Este artigo vem de uma discussão sobre Tema e Ambiente, sobre a qual confesso que estaria interessado na possibilidade de adaptar o fabuloso tema de Dogs in the Vineyard.
[quote=RedPissLegion]O que é importante retirar de cada universo (a meu ver) é a maneira como ele funciona para trazer a sua premissa ao de cima, (...) Já agora, Dogs Samurais parece-me uma ideia muito boa. Pensa nisso.[/quote][quote=ricmadeira]Só olhando para o teu realizador favorito:
- Os Sete Samurais vs. Os Sete Magníficos;
- Os vários filmes do Akira Kurowasa que são baseados em peças de Shakespeare.
O tema transpõe settings, culturas, épocas, you name it. Ou pelo menos pode fazê-lo se não perderes de vista aquilo que é a sua essência.[/quote]Será possível transpõr DitV para o Japão Feudal e manter intacto o tema?
Seguindo o conselho do Red, vamos ver então em que é que o ambiente de Dogs contribui para o tema:
I - Novo Mundo
O Velho Oeste é um território inexplorado em que qualquer coisa pode acontecer. As comunidades estão isoladas do mundo e vacilam nos destinos que devem seguir, sem poderem contar com ninguém directamente. No deserto da pradaria, as pessoas são sementes deitadas à terra que determinam agora qual será o futuro deste lugar daqui a muitos anos.
II - O Poder da Pólvora
Uma sociedade armada cria em todas as cenas a tensão de uma desgraça prestes a acontecer. Muitas vezes, os ãnimos exaltam-se e as pessoas magoam-se, mas pedras e paus não matam ninguém numa fracção de segundo - para isso basta uma bala. Esta ténue fronteira entre a vida e a morte está ao alcance de qualquer cidadão com uma arma à cintura.
III - Religião e Moral
"In God we trust. All others pay cash." A cultura dos pioneiros mistura bem à sua maneira a devota fé em Deus, tradição e família com um forte sentido de pragmatismo. Há valores inquestionáveis de comunidade, mas - em liberdade - os americanos cedo descobriram o poder do individualismo. Neste ninho de meritocracia, não há regras inquestionáveis.
De facto, esta coesão entre o tema e o ambiente é uma característica bastante positiva em Dogs in the Vineyard. Os protagonistas são de facto a autoridade - em liberdade e responsabilidade - são juízes e executores que decidem sobre a vida ou a morte e são parte de uma comunidade cujo destino está ainda a florescer.
Vamos ver então como estes pontos fortes do ambiente original se adaptam à realidade japonesa de outros tempos:
I
Logo à partida, estamos a falar de um território insular em que facilmente se viaja a pé de aldeia em aldeia. O território está determinado e as comunidades não se encontram geograficamente isoladas. Claro que podemos sempre imaginar o ambiente durante o período de Sengoku - guerra civil - em que muitas aldeias são deixadas sozinhas para se amanharem enquanto os samurai vão para a guerra.
II
Grande parte da população está desarmada. A "democracia" da pólvora nunca chegou aqui. As boas lãminas estão nas mãos de uma elite e é necessário treino para as usar de forma eficaz, não basta point and shoot. Claro que podemos sempre imaginar jogar apenas dentro da elite samurai, mas aí perde-se a ideia de agir numa comunidade auto-suficiente.
III
Culturalmente, não existe a ideia de individualismo. É normal, é até esperado que cada um faça apenas aquilo que lhe é exigido da comunidade até ao fim dos seus dias. O camponês faz o que o samurai lhe manda. O samurai faz o que o seu senhor manda. O indivíduo não é confrontado com decisões difíceis, muitas vezes não tem hipótese de escolha.
Pelo que me parece, não está fácil. A minha proposta seria usar o período de guerra civil e aproveitar o facto que surgiram muitos samurai sem senhor (ronin) e monges guerreiros (sohei) a tomar conta de pequenas comunidades e a liderarem revoltas contra a opressão feudal. Para ir ao encontro do tom religioso do tema de Dogs, podemos usar os Sohei como protagonistas - monges budistas que deixaram para trás os seus votos pacifistas para defenderem as suas convicções junto das populações.
Esta possível abordagem atendia aos pontos I e III, mas o ponto II fica ainda bastante tremido. O camponês é naturalmente subserviente, medroso e desarmado. Um monge pode escalar à vontade qualquer conflito e cortar toda a gente ao meio, a menos que lhe apareça algum ronin à frente.
De facto, considero que, em Dogs - elogio seja feito ao autor - tema e ambiente estão amplamente consolidados e é quase impossível encaixar o tema noutro lado sem perder potencial.
Provem-me que estou errado ;)