Conan: Across Thunder River

Robert E. Howard, um dos pais do género de Fantasia e o pai do sub-género Swords&Sorcery, criou o que para mim são um dos maiores vilões de sempre, os Pictos. Embora, quando me refira a vilões como antagonistas mais do que algo maléfico, embora os Pictos aos olhos civilizados da Aquilonia e Nemedia e outras nações civilizadas sejam o mal encarnado. De facto, serão os Pictos a destruir Aquilonia e, consequentemente, trazerem o fim à Era Hyboriana.

Across Thunder River, da Mongoose Publishing, é um sourcebook para o Conan RPG que retrata a sociedade Picta. É um regional sourcebook, o primeiro da linha, e até hoje só o Stygia - Serpent Of The South o igualou em qualidade.

Os Pictos são, de longe, a raça mais odiada da Era Hyboriana. Howard era racista, e isso nota-se nas suas estórias. Os nativos dos Black Kingdoms são tratados abaixo de cão, mas os Pictos são considerados por todos o mais baixo, mais odiado, mais reles, mais sem valor. E isso é parte da magia da Era Hyboriana, é um mundo real onde toda a gente odeia toda a gente, um mundo que se fosse em D&D seria completamente chaotic evil.

A apresentação do livro é boa, principalmente o desenho da capa. É simplesmente espetacular! Quem tiver curiosidade, o desenho está no site da Mongoose.

Antes de tudo, o livro retrata as colónias Aquilonianas em território Picto. Isto constitui a primeira parte do livro, e é uma leitura interessante. Retrata a vida dos colónos na fronteira e a luta que é sobreviver num abiente tão hostil dia após dia. É uma secção útil para PCs borderers Aquilonianos, de facto, é o sítio onde os borderers Aquilonianos se sentirão mais à vontade em toda a Aquilonia. No entanto a secção não é útil para quem estiver interessado puramente em Pictos.

A segunda parte do livro fala sobre a cultura Picta. Este é o ponto alto do livro. Os Pictos são uma sociedade primitiva, bárbara e muito interessante. Eles são os vilões perfeitos, uma sociedade onde tortura e morte não só é comum como é perfeitamente aceitável. O livro fala em detalhe sobre todos os promenores da sociedade Picta e é uma leitura fascinante. Tudo, desde os jogos que os Pictos jogam até a maneira como tratam as crianças é abordado no livro. Torna-se fundamental para quem quiser fazer um PC Picto ler este livro. Este livro é uma ferramenta preciosa para quem quiser saber mais sobre os Pictos por qualquer que seja a razão.

No meio estão capítulos com feats e NPCs e bonus como as doenças que se apanham na fronteira.

Resumidamente, este livro está excelente. A primeira parte sobre as colónias Aquilonianas é relativamente fraca mas o estudo sobre a sociedade Picta mais que compensa os pontos baixos.

Um livro que merece estar na colecção de qualquer RPer nem que seja para ter inspiração a criar uma sociedade primitiva e antagonista, e um livro essencial para quem joga Conan RPG.

17 de 20.

Eu li o conto Beyond Thunder River, de Robert E. Howard, onde os pictos da Era Hyboriana são especialmente tratados. O ambiente lembra os filmes de colonos norte americanos, durante ou antes da guerra da independencia dos EUA, caso exemplar sendo Drums Across the Mohawk, de John Ford. Os Pictos têm assim muito de índio do leste, dos que combatem a pé por entre uma selva densa, e os colonos Aquilonianos são o equivalente dos pioneiros que tentam fazer a sua vida na terra inóspita. Nesses filmes, o pioneiro é tipicamente o homem corajoso, que civiliza a terra, e o índio o selvagem perigoso, parte da propria selvajaria da terra, em que a dor e morte, sua ou dos seus inimigos, tem tanta importância como a vítima tem para o predador.

Infelizmente, um dos traços menos felizes da personalidade de Howard era o seu profundo racismo. Noutro conto com Pictos - cujo título não me recordo - Conan coloca vários inimigos numa ratoeira e propõe-se matá-los, mas os pictos atacam. Conan podia deixá-los presos no seu buraco, para os Pictos os despacharem enquanto ele se salva, mas "Um homem não deixa outros homens brancos à mercê desses selvagens", diz Conan, e acabam por lutar todos contra os Pictos, mesmo sendo os seus inimigos Zíngaros. O Picto, como o índio, é o outro irredutível, que se não for eliminado nos elimina e devora - na "História" oficial da Era Hyboriana, séculos após Conan, os Pictos conquistarão a Aquilónia e todas as terras Hyborianas, mas serão incapazes de adoptar a civilização e auto-destruir-se-ão - dando lugar à História conhecida, após isso.

Outros autores tratarão os Pictos e as raças não brancas muito melhor nos seus contos de Conan. Suponho que existe uma personagem Picta como co-adjuvante do rei Kull - embora não saiba se ela vem de Howard, ou se é invenção da Marvel Comics. Quer como inimigo implacável, ou guerreiro/caçador honrado, o Picto tem o seu lugar de destaque em qualquer jogo tratando de material de Howard. É até a única "civilização" que sobrevive até aos tempos históricos - aos tempos da ocupação Romana das ilhas britânicas - e vem desde antes da queda da Atlântida, sendo assim um pouco as "baratas" do universo de Howard.

 

Tragedy is when I prick my finger, comedy is when you fall down a hole and die.

- Mel Brooks -

Bem, os Pictos de Howard nada tem a haver com os Pictos da Escócia. De facto, os Pictos em Howard eram descritos fisicamente como os nativo-Americanos. Isto é confirmado numa carta de Howard para L. Sprangue se não me engano. Howard simplesmente gostou do nome, Pictos, e usou-o fora de contexto.

Mas sim, Howard era racista, e hoje em dia é mau. Mas temos que ver o contexto da vida dele, ele vivia no Texas rural nos anos 20. Racismo lá era o pão nosso de cada dia, e, tal como Lovecraft, o racismo dele é mais um aspecto do tempo em que viveu mais do que um reflexo voluntário.

Para mim, no entanto, o racismo em Conan é óptimo porque reflecte a vida real demasiado bem até. E usar racismo num RPG como o Conan é algo muito colorido. Imagina um Picto PC em Tarantia, na Aquilónia. Ou então um PC Southern Black Kingdom em Zingara. Sou contra o racismo, mas como GM o racismo na Era Hyboriana provoca situações muito, muito interessantes de se GM. É por isso que a Era Hyboriana é o meu mundo de fantasia favorito. Porque é real, demasiado até, nos seus aspectos sociais.


Hither came Conan, the Cimmerian, black-haired, sullen-eyed, sword in hand, a thief, a reaver, a slayer, with gigantic melancholies and gigantic mirth, to tread the jeweled thrones of the Earth under his sandaled feet.

Howard, em todas as estórias de Conan, reflecte sempre seu objectivo quando escrevia as estórias. Basicamente que a Civilização cairá sempre perante o Barbarismo. As sociedades bárbaras serão sempre superiores às civilizadas. Isto é algo que Howard discute muito com outros autores. A história da Era Hyboriana está cheia destes exemplos. Bori e seus seguidores bárbaros conquistarem o império de feitiçaria de Acheron, formando assim os reinos Hyborianos civilizados. Os Cimérios unirem-se e destruirem a fortaleza Aquiloniana de Venarium na Ciméria. Os Pictos desruirem Aquilonia, e os Nordheimers destruirem os Pictos consequentemente. O barbarismo vence sempre, é o estado superior da humanidade, segundo Howard.


Hither came Conan, the Cimmerian, black-haired, sullen-eyed, sword in hand, a thief, a reaver, a slayer, with gigantic melancholies and gigantic mirth, to tread the jeweled thrones of the Earth under his sandaled feet.

[quote=MGBM](...) O barbarismo vence sempre, é o estado superior da humanidade, segundo Howard.

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Nem mais, é até a última linha de Beyond Thunder River, o comentário que faz um refugiado em fuga. E o racismo, xenofobia e machismo/sexismo são muito parte do ambiente e "sabor" da Era Hyboriana, e não se lhe está a fazer justiça se não estiverem presentes, tal como a escravatura, a crueldade, a indiferença e brutalidade dos superiores hierarquico-sociais quanto aos seus inferiores, a superstição como religião... e os heróis, bárbaros ou não, que evoluem nesse ambiente. Heróis no sentido de protagonista/combatente, não de modelo de moralidade.


Tragedy is when I prick my finger, comedy is when you fall down a hole and die.

- Mel Brooks -

Sim, porque nas estórias de Howard e no RPG, o ambiente é de uma amoralidade tão extrema que quem está habituado a jogar PCs CG ou LG assusta-se logo. Mesmo o próprio Conan era LE, ele só se tornou good, ou melhor, tornou-se TN quando tornou-se rei da Aquilonia, até lá Conan era evil com um código de honra. Basicamente Conan era um anti-herói que foi mal caracterizado nos filmes e nos comics.

E como disseste, o machismo, xenofobia e racismo faz parte integral de Conan. Sem isso, o jogo não seria interessante. Todas as mulheres são lindas, toda a gente odeia o resto do mundo, mata-se por razão nenhuma. É isso parte da magia de Conan, faz-se o que quer porque se pode.


Hither came Conan, the Cimmerian, black-haired, sullen-eyed, sword in hand, a thief, a reaver, a slayer, with gigantic melancholies and gigantic mirth, to tread the jeweled thrones of the Earth under his sandaled feet.

Errata: O conto a que faço referência chama-se Beyond the Black River, e não beyond thunder river.


Tragedy is when I prick my finger, comedy is when you fall down a hole and die.

- Mel Brooks -

Só agora vi esta thread. O ajudante de Kull é mesmo uma criação do Howard. É uma espécie de bom selvagem.

" Robot durante o dia, vegetal durante a noite"