Condottiere

Gosto de me sentir nostálgico. Gosto de nostalgia, às vezes oferece-nos memórias que pensávamos estarem enterradas no nosso subconsciente mas que aparecem de volta quando fazemos algo, como por exemplo ver um boardgame que há muito não se pensava nele.

O Condottiere deu-me bons momentos de nostalgia. Fez-me lembrar quando andava no primeiro ano de Matemática, há 13 anos atrás, e ia sempre a uma papelaria comprar a francesa revista Casus Belli. Deve haver muitos saudosos de entre nós, principalmente entre os Roleplayers, que se lembram da Casus Belli. Bem, eu lembro-me da critica a este jogo numa das Casus Belli, e isto foi muito antes de eu descobrir o hobby de boardgaming. Lembro-me de ter pensado, isto parece bem fixe, gramava ter este jogo. E agora, 13 anos depois, comprei a terceira edição do Condottiere. Como a vida dá voltas engraçadas, não é?

Condottiere é um card game produzido pela Fantasy Flight Games nesta edição, a terceira. Neste jogo temos um pequeno tabuleiro representando a Itália, e o nosso objectivo é conquistar um número determinado de regiões, que são menores se forem adjacentes. O jogo é simples, temos cartas que têm um certo valor. Cada jogador joga, por turno, uma carta. Quando todos os jogadores passarem então o jogador que tiver as cartas mais poderosas ganha a batalha e conquista a região. Todas as cartas são descartadas, e isto continua até só haver um único jogador com cartas na mão depois do fim duma batalha. Quando tal acontece então são dadas dez cartas a cada jogador mais uma carta por região controlada. É tão simples quanto isto. Claro que existem cartas especiais que tornam o jogo muito mais interessante ao ponto de tornar o que é um conceito básico e provavelmente enfadonho em algo bastante divertido.

O jogo dá para 2 a 6 jogadores, embora eu recomendo jogarem com o máximo de jogadores, este jogo a 2 não é lá muito bom.

Passemos à análise.

A apresentação é aceitável. A caixa é bem pequena, o que é bom pois edições anteriores vinham numa caixa excessivamente grande para os conteúdos. Agora a caixa é ligeiramente mais pequena que a caixa do Citadels. Lá dentro temos dois inserts para as cartas mas, e isto é um pouco mau, temos que ser nós a fornecer um saquinho de plástico para guardar os componentes em madeira. Mais, os componentes em madeira não têm um insert, o que nos obriga a pô-los debaixo do insert de cartão para as cartas. Fora isso, é tudo aceitável. As cartas são feitas com cartão de muito boa qualidade, a arte nas cartas está boa e evocativa e o pequeno tabuleiro cumpre a sua função.

O aspecto de sorte deste jogo é significativo, sendo afinal um cardgame. Basicamente baralhamos o baralho de cartas e damos 10 a cada jogador. Logo, pode-nos sair uma boa mão ou uma não menos boa mão e não há nada que possamos fazer acerca disso. Logo o factor sorte tem um grande impacto neste jogo. O que é muito bom é que neste jogo ter uma má mão não implica perdermos o jogo. Sem dúvida que isso pode acontecer se nos forem dadas sempre um má mão de cartas, mas neste jogo o elemento de bluff está bem presente, portanto podemos fazer bluff aos adversários e fazê-los pensar que vamos jogar algo diferente do que jogamos. E como neste jogo a negociação é possivel, podemos sempre convencer outro jogador a fazer o trabalho por nós. Logo a sorte não é tão determinante como poderia ser, e um jogo com um elevado factor sorte torna-se interessante e a sorte torna-se mais irrelevante.

A interacção entre jogadores neste jogo é activa e directa. Quer estejamos a negociar entre jogadores que estejamos simplesmente a jogar cartas, todas as nossas acções influenciam as jogadas dos outros jogadores. Quando estamos simplesmente a jogar cartas, os outros jogadores são forçados a adaptar-se ao que jogámos de modo a que eles tenham uma hipótese de ganhar, logo as nossas acções influenciam de uma maneira directa e activa os outros jogadores. Quando estamos em negociações, bem, maneira mais activa e directa de interacção do que negociações entre jogadores não existe. Em suma, este jogo é bom para quem gosta de interacção entre jogadores e para quem gosta de jogos onde os jogadores estão sempre a fazer conversa entre eles. É um bom jogo se o virmos através de um prisma social. O mal é que este jogo pode ser brutalmente porco, porque isto afinal trata-se de conquistar terrenos e ganhar a todos os outros adversários. É um jogo confrontacional, portanto estejam preparados para lixar os adversários a toda a hora. De facto essa é a única razão que as negociações existem, para tentar lixar alguém.

O tema do jogo é fixe mas tenho dúvidas quanto à eficácia do tema. Acho que isto podia ser um jogo sobre queijos e ia dar a mesma coisa. No entanto, para surpresa minha, quando joguei eu até me senti como se fosse um mercenário italiano a conquistar provincias da Itália. Portanto eu digo que este jogo tem uma boa dose de tema, muito graças à arte nas cartas, e que para um eurogame já bem antigo faz o trabalho de implementar o tema melhor que muitos outros eurogames. De facto este jogo podia ser completamente abstracto e não teria feito diferença às mecânicas do jogo, mas mesmo assim o tema consegue colar um pouco.

Quanto à estratégia e táctica deste jogo, estamos perante um jogo muito engraçado. Para começar, as batalhas são puramente tácticas. Uma batalha é quando todos os jogadores jogam cartas até todos passarem e depois ganha quem tiver a soma de cartas mais altas, e depois todas as cartas jogadas são descartadas. Logo, quando estamos perante uma batalha, só pensamos mesmo a curto-prazo, só fazemos planos só para essa batalha. O que torna este jogo maioritariamente táctico. Mas este jogo também tem uma boa dose de estratégia. Para começar, temos que pensar no meio duma batalha quais as cartas a jogar e quais as cartas que queremos guardar para a próxima batalha. Depois há o tabuleiro de Itália com as suas regiões conquistadas. Temos que fazer planos para ficar com o Condottiere de forma a escolher a próxima região a conquistar, e temos que planear bem as regiões a conquistar, pois se conquistarmos regiões adjacentes ficamos mais próximos da vitória do que se conquistarmos regiões espalhadas pelo mapa. Portanto a minha conclusão é que este é um jogo maioritariamente táctico com alguma dose de estratégia no meio. Mas sem dúvida que este jogo é um bom exemplo de um jogo táctico.

O peso deste jogo, diria que é um Light Middleweight. Não é um jogo pesado, embora possa parecer de vez em quando. O jogo obriga-nos a fazer decisões importantes e agonizantes durante o jogo, mas apesar disso uma pessoa não sente o jogo como sendo pesado de todo. Portanto eu diria que é um Light Middleweight com tendências a ser Middleweight às vezes durante o jogo.

E uma das razões para ser um Light Middleweight é o tempo de jogo. Com 3 jogadores acaba-se um jogo em 20 minutos, com 6 em 40 minutos ou menos. Ou seja, este jogo é bem rápido de se jogar, o que é bom. Embora eu já tenha lido sobre sessões que demoraram duas horas, isso a mim nunca me aconteceu e eu diria que este jogo é rápido, desde que tenhamos o grupo certo.

O que me traz à questão se este é um Gamer’s Game ou um Filler. Bem, não é nem um nem outro, é um boardgame normal que é demasiado simples e leve para ser um Gamer’s Game e demasiado complexo nas decisões oferecidas ao jogador para ser um Filler. Não se deixem enganar pelo tempo de jogo, este jogo é um Eurogame simples mas que nos obriga a fazer decisões calculadas, com uma boa dose de bluff e negociação à mistura. Portanto eu acho que este boardgame se encaixa perfeitamente na definição de um eurogame.

A longevidade deste jogo é supreendente, o jogo realmente vicia. Claro que muito possivelmente vicia por ser um jogo rápido de jogar, logo não nos aborrece tão depressa como um jogo que demora uma ou mais horas a jogar. Eu acho que a longevidade deste jogo é muito boa e que os jogadores estarão sempre dispostos a jogar uma partida deste jogo de vez em quando. Não é um jogo que canse ou aborreça, é um jogo divertido e interessante.

O dinâmismo do jogo está presente nas interações entre os jogadores, sejam elas a jogar cartas ou a negociar. Um jogador é sempre obrigado a adaptar-se ao que os outros jogadores fazem, e isso obriga-nos a fazer decisões constantemente. Devemos jogar um mercenário forte e tentar ganhar esta provincia ou desistir e deixar que os outros jogadores esgotem as suas cartas? Este jogo é muito dinâmico, de facto é dos mais dinâmicos que tenho para o tempo de jogo que tem, e acho que quem gosta de jogos que estão sempre a evoluir em termos tácticos vão gostar muito deste boardgame.

O visual do jogo não é lá grande coisa. As cartas têm boa arte mas elas só ficam em cima da mesa durante um curto periodo de tempo, o que nos deixa somente com o pequeno tabuleiro. Bem, o tabuleiro é engraçado mas duvido que alguém ache bonito um tabuleiro minusculo da Itália com uns cubos de madeira postos no meio do tabuleiro. Logo não é um jogo que atraia a atenção de non-gamers.

Quanto a ser um jogo para introdução a novatos, eu recomendaria contra jogarem este jogo com um novato. Este boardgame é um jogo confrontacional e isso é algo que afasta novatos. De facto, se jogarem contra um novato é bem provável que ele fique com uma má impressão do nosso hobby. Portanto a minha recomendação é deixarem os novatos ganhar muita experiência em boardgames primeiro antes de jogarem este jogo com eles.

O que me traz às mecânicas do jogo. Basicamente este jogo é, como já disse, confrontacional. Não há volta a dar, estamos a dar porrada nos outros jogadores a toda a hora. Embora tenhamos uma mão de cartas este jogo não é set-collection porque as cartas dadas no inicio do jogo são as únicas que podemos usar até se esgotarem as cartas de todos os jogadores menos de um, o que se tal acontecer dão-nos mais cartas que mais uma vez são as únicas que podemos usar. Basicamente temos uma mão fixa e não podemos biscar do baralho. A mecânica presente neste jogo é então a de dar melhor uso à mão que temos. Outra mecânica é, em certo ponto, uma variante de area-majority, pois ganhamos o jogo se controlarmos um determinado número de regiões, adjacentes ou não. Logo não é um jogo que use mecânicas originais ou que quebre os moldes, mas o que cá está está usado de maneira eficaz e interessante.

Quanto ao problema de Analysis Paralysis, este jogo não o têm. Podemos demorar mais tempo a negociar, mas isso é caracteristico da própria natureza de qualquer negociação. O jogo em si é rápido e os jogadores sabem logo o que devem fazer ou não. Portanto não se preocupem com Analysis Paralysis, este jogo quase que elimina completamente esse problema.

E é isto.

Eu gosto muito do jogo, é rápido de se jogar, é muito sociável e o aspecto mais importante deles todos, é divertido de jogar. Por trazer uma caixa pequena, o jogo torna-se portátil e podemos levá-lo e jogá-lo em qualquer lado. Como não ocupa muito espaço até uma mesa pequena é ideal para se jogar.

Apesar de eu nunca ter jogado às edições anteriores, sei que esta nova edição traz mudanças nas regras para melhor. O que também sei é que este jogo é bem barato, o que o torna apetecivel para qualquer jogador que queira um jogo que se jogue bem e dê para 6 jogadores.

Um boardgame muito bom, que o meu grupo gostou. Não é mau, tem negociações e joga-se em meia hora, além de ser bastante sociável. Não poderia pedir mais de um boardgame, principalmente de um tão pequeno como este.

De facto, o maior divertimento vem em embalagens pequenas, e essa frase parece ser verdadeira aqui.

Altamente recomendado. Quem não tiver este jogo, aconselho a comprá-lo. Parece um pseudo-wargame com uso de cartas, e tornou-se um favorito para mim.

Comprem o mais cedo possivel. Boardgame brilhante!

E quem não se lembra da Casus Belli? Os bons velhos tempos estão de volta.

17 de 20.

https://www.boardgamegeek.com/game/112

Concordo em quase tudo.

Para mim, no entanto, a qualidade gráfica do jogo é bastante boa, já que as cartas, para além das bonitas ilustrações, também contém a informação necessária bastante acessível.

Por outro lado, e pela experiência que tenho de jogar este jogo, é um belíssimo jogo de bluff, já que de uma "mão" inicial pobre, o jogador pode gerir o seu jogo de forma a vencer batalhas. Este é o meu aspecto favorito do jogo - o psicológico.

De resto, concordo em absoluto, é um jogo brilhante que passa muitas vezes por baixo dos nossos radares geralmente sintonizados nas ultimas novidades de Essen, ou nos "Big Box" games.

Este pequeno pacote tem mais impacto que muitos mamarrachos que p'rái circulam.

 

Yeap, este pequeno jogo bate muito dos grandes jogos. É um boardgame realmente bom e é sem dúvida uma das maiores surpresas que alguma vez tive. Ao preço que está é obrigatório terem este boardgame na colecção.

Uma pequena jóia que esteve escondida este tempo todo mas que agora foi descoberta.


A samurai once asked Zen Master Hakuin where he would go after he died. Hakuin answered ‘How am I supposed to know?’
‘How do you know? You’re a Zen master!’ exclaimed the samurai.
‘Yes, but not a dead one,’ Hakuin answered.

Sem dúvida alguma um jogo que anda muito abaixo do nível de radar de muita gente, eu inclusivé. Tive o prazer de o jogar noutro dia e foi uma agradável surpresa. Básicamente brilha quando se jogam com as regras avançadas, aí torna-se um brilhante jogo de poquer com bluff à mistura que vale tanto ou mais que as cartas que se têm na mão e que as cartas que já se revelaram. É sem dúvida um jogo a adquirir.

Manuel Pombeiro
a.k.a.Firepigeon
LUDO ERGO SUM