Diabolus in Sancto Sanctorum

Folium IX

A sala onde estávamos agora era a sala da visão, mas mais uma vez os colossos de pedra marcharam na nossa direcção. Atrevi-me a ir na sua direcção e a invocar a protecção de Kiri-Jolith e Paladino, mas acho que foi só quando também levantei o medalhão de Mishakal que pedira entretanto emprestado que as estátuas acalmaram e nos deixaram passar.

A sala era grande e com várias portas fechadas. Havia três na parede à nossa frente, e nos cantos da sala, aos nossos lados, duas salas fechadas com duas portas cada uma. Demorámos bastante tempo até perceber como abrir as portas, mas eventualmente descobrimos que bastava tocá-las com um símbolo da luz. Acabámos por entrar primeiro nas salas dos cantos, que descobrimos serem capelas aos deuses da noite e da neutralidade. Havia estátuas ameaçadoras nesses templos, e eu gastei o menor tempo possível lá dentro. Contaram-me, mais tarde, que alguém tinha tentado roubar algo desses templos e tinha sido castigado por um pilar de fogo divino, mas não o suficiente para morrer. De qualquer modo, eu estava concentrada em descobrir como abrir a porta central da parede norte, e finalmente ocorreu-me tocá-la com o medalhão de Mishakal. A porta abriu-se, e imediatamente uma coluna de vento soprou na minha direcção com toda a força. Lutei para entrar na sala, e chegando-me para o lado consegui evitar a rajada. Era uma sala grande, maior que todas as outras, com um grande altar oposto à entrada. Estátuas dos deuses da Luz estavam ainda alinhadas e em bom estado. Quando entrei na sala, tive mais uma das visões do passado, e pude ver o Traidor assassinando o sumo-sacerdote do Templo. Mas também vi como um jovem adepto de Paladino jurou conseguir a sua vingança. No final da visão, o jovem sacerdote parecia procurar uma passagem pelo chão.

No meio da sala, onde tinha caído tanto tempo antes, ainda se encontrava o corpo do sumo-sacerdote, e por baixo dele uma nódoa negra que nunca tinha saído. Não era certamente só sangue, parte da sua escuridão reflectia a natureza do acto que lhe tinha dado origem. Os meus companheiros chegaram daí a pouco. Descobrimos uma sala de cada lado do templo e cada uma destas levava ainda a outra sala. De um lado, havia apenas uma arrecadação, mas do outro, encontrei duas salas que me intrigaram bastante. Numa delas, tive uma experiência mística que me surpreendeu: uma estátua dourada estava em exposição num pequeno altar, e quando peguei nela, tive uma visão de Kiri-Jolith numas planícies paradisíacas. Ele olhou para mim com um ar terno e sorriu, mas não me disse nada. Apenas sorriu. Fiquei sem saber o que fazer, especada e admirada, numa imobilidade reverencial, até que tudo se desvaneceu. Voltei à realidade.

Não descobri mais nada de interesse nestas salas. Aliás, nem os outros, e por isso voltámos à nave principal e procurámos no chão, mais ou menos no sítio onde o sacerdote da visão se abaixara. Finalmente, descobrimos uma passagem secreta e encontrámos o acesso às salas inferiores. Chegámos a uma sala com uma grande estátua de Paladino, cerca de duas vezes a minha altura. Não descobrimos mais nada de útil nesta sala e voltámos acima, mas só depois de termos tido uma outra visão: o mesmo noviço que víramos antes ajoelhava-se perante a magnífica estátua de Paladino, pedindo-lhe orientação para o que fazer. E em resposta, uma espada brilhante, de um lindíssimo cristal radiante, apareceu nas mãos estendidas do Deus. O sacerdote pegou nela resolutamente, finalmente convencido da sua missão

Facto importante que me esqueci de destacar: neste dia, apareceu no templo um padre de Kiri-Jolith que vinha de longe. Dirigiu-se a mim e a Eruanne, dizendo que tinha sido enviado para nos ajudar (especificamente a nós) a encontrar as Lágrimas de Mishakal. Nem nós tínhamos alguma vez ouvido falar nisso nem ele fazia ideia do que elas eram. Lançámos muitas ideias para o ar, mas continuámos ainda hoje sem saber o que são elas. De qualquer modo, a chegada de Aldor (que era o seu nome) parecia mais um lance da providência, do mesmo destino que nos tinha atirado para a aventura. Realmente, já não podia haver dúvidas de que somos realmente uns joguetes na mão de entidades poderosas.

Sem pista nenhuma para o que fazer, acabámos por abrir as restantes portas e descobrir acessos para o nível inferior. Mas o sítio onde fomos dar não tinha ligação nenhuma com a sala de Paladino. Em vez disso, parecia que estávamos numas catacumbas. Tivemos mais uma visão do sacerdote a seguir por elas até chegar a uma sala onde se encontrava o Traidor. Este riu-se do sacerdote, mas o jovem, num último assomo de fúria, atirou a espada sagrada na direcção daquele trespassando-o de lado a lado e fixando-o ao que parecia um mausoléu.

Chegámos também à sala onde o acólito matara finalmente o Traidor, mas sem aviso, uma criatura sem dúvida maligna surgiu de um sepulcro e tentou correr por todos os custos para a porta aberta. Para eterna vergonha minha, afastei-me e dei-lhe passagem. Creio que na altura o fiz por compaixão para com aquela criatura. Afinal, o que nos ensina o caminho é que devemos redimir os que vivem nas trevas. Mas será que isto se aplica a seres de pura maldade? Serão eles redimíveis? Certamente, Aldor não pensava assim, pois corajosamente meteu-se na frente da criatura, explicando-nos que era um Barbazu, um Demónio Barbudo dos mundos inferiores. Foi quase só ele que o matou ou baniu para donde vinha, e eu não justifiquei aqui a minha pertença à Ordem. Mas serviu-me de lição. Nunca mais, desde então, fugi de uma luta nem fui confundida por cobarde.