De nefaria Malystrice rumores et Vulcano

Folium XVI

Gelo Brilhante, Dia 20

Mais uma vez, descansámos durante o dia, e partimos ao anoitecer. Andámos bem durante umas horas sem nenhum acontecimento digno de nota. Depois, perto da meia-noite, sentimos um terramoto que durou quase meia-hora! Felizmente, foi suave o suficiente para ninguém se aleijar. Parece que é um acontecimento frequente nesta zona, de acordo com o Laundo. Vamos ter de nos habituar a estes sustos de vez em quando.

Depois de a terra acalmar partimos de novo, e um pouco antes da alvorada, fomos subitamente atacados por setas vindas da escuridão. Algumas acertaram no alvo, mas não em mim. Atrás dos arcos estavam uns bichos feios, parecidos com chacais do tamanho de homens, e andando sobre duas pernas. Matámos alguns e os outros fugiram, sem grandes problemas. Umas três horas antes de o sol se levantar completamente, decidimos procurar uma gruta para passar o dia. A primeira que encontrei já estava ocupada por um gigante, por isso achei melhor procurarmos outra. Um pouco depois, conseguimo-lo e passámos o dia aí.

Gelo Brilhante, Dia 21

Partimos de novo ao entardecer e caminhámos mais uma vez como de véspera, vergados ao peso das nossas mochilas e à dureza do solo. Esta noite, fomos surpreendidos por uma chuva ácida que caiu de repente sobre nós. Não estávamos preparados e todos sofremos um pouco com isso, pois demorámos imenso tempo até encontrar um abrigo. E quando o conseguimos, já estava ocupado por umas criaturas estranhas, com o aspecto de meio-elfos, mas mais baixos até que um elfo, e com uma pele dourada ou bronzeada, de tom metálico. Nunca vi criaturas assim, mas falavam a nossa língua e deixaram-nos ficar. Conversámos um pouco com eles, e contaram-nos algumas coisas sobre a Desolação, como ela tardava a recuperar depois da morte de Malystryx, o que parecia estranho quando comparado com as terras que tinham estado sob o domínio de Beryl e de Sable. Fiquei com a impressão que Kendermore é uma cidade desolada, completamente em ruínas e abandonada, aninhada na base do vulcão.

O vulcão. Saragan, presumivelmente o chefe dos quatro meios-elfos, falou-nos dele de forma vagamente sinistra. Uma das possíveis razões para o desespero da Desolação, segundo ele, podia ser a permanência de alguma coisa escondida ainda no seu interior, algo que mantém sobre esta terra o poder terrível de Malys. Tenho um pressentimento vago de horror sobre esse vulcão. Tenho medo... Sei que sou Cavaleira, mas também sou uma mulher de carne e osso. E mesmo Huma sentia medo de vez em quando, tenho a certeza. Que Kiri-Jolith me proteja, tenho fé nele. Ele há-de-me proteger do mal desse vulcão.

Mas acabámos por descobrir mais preocupações, afinal. Quando nos recuperámos das nossas feridas com a ajuda da magia divina de Aldor, percebemos que muitas das nossas coisas estavam estragadas. A minha armadura aguentou-se impecavelmente, mas a minha saia e o manto do deserto estão um tanto esburacados. Terei de andar assim, e aguentar estoicamente os olhares que a visão das minhas coxas nuas certamente há-de suscitar nos homens.

Estou-me a rir. Eu com estes problemas e a Eruanne quase nua no nosso grupo nunca se sentiu afectada por isso. Mas também, a verdade é que ela andou sempre assim, e eu não. Apesar de tudo, sinto-me um pouco violada na minha intimidade, mas os meios-elfos também andavam quase semi-nus e certamente não tinham nada que eu lhes pudesse pedir, ou comprar, para me tapar um pouco mais. Logo verei se conseguirei arrajar alguma coisa no caminho. Entretanto, o Karol conseguiu remendar a sua mochila com agulha e linha que ele trazia, e pedi-lhe um pouco para tratar das minhas coisas. Serviu! Consegui remendar a mochila e o manto, mas o fio era demasiado grosso para a saia. Mas fiquei contente por o Karol me ter cedido a linha. Ele às vezes consegue ser um querido. Acho mesmo que toda aquela distância que ele põe para nós não passa de uma fachada, e lá no fundo até é boa pessoa... draconiano... Enfim, pessoa, porque não?

Mas pior do que a perda da roupa e das armas (as da Eruanne ficaram em bastante mau estado) teria sido o facto de as rações terem ficado todas envenenadas pela chuva. O Karol raspou o que pôde e ainda aproveitou metade, mas o Google, com toda a sua minúcia, de tanto tirar comida conspurcada ficou sem nada. O Aldor garantiu-me que conseguia purificar a comida, mas que só teria o feitiço no dia seguinte. Assim seja, aguentar-me-ei sem comer. Um pequeno sacrifício.

Um intervalo nos combates, mas embora este seja bem vindo, o perigo continua à

espreita e a destruição de todas as armas não mágicas, especialmente as setas,

não veio nada a calhar. A falta de comida ainda deu para disfarçar, e em sessões

posteriores resolveu-se bem.