Dirtside: Episódio 3

Revenge is sweet for those who wait,
Never early, always late,
Waiting now to consummate
A marriage made in Hell!
Overkill, E.vil N.ever D.ies

Está a saga Star Wars no Episódio 3 - A Vingança dos Sith e, por enorme coincidência, está Dirtside no seu Episódio 3, que é só mesmo Vingança… no nosso caso, A Vingança de William Jefferson.

Eu já vos disse que a sessão foi um estrondo? Se estão lembrados, este era o episódio spotlight de William Jefferson (jogado pelo Paulo), o rebelde infiltrado no exército que procurava vingança pela morte bárbara da sua mulher e crianças pelas balas de um soldado da Federação. Obviamente que hoje ia ser o episódio onde ele ia não só descobrir quem lhe tinha morto a família, como ia também fazer algo quanto a isso, quase de certeza resolvendo de vez o seu issue (Vingança). Tudo o que tínhamos visto do William Jefferson até agora indicava que ele ia matar quem quer que fosse responsável sem pensar duas vezes e sem sentir qualquer remorso; lembrem-se que este é o mesmo homem que matou uma sua colega rebelde pelas costas depois de a ter ajudado a escapar da prisão, para surpresa e horror de todos os presentes e participantes no jogo (foi um dos maiores momentos altos de toda a temporada!). No entanto, eu estava decidido a dificultar-lhe essa decisão e tentei que o seu momento de vingança viesse acompanhado de dúvidas e, se é que isso é possível para o William, até remorsos. E - guess what? - resultou muito bem!

O meu plano tortuoso iniciou-se logo na cena de abertura, e continuou a correr debaixo da superfície e longe dos pensamentos dos jogadores até emergir de súbito para os apanhar de surpresa (espero eu!). Já tinha movido furtivamente as peças do puzzle para os seus pontos-chave no tabuleiro onde os jogadores os iriram então descobrir, encaixar e, ao juntá-las todas, ficar minimamente chocados ou surpresos com o quão diferente era o resultado obtido do resultado esperado. Assim, estava tudo pronto quando o Paulo chamou por fim a cena em que ia receber das mãos dos serviços secretos da Federação o relatório sobre o incidente da sua família. O assassino confesso era nem mais nem menos que Daniel Fishburne, o namoradinho de Rita Jamieson (jogada pela Raquel) e outro rebelde infiltrado no exército, tal como William. A Raquel e o Paulo entreolharam-se; um deles (quase de certeza a Raquel, tão vingativo é o personagem do Paulo) ia ficar numa alhada por causa das acções do outro. Era um choque de comboios à espera de acontecer.

Não estou certo se tomei a melhor opção; o personagem do Jota era um candidato extremamente forte ao lugar de assassino, pois desde o início que tem no seu background (e como parte do seu issue) alguma espécie de screw-up no planeta-mãe de William Jefferson que resultou na morte de civis inocentes. No entanto, o seu Screen Presence para este episódio era 1, o valor mínimo, e se eu o colocasse em rota de colisão com o Paulo seria obrigado, quase de certeza, a resolver também o seu issue neste episódio, o que não faria grande sentido. Além de que os dois personagens já não se gramavam nada, para grande diversão dos jogadores que os jogam.

De resto, e sedento de sangue como o William estava e tão empenhado em cumprir o seu dever estava Viktor, tive medo que de súbito déssemos por nós num beco sem saída onde um dos dois personagens tinha de morrer ou ir preso/exilado por muitos e longos anos. Ambos os jogadores nunca tomariam essa decisão, não são o tipo de pessoas que tire qualquer gozo de destruir o personagem de outro jogador, mas mesmo assim tinha medo de darmos por nós nesse tal beco sem saída onde o rumo lógico da história nos obrigasse mesmo a ter de colocar um dos PCs fora de acção. Além disso, sabia que o Paulo quase de certeza não ia considerar limpar o sarampo ao personagem do Jota, simplesmente porque era do Jota, e, como já disse, queria colocá-lo face a uma decisão difícil. Não quis que o Paulo decidisse perdoar o assassino só porque era a personagem de outro jogador. Ainda assim, também não deixei o Jota totalmente livre de culpas; ele era o oficial no comando quando o massacre aconteceu e ainda podia sobrar para ele se ele se “esforçasse‿ para isso.

De qualquer modo, lá voltamos nós ao Paulo/William e ao meu plano tortuoso. A primeira coisa que ele faz depois de saber a identidade é, obviamente, ir procurar o culpado. Eu aqui estava a tentar evitar que o Paulo/William matasse logo o Daniel; nem estava muito interessado na sobrevivência do NPC que até agora me deu mais quilometragem em termos de bangs, estava sim preocupado em que ele ficasse vivo por mais uns minutos, o tempo suficiente para que ele atirasse o próximo bang para cima do Paulo. De modo que “enquadrei‿ a cena com William a encontrar Daniel, sozinho, a praticar boxe no ginásio… estava a tentar evitar que o Paulo resolvesse de imediato a questão com um tiro, antes sequer do Daniel poder abrir a boca, e o ambiente de boxe pareceu-me convidativo a uma troca de murros antes de a coisa passar para os tiros.

Ora bem, afinal nem precisava de me preocupar com nada disto. Isto porque o próprio Paulo/William queria conversar primeiro, um simples tiro não ia resolver aquilo. William queria saber como aconteceu, mas sobretudo porque aconteceu? Porque é que um soldado, ao serviço dos rebeldes ainda por cima, dispara sobre uma mulher e os seus filhos dentro do seu próprio lar.

Até aqui tudo perfeito, e assim haveria de continuar. Ao início Daniel refere que foi tudo um acidente, uma infelicidade do destino. Mas obviamente que a explicação não satisfaz Paulo/William, especialmente vinda daquele que é o seu némesis. Há uma grande cena de tareia e pancadaria, com William a ganhar facilmente a mó de cima pois Daniel não parece estar a defender-se com tudo o que tem. Finalmente, Daniel acaba por confessar que não foi ele quem disparou; ele apenas aceitou as culpas para proteger outro soldado novato que não sabia o que fazia. A situação até lhe era ideal; sendo ele um rebelde a tentar infiltrar-se no exército, quem é que desconfiaria alguma vez dele sabendo que fora culpado de matar uma família de inocentes?

William acredita na explicação e agora quer saber o nome do verdadeiro culpado. Daniel, no entanto, recusa-se terminantemente a revelá-lo e continua a proteger a sua identidade. Mas William tem um trunfo na manga: no início do episódio, eu introduzira a meio de uma conversa de William com o líder rebelde o tema da relação entre Daniel & Rita (a personagem da Raquel). Os rebeldes tinham uma gravação vídeo, que estavam a pensar usar para chantagear Rita e/ou o seu pai (o comandante das forças armadas) para que os ajudassem. É que a dita gravação, para além de momentos de sexo bem quente que Rita seguramente não queria divulgados, deixava bem claro que a própria Rita – uma soldado da Federação, filha de um general da Federação – sabe perfeitamente que o homem com quem está a dormir é um rebelde. De modo que é este o trunfo de William; ele tem uma cópia do vídeo e pode facilmente tramar a namoradinha de Daniel se este se recusar a colaborar.

Face a isto, Daniel revela finalmente o nome do culpado: “Francis Jamieson, foi ele quem matou a tua família!‿ Ora Daniel berra isto justamente quando Rita Jamieson – a irmã de Francis, que é o seu mano favorito – está a entrar no ginásio com a Sargenta Lésbica do Inferno (“O soldado não pensa; o soldado executa! ‿) para treinos forçados. Isto era outro bang que tinha planeado; não, é a parte da Sargenta Lésbica do Inferno, era a parte da Rita ouvir o seu namorado a “chibar‿ o nome do seu irmão e, possivelmente, a assinar a sua sentença de morte… porque William Jefferson não perdoa, ou perdoa?

E para não ficarem a pensar que os bangs são sempre garantidos, este foi um bang que tinha tudo para explodir e não deu em nada. Obviamente que a Rita/Raquel ficou preocupada pela vida do seu irmão; estou a referir-me ao facto de que ter sido o seu namorado a colocar a vida do seu irmão em risco não a aqueceu nem arrefeceu, nem ali no calor do momento, nem mais tarde. Pelo menos não que eu tivesse dado por isso. Isto porque, afinal, o namorado protegera o seu irmão durante estes anos todos, portanto a Raquel achou que já tinha feito bem mais que o suficiente. Sendo assim, o meu veredicto final é que este sub-bang do bang principal não detonou.

Mas o bang principal foi bonito de se ver. O meu plano maléfico servira mesmo para isso. Para já, tinha aproveitado várias ocasiões desde o início do episódio para demonstrar que o nosso assassino recém-revelado, Francis Jamieson, era um tipo às direitas que contava com a simpatia dos jogadores e da própria audiência; a história de ele ser um recruta wet-behind-the-ears extremamente assustado que cometeu um engano era bem fácil de engolir. Depois, havia sido Francis, nem mais nem menos, quem ajudara William a sair vivo de um aperto durante uma emboscada rebelde no início do episódio. Seria isto o suficiente para William lhe perdoar? Ou iria ele matar primeiro e perdoar depois? Todos nós ficámos na dúvida, na expectativa de saber mais… e quem tinha mais dúvidas era o próprio Paulo; ele sempre julgou que a decisão de premir o gatilho e despachar o sacana do assassino seria fácil e directa, mas agora… Ninguém queria estar na pele dele. Agora sim, o meu trabalho como Produtor estava cumprido; agora era com ele lidar com este caso bicado e resolvê-lo como bem entendesse.

O Paulo/William andou a remoer o assunto enquanto os outros personagens se tentavam preparar o que quer que ele fosse fazer. A Raquel e a sua Rita obviamente que tentaram avisar o irmão do perigo iminente mas este, que já há anos que andava a fugir do passado, decidiu agora enfrentá-lo com tranquilidade. Quanto ao Jota/Viktor, o seu percurso normal seria mandar prender o William, como fizera no episódio anterior, mas Viktor e William estavam agora a trabalhar na mesma equipa (nem para a Federação, nem para a Rebelião, e sim para um terceiro grupo de interessados no poder) e Viktor, sentindo-se culpado pelos acontecimentos em Ellis, compreendia perfeitamente o desejo de vingança/justiça de William. De modo que Viktor reuniu todos os soldados da unidade que haviam estado em Ellis para efectuar uma espécie de julgamento entre pares, para tentar apurar o que de facto tinha acontecido e se uma sentença para o assassino se justificava.

O que veio a acontecer foi que Paulo/William, com uma arma nas mãos, confrontou Francis num local isolado do campo de treinos do exterior da base. Rita, Viktor e os soldados que ele reunira, chegaram nos momentos finais da pequena conversa entre os dois. Mas por essa altura já não havia muito que eles pudessem fazer, porque William já tinha tomado a sua decisão: ele, que até agora não demonstrara quaisquer sinais de consciência ou de escrúpulos, já decidira perdoar o homem que matara a sua família e já baixara a arma. Que bonito! Um verdadeiro momento Kodak.

Para encerrar o episódio num cliffhanger, e preparar desde logo o terreno ao próximo episódio (o Spotlight da Raquel), a inspiração surgiu-me de súbito. Sabia que havia interesse da parte da Raquel em explorar mais afundo a relação entre a sua personagem (Cabo Rita Jamieson) e a Sargento K.C. O’Rourke (a mesma que eu chamei lá atrás a “Sargento Lésbica do Inferno‿ e que é, na realidade, boa pessoa… lá muito no fundo); aliás tínhamos acabado de aproximar um pouco as duas na tal cena em que KC a ajudou nos seus treinos físicos. Sabia também que havia por aí um vídeo extremamente “quente‿, já para não dizer comprometedor, que a Rebelião queria usar para chantagear Rita, a filha do comandante das forças armadas no planeta. Foi só juntar 1 + 1, ou seja, o útil ao agradável.

De modo que abri a cena assim… Rita é chamada, ao início da noite, aos aposentos de KC. Sim, é mesmo o quarto da sua sargento, não o gabinete dela. Estranho. Mais estranho é que, quando chega lá, KC está toda falinhas mansas e – pasmem-se – está vestida à civil. Rita, em todos os meses que a conheceu, só tinha visto ou fardada ou nua, nos duches. Se alguém lhe tivesse dito que KC tinha roupa civil, ela teria duvidado da sanidade mental dessa pessoa. Algo de muito estranho se passava ali. E ela nem imaginava quão estranho!

Foi delicioso ver a reacção da Raquel quando a KC começa a falar de um certo vídeo que, por acaso lhe veio parar às mãos, e carrega num botão, começando a correr no ecrã de parede as imagens das suas acrobacias sexuais e, ainda pior que isso, uma conversa onde fica estabelecido sem sombra de dúvidas que Rita está a dormir com o inimigo e sabe-o muito bem. Aquelas imagens são suficientes para lhe enforcar o namorado e meter Rita na prisão por muito tempo. Junto com o vídeo vinha também uma carta para Rita, que KC lhe entrega; vem da parte dos rebeldes, e avisa-a que a vão contactar com instruções que ela deverá cumprir se não quer o vídeo divulgado.

É verdade que a Raquel já sabia da existência e do conteúdo do vídeo, que tinha sido mencionado numa cena entre o personagem do Paulo e os rebeldes, mas vê-lo nas mãos de KC (a sua némesis) deixou-a completamente surpreendida e bem tramada. Isto já era óptimo, mas fui ainda um passo mais em frente.

O que é que a KC faria com o vídeo? Chatear a cabeça da Rita/Raquel, pois claro. Dizendo que a devia denunciar ao comando, que a deviam prender a ela e mandar o traidor do seu querido namoradinho para a forca. “Então porque é que não fazes isso mesmo?‿ diz Rita fazendo bluff, tentando não mostrar que o namorado é tudo o que lhe importa na vida.

“Sim, realmente, porque é que eu não faço isso mesmo?‿ responde-lhe a sargento nas suas roupas civis, aproximando-se da cama onde Jamie está sentada e sentando-se ao lado dela. “Na verdade, estava à espera que me desses uma razão…‿ diz ela colocando-se numa posição extremamente insinuante que não deixa grande margem para dúvidas.

E foi com esta frase que o episódio terminou. Desnecessário será dizer que toda a gente, jogadores & produtor, ficou em pulgas para saber como é que Rita reagiria à chantagem. Será que íamos ter a nossa primeira cena de sexo lésbico no próximo episódio? Ou, se não, como é que Rita ia contornar a chantagem? Talvez ela se passasse e usasse a violência para silenciar KC e manter o vídeo escondido do mundo? Ia tentar apelar à réstia de coração que sabíamos que a KC tinha?

A graça estava toda justamente no facto de que, de todo o leque de hipóteses e opções à disposição, não havia nenhuma que se pudesse considerar excluída à partida e todas pareciam igualmente prováveis. Este tiro de canhão podia soltar-se em qualquer direcção, derrubar qualquer estrutura, atingir qualquer alvo. Não é bem mais interessante colocar os vossos jogadores face a este tipo de situações do que colocá-los em situações em que são os mestres, as regras, o background, ou o que for, que “encaminha‿ o jogador/personagem até uma escolha pré-definida? Para mim, sim, sem dúvida.

Pelo elevado interesse que suscitou, não só entre a jogadora visada mas entre todos os participantes (jogadores & produtor) por igual, e pela forma como deixou toda a gente aguardando ansiosamente o início do próximo episódio, tenho de considerar este o bang mais explosivo da campanha. Duvido que volte a surgir algo deste calibre nesta primeira temporada de Dirtside que está prestes a acabar, mas – eh – podemos sempre ter esperança e continuar a trabalhar para isso.

Na verdade, o bang foi tão explosivo e o cliffhanger tão loucamente poderoso que, mais uma vez, a Raquel (com a minha completa cumplicidade e conivência, admito) não resistiu a deixá-lo sossegado até ao próximo episódio, de modo que resolvemos essa cena através de ficção escrita por ela, com alguns parágrafos meus lá pelo meio e até um conflito cujo rumo foi decidido pela sorte dos dados. Não queríamos privar os outros jogadores de assistir ao desenrolar da cena, e tentámos descrever apenas os momentos que levaram ao cliffhanger. No entanto, quando demos por nós, já tínhamos feito render o peixe ao máximo e ainda era quarta-feira… nem eu nem ela conseguíamos aguentar-nos até Domingo para saber o resultado da cena, de modo que continuamos até ao final. O resultado poderá ser lido aqui, no portal, em breve.