Bom, depois de uma hora a criar a personagem do Paulo e a discutir e a afinar os conceitos da série/setting, era finalmente chegada a altura de pôr as coisas em marcha e ver a que destinos inexplorados a série nos levava desta vez. A entrada do Paulo em jogo veio realmente aquecer as coisas! Nem sequer acusou a estar a ser transportado de um para o interior de um RPG que não era como nenhum outro que já lhe tivesse sido apresentado. Nunca bloqueou sequer, ou seja, nunca ficou ali parado durante cinco minutos a tentar lembrar-se de alguma cena boa para chamar. O jogo limitou-se a fluir, muito livre, e sempre com óptimas sugestões de toda a gente… não só isso, como também houve muitas ideias individuais fortes o suficiente para se aguentarem sozinhas e que às vezes apanhavam todos de surpresa.
Acho que conseguimos criar um episódio extremamente coeso e focado: praticamente cada cena, mesmo as cenas prioritariamente dedicadas à trama, traziam algum tipo de conflito interior ou relevância pessoal para os personagens. Foram quatro horas de jogo muito recompensantes… e o melhor de tudo é que não precisei de preparar nada! Durante a semana limitei-me a pensar em dois ou três bangs para atirar para cima de cada personagem, e a reflectir sobre a melhor forma de aproveitar o elenco secundário (criado pelos próprios jogadores, sob a forma de contactos ou némesis) para poder improvisar outros. Acabei por não usar nada do que tinha preparado porque foram sempre surgindo ideias novas, mas o treino da preparação foi bastante útil aqui e ali, permitindo-me improvisar certo tipo de situações mais facilmente.
Definitivamente, a falta de tempo para preparar aventuras, ou mesmo para jogar, deixou de ser desculpa para alguém se manter afastado dos RPGs. PTA tem um tempo de preparação quase nulo (se bem que acredito que pode beneficiar bastante se o produtor perder meia-horinha a reflectir sobre o que pode fazer no próximo episódio para entalar melhor os personagens), e a duração de cada sessão é de três horas e meia ou quatro horas, sendo que cada sessão é um episódio completo, com princípio, meio e fim… mas em que ficam várias pontas soltas e fios de trama por resolver, para nos inspirarem quando chegar a altura de criar o episódio seguinte; assim evita-se estar a puxar pela imaginação “a seco”.
Quanto a nós e às nossas quatro horas, aconteceu tanta coisa linda que é impossível recordar-me de tudo. Foi realmente uma noite brilhante. Nunca tinha visto tanto Fan Mail a voar de um lado para o outro! E, ainda por cima, os jogadores faziam questão de o usar rapidamente, sendo que para aí dois terços das vezes obtinham sucessos com estes dados, o que significava que esse Fan Mail gasto voltava para as mãos do produtor sob a forma de Orçamento. Gastei o meu Orçamento da forma que quis, em muitos e variados conflitos, sem outras restrições que não fossem o meu sentido da importância de cada conflito para a história e, mesmo assim, acabei o episódio com muito dinheiro para gastar (aí à volta de uns 6 pontos, dos 18 iniciais). Já os jogadores, esses coitados acabaram a sessão com apenas um ou dois usos de traits/contactos por gastar… somando o Fan Mail todo que usaram, isto significa que se fartaram de rolar dados!
Em termos de isssues e bangs e conflitos em geral, achei que a coisa me correu significativamente melhor (e o episódio anterior já tinha sido muito bom nesse aspecto). Desta vez sentia-me (ainda) mais à vontade e, talvez fruto do pequeno trabalho de preparação que tinha feito para a sessão, as ideias boas surgiam-me constantemente.
Neste aspecto, a Raquel é maravilhosa de trabalhar: pica-se com qualquer pequena coisa e não custa nada a arranjar-lhe material, mesmo que seja de improviso. Já na minha abortada primeira campanha de Sorcerer ela tinha sido a única jogadora que eu consegui realmente apanhar com bangs. Ou ela tem realmente um gostinho especial por este estilo de jogo, ou eu tenho a sorte de possuir algum tipo de empatia com ela para criar o género de situações que a atingem, ou se calhar é apenas ela que, sendo uma menina querida, tem uma carapaça menos grossa e mais sensível que o resto de nós homens porcos, feios e maus.
Neste episódio aconteceu-lhe trinta por uma linha (outra vez!), e foi uma noite muito especial. O que me lembro melhor é de um momento em que ela, no meio de uma missão de infiltração de um esconderijo rebelde com o resto da equipa, dá subitamente de caras com o seu amigo, camarada de armas, possível apaixonado e, a partir de agora, traidor rebelde confirmado: Daniel Fishburne. Acho que apanhei não só a personagem como a jogadora de surpresa, e fiquei orgulhoso. De todo o leque possível de reacções que ela podia ter, optou por uma reacção bem suave: deu-lhe nas orelhas e avisou-o para sair dali antes que os outros membros da equipe dessem por ele. Dada a situação, não me teria surpreendido nada se ela o tivesse prendido e denunciado logo ali, talvez até com um tiro ou dois, para ele aprender!
Mas a coisa ainda não acabou… O Jota veio dar-lhe uma última facadinha no peito. É que mal ela mandou embora o tal Daniel Fishburne, entra em cena o personagem do Jota para perguntar à sua subordinada porque é que ela está de cabeça no ar em vez de estar concentrada a vigiar os rebeldes que estão no edifício. Toma lá! O Jota tem de facto sido um sócio muito importante em picar a Raquel; já o tinha dito no relato do episódio anterior. Agora resta saber se o conseguimos picar a ele assim tanto.
Isto porque o Jota é um alvo mais esquivo. Acho que posso dizer que neste episódio tentei atirar-lhe bocados de lenha para a fogueira a todas as oportunidades, mas por outro lado também não me parece que tenhamos ainda causado nenhum incêndio descontrolado. Ele parece manter sempre aquele ar relativamente calmo e a cabeça-fria; acho que ainda não lhe conseguimos arranjar nenhuma situação em que ele fique mesmo, mesmo, dividido entre o caminho a seguir. Mas, também, acho que é só uma questão de eu (continuar a) tentar ser mais agressivo e criar situações completamente lixadas onde ele não pode dar um passo sem ter de partir alguma loiça, estrelar uns ovos. Se isso falhar, terei de partir para a violência física e espancar o jogador, eheh.
Um momento cool, em que tentei “bangar” de improviso a Raquel e o Jota ao mesmo tempo, foi quando o Jota, para se safar de outro bang, pediu a ajuda ao general, pai da Raquel, para impedir que o seu superior directo, o capitão que é o seu Nemesis, massacrasse um monte de rebeldes. Pois claro que o general o ajuda a pôr o capitão na ordem… em troca “só” quer que ele arranje um trabalho de secretária para a filha ou, ainda melhor, que arranje uma óptima desculpa para ela ser expulsa da tropa e viver uma vida normal longe de tanto perigo!
Na Raquel, acertei na mouche: a personagem dela (e ela) atirou-se aos arames quando soube que ia ser transferida e ficar sentada à secretária indefinidamente. Acabou por ir cobrar favores a alguns dos seus amigos e a arranjar maneira de participar à mesma na missão militar que encerrou o episódio. Já na missão, e no meio do conflito armado, introduzi um conflito de grupo onde os stakes eram talhados para cada um dos jogoadores; no caso da Raquel em particular, os dados iam decidir se ela ia fazer um brilharete e provar que realmente fazia falta ao pelotão ou se, pelo contrário, ia dar ainda mais uma razão para o resto do mundo pensar que a linha da frente não é sítio para uma mulher como ela. A Raquel deu o tudo por tudo, usou todos os traits que ainda tinha, usou o Fan Mail e safou-se com distinção. Muito fixe!
Já o Jota, como viram, safou-se relativamente bem do tal bang anterior – nem sequer suou – e também nem sequer precisou de pensar para dizer ao General que sim, que ia tirar a sua filha daquela unidade de combate e pô-la nalguma função técnica. Como digo, ele é um alvo esquivo (quer dizer… também, por comparação com a Raquel, um elefante coxo e só com três pernas pode ser um alvo esquivo!). Definitivamente tenho de deixar de ser preguiçoso e começar a dedicar-lhe mais atenção e esforço.
Quanto ao Paulo… o Paulo é um tipo que na vida real é sempre muito expansivo e falador, um verdadeiro animal social, e que nos jogos se torna mais soturno e contemplativo. No entanto, o seu ar (relativamente) mais calado engana quanto ao que se passa no seu interior… quanto as frequentes explosão (emocionais ou criativas) dele estoiram, é frequente apanharem-nos a todos de surpresa!
E foi exactamente o que nos aconteceu… eu tinha improvisado no hora um bang semi-completo e atire-lho para a cara: uma das suas companheiras rebeldes tinha sido capturada e podia comprometer muita coisa, de modo que o líder pediu-lhe especificamente e com todas as palavras para que ele a tirasse da prisão ou então a calasse para sempre. Várias cenas depois, quando já isso estava no esquecimento de toda a gente, o Paulo “enquadra” a seguinte cena: ele, a entrar na prisão da base militar e a dirigir-se ao guarda. A cena segue com ele a pedir acesso à prisioneira, mas a tentar não ficar registado no livro de entradas do guarda. Pareceu-me que não ia surgir nenhuma outra oportunidade para um conflito nesta cena, e portanto fi-lo rolar os dados. Ele superou o desafio, de modo que falou tanto com o guarda que este o deixou passar sem estar com grandes formalidades. O Paulo fala então um bocado com a mulher e, quando ninguém está à espera de nada de especial, ele saca de repente da sua pistola e mata o guarda com um tiro certeiro. Ouch!
E se a audiência não estava preparada para ele do nada matar alguém a sangue-frio, esperem até ouvir o resto. É que, com o guarda morto, ele abre então a porta da cela e diz à sua conhecida para se pirar dali. Depois, quando ela passa pelo cadáver do guarda, o personagem do Paulo dá-lhe um tiro nas costas, e mata-a. Just like that. Toda a gente ficou de boca aberta tal foi a surpresa, a dissimulação e a total sacanice que ele fez (ainda por cima ficou com o crédito de ter impedido uma fuga da prisão). Foi sem dúvida o momento da noite!
Não sei se foi o resultado “visual” de um bang ou não. O que me deixa na dúvida é que a rapariga que ele matou era nem mais nem menos que o seu Némesis. Ou seja, a escolha entre libertá-la e matá-la pode não ter sido uma escolha muito “difícil”. No entanto, ela já estava em liberdade quando ele a matou, o que acho que é uma escolha bem reveladora (libertá-la ou matá-la? quero ambas, obrigado!). Além disso, ela não era – pelo menos do pouco que tinha ficado estabelecido – um daqueles Nemesis maus como as cobras; era simplesmente uma rival que ficou a odiá-lo quando ele foi escolhido em vez dela, apenas por ser homem e se adequar ao perfil da instituição, para a missão de infiltração no exército. Quando ele a matou, ela ainda nem sequer lhe tinha feito nenhum mal durante o episódio. Estava era aparentemente envolvida num perigoso jogo de poder que lhe podia dar o controlo do movimento rebelde no planeta ou fazê-la cair em desgraça, provavelmente junto com o movimento. Portanto, é mesmo capaz de ter sido um bang… e a causa dele não foram as ordens do mentor que eu lhe tinha dado várias cenas antes. Imagino que foi mais por o Paulo se aperceber do perigo que ela representava para ele e o seu mentor se conseguisse os seus planos de chegar à liderança, e, ao mesmo tempo, do perigo que ela representava para o futuro da rebelião se os seus planos falhassem.
Mas este caso ainda vai dar que falar mais lá à frente na série… Tal como vai dar que falar o final do episódio-piloto, e também o final deste primeiro episódio. Não percam os próximos episódios de Dirtside!
Eheh! Gosto de desafios pessoais para as minhas personagens quando jogo. Não sei se tem a ver com carapaças, com menos experiência dos que vocês ou se é simplesmente fruto do meu percurso invulgar nos RPGs. Afinal nos MUSH, onde me iniciei, ou bem que se arranjam situações pessoais ou então a coisa não tem tanta piada. Lá não existem missões (tipo D&D) nem grandes meios de desempatar conflitos (excepto no caso de batalha, onde de qualquer modo nunca me meto) portanto fica tudo na história pessoal e em conflitos de interesses. Gosto disso.
No entanto eu não descontaria por completo a empatia. Também em Amber, onde os nossos papéis GM/Jogador estão invertidos, tem havido uma química de criar problemas/lenha para queimar, etc
O meu problema é que o Fishburne ainda é o único que me dirige palavra mais ou menos amigável em todo o pelotão, mesmo que seja à socapa do resto do pessoal. Se eu o denuncio não só passo por chiba como ainda perco o único amigo que tenho no pelotão. Não. A Rita Jamieson vai mas é tentar reconquistá-lo para a causa da Federação.
Não disseste que querias as coisas mais cinzentas? A Jamie ainda está perfeitamente convencida que a Federação é o lado bom. Toda a família dela luta deste lado. Vai ser preciso um cataclismo para convencerem a Rita a mudar de lado. (E com isto passo a bola aos meus co-protagonistas ;).)
Ah, a famosa cena na messe dos oficiais! Estive mesmo vai-não-vai para enfiar o comunicador do Jota/Ralek dentro da terrina da sopa (sopa essa que eu devia estar a servir aos oficiais, para informação de quem não estava na sessão de jogo, graças à minha Nemesis me ter colocado em serviço de cozinhas), mas achei que ainda era capaz de acabar com alguma acusação de desrespeito ou cena assim, e então optei pela cena na cozinha. LOL! Foi giro
Sim, ninguém lhe pode tirar isso: foi o melhor momento da noite. Genial! A surpresa total! Fiquei tão estúpida quando o vi fazer aquilo! Foi lindo. Foi a cena mais sacana que vi o Paulo fazer até ao momento - e vocês nem sabem metade das sacanices que ele tem feito off-camera no Amber. Adorei o momento!
E pronto, foi a minha resposta aos comentários do Ric. Não tenho tempo, infelizmente, para tecer os meus próprios comentários à sessão. Diga-se apenas que adorei. Se o ritmo foi um pouco inferior ao do episódio piloto (o que talvez se compreenda porque éramos menos jogadores e as cenas rodavam mais depressa), já os problemas e a trama avançaram muito mais neste Episódio 1. Uma coisa compensou a outra e resultou numa grande ânsia minha para voltar a jogar.
Acho que o grupo está todo de parabéns.
Até mais…
A Mestrar: Amber Diceless
A Jogar: Vampire: the Masquerade (PBEM e Tabletop), PTA (Dirtside)
Obrigado pelo input, Raquel! Além de que é sempre um prazer saber que os outros se estão a divertir à grande embora, como tenha dito, isso é mais que óbvio só de olhar para ti durante os jogos, eheh!
Domingo lá estaremos para mais um episódio de Dirtside!
“You can choose just who you are.”