emocionais dos jogadores com a Premissa ou com as respostas emocionais extremas dos seus personagens ilustradas durante o jogo. Mas duvido que esse seja o foco verosímil de um grupo de jogo pois pressuponho que todos devem acordar qual a Premissa a abordar antes ou durante o estabelecimento do Contrato SocialPor outro lado o interesse por uma resposta emocional possível a um personagem é algo pertinente ao Sim-Char e é um aspecto mais específico e propenso a apenas a um dado indíviduo tornando-se asssim difícilmente o único foco de jogo de um grupo.

Segundo isto, será que já joguei Nar? Não sei. Vou rever a minha experiência de jogo e se estiverem interessados posto aqui.

"Se alguma vez sou coerente, é apenas como incoerência saída da incoerência." Fernando Pessoa