Dogs in the Rising Sun

Este artigo vem de uma discussão sobre Tema e Ambiente, sobre a qual confesso que estaria interessado na possibilidade de adaptar o fabuloso tema de Dogs in the Vineyard.

[quote=RedPissLegion]O que é importante retirar de cada universo (a meu ver) é a maneira como ele funciona para trazer a sua premissa ao de cima, (...) Já agora, Dogs Samurais parece-me uma ideia muito boa. Pensa nisso.[/quote][quote=ricmadeira]Só olhando para o teu realizador favorito:
- Os Sete Samurais vs. Os Sete Magníficos;
- Os vários filmes do Akira Kurowasa que são baseados em peças de Shakespeare.
O tema transpõe settings, culturas, épocas, you name it. Ou pelo menos pode fazê-lo se não perderes de vista aquilo que é a sua essência.[/quote]Será possível transpõr DitV para o Japão Feudal e manter intacto o tema?

Seguindo o conselho do Red, vamos ver então em que é que o ambiente de Dogs contribui para o tema:

I - Novo Mundo
O Velho Oeste é um território inexplorado em que qualquer coisa pode acontecer. As comunidades estão isoladas do mundo e vacilam nos destinos que devem seguir, sem poderem contar com ninguém directamente. No deserto da pradaria, as pessoas são sementes deitadas à terra que determinam agora qual será o futuro deste lugar daqui a muitos anos.

II - O Poder da Pólvora
Uma sociedade armada cria em todas as cenas a tensão de uma desgraça prestes a acontecer. Muitas vezes, os ãnimos exaltam-se e as pessoas magoam-se, mas pedras e paus não matam ninguém numa fracção de segundo - para isso basta uma bala. Esta ténue fronteira entre a vida e a morte está ao alcance de qualquer cidadão com uma arma à cintura.

III - Religião e Moral
"In God we trust. All others pay cash." A cultura dos pioneiros mistura bem à sua maneira a devota fé em Deus, tradição e família com um forte sentido de pragmatismo. Há valores inquestionáveis de comunidade, mas - em liberdade - os americanos cedo descobriram o poder do individualismo. Neste ninho de meritocracia, não há regras inquestionáveis.


De facto, esta coesão entre o tema e o ambiente é uma característica bastante positiva em Dogs in the Vineyard. Os protagonistas são de facto a autoridade - em liberdade e responsabilidade - são juízes e executores que decidem sobre a vida ou a morte e são parte de uma comunidade cujo destino está ainda a florescer.

Vamos ver então como estes pontos fortes do ambiente original se adaptam à realidade japonesa de outros tempos:

I
Logo à partida, estamos a falar de um território insular em que facilmente se viaja a pé de aldeia em aldeia. O território está determinado e as comunidades não se encontram geograficamente isoladas. Claro que podemos sempre imaginar o ambiente durante o período de Sengoku - guerra civil - em que muitas aldeias são deixadas sozinhas para se amanharem enquanto os samurai vão para a guerra.

II
Grande parte da população está desarmada. A "democracia" da pólvora nunca chegou aqui. As boas lãminas estão nas mãos de uma elite e é necessário treino para as usar de forma eficaz, não basta point and shoot. Claro que podemos sempre imaginar jogar apenas dentro da elite samurai, mas aí perde-se a ideia de agir numa comunidade auto-suficiente.

III
Culturalmente, não existe a ideia de individualismo. É normal, é até esperado que cada um faça apenas aquilo que lhe é exigido da comunidade até ao fim dos seus dias. O camponês faz o que o samurai lhe manda. O samurai faz o que o seu senhor manda. O indivíduo não é confrontado com decisões difíceis, muitas vezes não tem hipótese de escolha.

Pelo que me parece, não está fácil. A minha proposta seria usar o período de guerra civil e aproveitar o facto que surgiram muitos samurai sem senhor (ronin) e monges guerreiros (sohei) a tomar conta de pequenas comunidades e a liderarem revoltas contra a opressão feudal. Para ir ao encontro do tom religioso do tema de Dogs, podemos usar os Sohei como protagonistas - monges budistas que deixaram para trás os seus votos pacifistas para defenderem as suas convicções junto das populações.

Esta possível abordagem atendia aos pontos I e III, mas o ponto II fica ainda bastante tremido. O camponês é naturalmente subserviente, medroso e desarmado. Um monge pode escalar à vontade qualquer conflito e cortar toda a gente ao meio, a menos que lhe apareça algum ronin à frente.

De facto, considero que, em Dogs - elogio seja feito ao autor - tema e ambiente estão amplamente consolidados e é quase impossível encaixar o tema noutro lado sem perder potencial.

Provem-me que estou errado ;)

[mais informação]

Primeiro o importante, o foco do jogo. A meu ver o foco em DitV é a fé, contudo neste setting que propões eu não iria por ai, iria por Lei e Ordem.

Quando penso no Japão (de notar que não conheço muito sobre a sua cultura) a primeira coisa que penso é Regras e Ordem. Neste caso um jogo de DitV no Japão seria sobre um grupo de Samurais que passeiam pela região a resolver problemas relacionados com Lei e Ordem em nome do Sagrado Imperador (em vez do King Of Life), com autoridade sobre tudo e todos, pois eles são a lei.

Próximo passo importante, Hierarquia de Pecados.[quote=Rick Danger]Culturalmente, não existe a ideia de individualismo. É normal, é até esperado que cada um faça apenas aquilo que lhe é exigido da comunidade até ao fim dos seus dias. O camponês faz o que o samurai lhe manda. O samurai faz o que o seu senhor manda. O indivíduo não é confrontado com decisões difíceis, muitas vezes não tem hipótese de escolha.[/quote]Se pensares bem em DitV as coisas não são muito diferentes, cada um tem o seu lugar na comunidade e cada um deve cumpri-lo. Agora a diversão começa quando alguém na comunidade começa a pensar "E se...", é aqui que (a meu ver) começa a hierarquia de pecados.

Como disse anteriormente DitV é sobre fé, pelo que é natural que o último estado na Hierarquia seja a Invasão Demoníaca. Aqui acho que devias ir por outro caminho, onde o último caminho seria Rebelião Contra o Imperador e a Hierarquia tinha mais a ver com o crescendo de desordem e instabilidade que se vai criando numa região.

[quote=Rick Danger]II
Grande parte da população está desarmada. A "democracia" da pólvora nunca chegou aqui. As boas lãminas estão nas mãos de uma elite e é necessário treino para as usar de forma eficaz, não basta point and shoot. Claro que podemos sempre imaginar jogar apenas dentro da elite samurai, mas aí perde-se a ideia de agir numa comunidade auto-suficiente.[/quote]Reality sucks, hehe. Caga nisso, mete um sabre na cintura de cada aldeão, ou uma lança ou uma faca, o que fôr preciso para tornar as coisas equilibradas e engraçadas. Repara que os aldeões, não precisam de ter O Sabre Samurai Supra-Sumo Corta Tudo, apenas uma coisa afiada que magoe as coisas, isso é o suficiente para "justificar" o fallout máximo a distribuir.

Esta tua ideia parece-me mesmo muito fixe e espero que chegue a bom porto para que eu a possa jogar hehe.

"the drunks of the Red-Piss Legion refuse to be vanquished"

[quote=Red]Se pensares bem em DitV as coisas não são muito diferentes, cada um tem o seu lugar na comunidade e cada um deve cumpri-lo. Agora a diversão começa quando alguém na comunidade começa a pensar "E se...", é aqui que (a meu ver) começa a hierarquia de pecados. Como disse anteriormente DitV é sobre fé, pelo que é natural que o último estado na Hierarquia seja a Invasão Demoníaca. Aqui acho que devias ir por outro caminho, onde o último caminho seria Rebelião Contra o Imperador e a Hierarquia tinha mais a ver com o crescendo de desordem e instabilidade que se vai criando numa região.[/quote]Aqui parece que temos ideias diferentes da cultura japonesa. Da perspectiva de Lei e Ordem e de um grupo de samurais com a responsabilidade de manter uma aldeia sobre controlo, eles cortam a cabeça ao primeiro camponês que levantar a cabeça e levam tudo a eito se for preciso. A casta samurai não valoriza a vida humana individual do camponês, partem do presuposto que ele é uma criatura estúpida e preguiçosa que só reconhece o poder da força.

Isto poderia ser mitigado se o grupo de samurais fosse, de facto, uma comitiva de magistrados treinados justamente para tentar suster sarilhos nas aldeias. De qualquer forma, isso não resolve o facto do roleplay samurai-camponês ser extremamente limitado. Mesmo o magistrado mais tolerante não se vai rebaixar a uma troca franca de ideias, não há conversa possível.

Por este conjunto de circunstãncias é que eu fui buscar a ideia do sohei. O monge não deixa de estar numa posição superior à do aldeão, mas ele nunca lhe vai simplesmente cortar a cabeça, vai evitar derramar sangue a todo o custo e vai tratar o seu interlucutor de igual para igual. No entanto, preciso de fazer uma certa pesquisa sobre os sohei para perceber até que ponto se aplica a componente religiosa, o foco na fé, como tu disseste.

Acho que aqui estamos a ver o maneiras de jogar sobre prespectivas diferentes. Um Dog não é muito diferente do Samurai que acabaste de descrever, contudo um Dog não é igual a outro.

Exemplo: Na última vez que joguei Dogs eu era um gajo bué bruto e intolerante que resolvia as coisas à força (make things right by pain), mas o JB já era diferente um bocado mais tolerante e investido numa via mais pacífica de resolução dos problemas. No entanto eramos os dois Watchdogs of Heaven, os seres moralmente superiores ao comum mortal.

Aquilo que um Samurai ou um Dog é suposto ser só é tão relevante até ao ponto em que torna a história interessante, porque não jogar um Samurai que acha que as pessoas merecem primeiro a palavra antes da lâmina, porque não um Samurai sentir-se tentado a estar do lado do Povo. Só porque genericamente um Samurai age como tu o descreveste, não quer dizer que os Samurais dos PCs tenham de agir dessa maneira tão estrita e se o forem fazer que o façam porque isso torna a história mais interessante e não porque "é assim que um Samurai age".

Não te esqueças também que DitV é suposto ser um jogo iterativo, ou seja, as cidades são cada vez mais "díficeis" de resolver no sentido em que o GM vai conhecendo cada vez mais os PCs e aquilo que é facto importante para eles (através das relationships e comportamentos passados) e vai tornando os problemas apresentados aos jogadores são cada vez mais ambíguos na sua resolução.

A ideia aqui é não ver os PCs como coisas estanques em termos de comportamentos, embora geralmente os Samurais sejam como tu os descreves, nada diz que os PCs tenham que ser assim, mais do que isso (seguindo também a permissa do jogo) sejam eles como forem até que ponto é que eles se iram comportar dessa maneira, até que ponto vai a sua fé (em Dogs) ou até que ponto vai a sua dedicação à Lei e Ordem (em Samurais), essa é a pergunta que o GM tem que meter constantemente à frente dos jogadores.

"the drunks of the Red-Piss Legion refuse to be vanquished"

[quote=Red]A ideia aqui é não ver os PCs como coisas estanques em termos de comportamentos,[/quote]Claro que não, mas o ambiente pode ser caracterizado por um maior ou menor grau de tolerãncia por comportamentos diferentes da norma. No Japão, essa tolerãncia é muito menor do que no Velho Oeste, inclusivé os japoneses têem um ditado que é: "the nail that sticks its head gets hammered down".

É verdade que podes simplesmente ignorar todo o contexto do ambiente em nome de uma boa história, mas não é isso que estamos a discutir aqui, pois não? Se queres manter o ambiente e o teu samurai vai tentar ser amigo dos camponeses, eles vão achá-lo muito estranho, ficarem com muito medo e rapidamente responder a tudo o que ele disser com "sim, senhor" e "não, senhor".

A questão é: se queres ter essa liberdade de comportamentos, porquê jogar com um samurai? É provavelmente o arquétipo mais restrito em todo o universo :)

Explorei mais detalhes sobre a opção de usar os monges japoneses - personagens com uma espantosa variedade de papéis ao longo da história - como nossos protagonistas. Em concreto, a possível resposta está nos Ikkō-ikki:[quote=A Wikipédia]The Japanese Ikkō-ikki, literally "single-minded leagues", were mobs of peasant farmers, monks, Shinto priests and local nobles, who rose up against samurai rule in the 15th and 16th centuries. They followed the beliefs of the Jōdo Shinshu (True Pure Land) sect of Buddhism which taught that all believers are equally saved by Amida Buddha's grace.(...)1488 brought the first violent uprising, the first major organized action on the part of the Ikkō-ikki. They overthrew the samurai rulers of Kaga Province, and took control of it for themselves; this represented the first time in Japanese history that a group of commoners ruled a province.[/quote]Eis que, de facto, no meio da grande guerra civil (Sengoku-Jidai) encontramos os nossos monges guerreiros pregando entre as aldeias a bondade de Buda e a igualdade entre classes. Neste caso, a ameça que paira sobre as aldeias dos Ikkō-ikki é falharem nas suas convicções e serem massacrados pelos samurai a quem tomaram as terras. Já agora, a doutrina do budismo Amida - também conhecido como Budismo da Terra Pura - é talvez aquela mais semelhante ao nosso cristianismo.[quote]Thus, adherents believe that Amida Buddha provided an alternate practice towards attaining enlightenment: the Pure Land. The main idea behind Pure Land Buddhism is that nirvana is difficult to obtain without the assistance of Amida Buddha. Instead of solitary meditative work toward enlightenment, Pure Land Buddhism teaches that devotion to Amitabha will lead one to the Pure Land (reminiscent of christian Heaven) from which Nirvana will be easier to attain.This belief was particularly popular among peasants, and individuals who were considered "impure", such as hunters, fishermen, those who tan hides, prostitutes and so on.[/quote]


Curiosamente, estes monges guerreiros até estão equipados de uma forma algo semelhante aos nossos Dogs originais, chegando mesmo a incluir armas de fogo:[quote]The Ikkō-ikki monks of the 16th century, due largely to their origins as countryside mobs, were quite varied in their armor and armament. Many wore the more traditional monk robes, with varying degrees and types of armor. Many wore various sorts of helmets, while many others opted for the straw hat and cloak of a peasant. Naginata remained very common, along with a variety of swords and daggers, and a limited number of arquebuses. Finally, while not truly armor nor armament, a very common item wielded by the mobs of Ikkō-ikki monk warriors was a banner with a Buddhist slogan written upon it. Some of the more common 'slogans' were the nembutsu chant 'Hail to the Amida Buddha!' (Namu Amida Butsu) and 'Renounce this defiled world and attain the Pure Land'.[/quote]

A Wikipédia também tem referências essenciais sobre os Sohei e os Yamabushi.

Hmm acho que nos estamos a desviar um bocado do foco da questão. Até certo ponto é irrelevante se os PCs começam como Samurais carrancudos, todos rectos e inexpressivos agarrados à honra e orgulho, o que interessa é durante quanto tempo assim se mantém e o que estão dispostos a fazer em nome disso e se as experiências porque que vão passar (providenciadas pelo GM) os vão fazer morrer por esses ideais, se irão sobreviver por causa deles, se... o que for.

É aqui que a mecânica de escalada de conflitos do DitV funciona tão bem, porque ninguém é obrigado a dar o passo seguinte (falar, físico, tareia, tiros) se o faz é porque o quer (o jogador) e porque isso vai dizer algo sobre o seu PC e sobre a história.

Se os jogadores quiserem andar de aldeia em aldeia a resolver tudo à espadada, isso é fixe e estão no seu total direito, o trabalho do GM aqui e tornar as consequências dessa escolha cada vez mais importantes e com graus de grandeza cada vez maiores. Se mesmo assim eles continuarem fieis aos seus príncipios e continuarem a levar tudo à frente com a espada isso também é fixe e também cria uma história com uma mensagem muito forte.

Pessoalmente não consigo pensar de outra forma, se os jogadores querem resolver as coisas aos tiros/espadadas que o façam não porque "os PCs são assim" mas porque acham que essa reacção dos PCs em conjugação com a sua "maneira de ser" cria cenas importantes e intensas, e se acharem que atingiram o limite e querem agir de outra forma então força, isso também cria coisas interessantes.

Essa é, para mim, o foco do DitV, ver até que ponto é que os jogadores vão pela Fé em que acreditam.

[quote=Rick Danger]É verdade que podes simplesmente ignorar todo o contexto do ambiente em nome de uma boa história, mas não é isso que estamos a discutir aqui, pois não?[/quote]Não estou a dizer mudar o contexto do ambiente em nome da história, estou a dizer que o PC pode, perante o contexto que lhe é apresentado, agir de forma diferente ou não e que isso vai gerar uma boa história qualquer que seja a escolha, porque o sistema foi desenhado dessa maneira.

[quote=Rick Danger]Se queres manter o ambiente e o teu samurai vai tentar ser amigo dos camponeses, eles vão achá-lo muito estranho, ficarem com muito medo e rapidamente responder a tudo o que ele disser com "sim, senhor" e "não, senhor".[/quote]Isto é a componente "Everything nice" das Power Puff Girls.

[quote=Rick Dange]A questão é: se queres ter essa liberdade de comportamentos, porquê jogar com um samurai? É provavelmente o arquétipo mais restrito em todo o universo :)[/quote]Não julgo que seja mais restrito do que jogar um fanático religioso hehe.

"the drunks of the Red-Piss Legion refuse to be vanquished"

Já tendo jogado o DitV e ter lido sobre o The Princes Kingdom, parece-me que foram desenhados para os PCs estarem do lado do Status Quo do setting em causa, eles não são os Revoltosos, eles são os representantes do que estão no poder e por isso mesmo é que têm a autoridade (moral e factual) para fazerem o que quiserem e terem sempre razão.

Isto é uma coisa importante a perceber em DitV, quando os PCs acham que o problema numa Town deriva de um gajo, que até pode ser um mendigo qualquer, e dizem que se ele for eleito o Chefe da Town fica tudo resolvido, então de facto fica mesmo tudo resolvido, o GM não pode alterar/distorcer/manipular as coisas para outra qualquer conclusão, os PCs imbutidos com a sua autoridade dizem "isto é assim" e as coisas de facto são assim, eles têm esse poder de Julgamento.

Por isso é que acho que meter os PCs a serem os representantes da autoridade moral e da lei do Imperador Japonês é uma coisa com vários metros de altura de fixe, porque mantém o espírito de DitV mas num ambiente Nipónico.

Estes senhores que falas neste post parecem-me por sua vez o substituto perfeito para os Demonic Attacks de DitV, gajos revoltosos, com abilidades e capacidades decentes para serem perigosos que se infiltram e ganham poder numa região quando a Ordem Natural Das Coisas é interrompida, cabendo que nem uma luva no último nível da escalada de hierarquia de Pecados dedicada a Lei e Ordem.

"the drunks of the Red-Piss Legion refuse to be vanquished"

Eu não queria insistir na mesma tecla, mas penso que não estou a dizer que os PCs não fazem o que bem entenderem e que cabe ao GM aproveitar ao máximo as suas decisões para criar a melhor história possível. Parece que aqui haveria entre nós uma questão teórica a discutir que é "para que é que o ambiente serve?", mas não queria ir por aí.

Pergunto-te só se não reparaste no maior potencial para conflito que existe no caso dos Sohei, muito simplesmente porque eles importam-se com o que acontece aos camponeses. Para mim, aquilo que chamas de fanáticos religiosos - tal como os Dogs originais são - acenderam-me muito mais luzes para potenciais histórias do que os nossos voluntariosos samurais.

Entretanto, desculpa, mas não percebi esta parte[quote]Isto é a componente "Everything nice" das Power Puff Girls.[/quote]O que eu queria dizer é que o camponês não iria lançar dados contra o samurai, não entrava em conflito e não escalava nunca. Se bem entendi, tu não concordas com esta minha ideia talvez mais simulacionista da realidade japonesa e punhas o camponês a mandar postas de pescada e a preparar-se para lhe ir às fuças com o ancinho. É isso?

Desculpem lá, ando distraído e ocupado, e Japão (medieval ou não) não é nada comigo. Não tomei muita atenção à discussão, mas assim de repente, acho que a única coisa que precisas para a coisa funcionar é isto:

  1. Os PCs vão de comunidade em comunidade para resolver os problemas, e mal aparecem é ver o pessoal vir ter com eles para lhes fazer as queixinhas e pedir-lhes ajuda.

  2. Eles são a autoridade máxima onde quer que vão, ponto final. Obviamente que haverá sempre, sempre, sempre quem não concorde com eles, os tente minar e até matar, mas à partida eles são a autoridade e são respeitados como tal por toda a gente (ou quase).

  3. Há uma lista de regras/heresias/pecados/whatever pelos quais a comunidade se rege e os PCs são a autoridade máxima (e na verdade única!) na interpretação/aplicação in loco dessas regras. Eles são legislador, polícia, advogado, acusador, assistente social juiz e carrasco tudo num só. Se um deles decidir que “Não matarás!” não se aplica a quem mata uma filha que não quer casar com quem está prometida desde bebé, ou que uma mãe roubar um pão para alimentar os filhos esfomeados merece tortura e morte, ou que este assassino em série não vai ser punido porque é um primo seu ou porque é filho do Shogun, está decidido. Os PCs têm sempre escolha… não, os PCs têm sempre toda a escolha! E é por isso que tudo o que fizerem (ou deixarem de fazer porque acham que não vale a pena arriscar a pele) lhes há-de pesar na consciência.

Cabe-te a ti manipular a situação para que estas condições sejam preenchidas. Era isso que eu queria dizer com “não perder o tema de vista”; não é questão de encontrar o setting certo, é questão de manipular o setting onde queres jogar para que se preencham as condições. Mesmo o setting de DitV, embora inspirado num período histórico, é um “Velho Oeste que podia ter acontecido”, não o “Velho Oeste”.

E finalmente, é dar uma olhada nisto:

https://www.darkshire.net/~jhkim/rpg/dogsinthevineyard/settings.html

Nomeadamente este link (Não o li, mas provavelmente ajuda!):

https://www.indie-rpgs.com/forum/index.php?topic=15374.0

Red, estou a ver que aqui temos material para fazermos cada um a nossa versão Laughing

[quote=RedPissLegion]Já tendo jogado o DitV e ter lido sobre o The Princes Kingdom, parece-me que foram desenhados para os PCs estarem do lado do Status Quo do setting em causa, eles não são os Revoltosos, eles são os representantes do que estão no poder e por isso mesmo é que têm a autoridade (moral e factual) para fazerem o que quiserem e terem sempre razão.[/quote]Os Ikko-ikki não são rebeldes no sentido caótico ou anarquista da palavra. Eles pretendem - e conseguem - retirar as terras ao jugo da classe samurai e dá-las a quem as trabalha. A chegada deste movimento a uma aldeia são excelentes notícias para os habitantes. Quer dizer que vão ser protegidos e respeitados como pessoas e não têem que pagar impostos.

Claro que esta situação aconteceu num período muito específico da história do Japão. O jogo seria para ser jogado exactamente nestas zonas (foram pelo menos três regiões) controladas pelos Ikko-ikki, com os protagonistas a apoiarem as aldeias, resolvendo os seus problemas, ajudando-as a organizarem-se e dando-lhes força espiritual.

Por um lado, os sohei tentam reconstruir a auto-estima do camponês de forma a que ele compreenda que é um ser humano como qualquer outro samurai. Por outro, é como soltar crianças no meio do mato que nunca tiveram a experiência de se organizarem sozinhos. Há que lhes mostrar o possível caminho e dar-lhe valores morais e religiosos que os possam guiar.

A autoridade dos protagonistas é inquestionável, não estão muito longe de levarem os aldeões pela mão. São admirados pela sua educação, pela sua força e por não se mostrarem completamente distantes do mundo do camponês.

Se quiseres saber mais sobre o Japão feudal experimenta os livros do:

Stephen Turnbull

Vamos lá ver isto. Imagina que os dois estão a discutir e o samurai está a dizer ao camponês uma destas coisas:

  • Que o camponês tem de partir para se juntar ao exército do Shogun ou morrer já ali. Não interessa que não fique ninguém a trabalhar o seu campo, que a sua mulher seja inválida e que tenha duas filhas de cinco anos para alimentar que vão morrer à fome.

  • Que o samurai não vai fazer nada contra o filho do nobre local que violou e matou a filha do camponês, porque o assassino/violador é nobre com poder de vida e morte, e a vítima era uma mera camponesa.

  • Que o camponês (chefe da aldeia) tem de entregar todo o stock de arroz da aldeia, deixando toda a gente morrer à fome, para alimentar o exército do nobre local que vai partir para uma guerra completamente desnecessária e estúpida, isto depois depois de os aldeões já terem “contribuído” à força com bem mais do que podiam o mês passado.

Qualquer uma me parece uma razão mais que plausível para um camponês se começar a passar dos carretos e começar a brandir o seu instrumento de trabalho na direcção do samurai. Quanto mais oprimido é o povo, mais desesperados ficam.

De resto, há que ver que há muitos conflitos que terminam só a falar, outros em que é o samurai que escala porque vê que só na conversa vai conseguir levar a sua avante, e outros em que é o camponês que escala pela mesmíssima razão.

E se os camponeses não servem mesmo… think bigger. Não são só camponeses; são ronins que querem ser deixados em paz, ex-samurais, nobres, membros da administração local, camponeses “com as costas quentes”, whatever. Ou os PCs são os braços-direitos do Shogun enviados para pôr fim a feudos entre vários clãs de nobres, não sei. Alguma desculpa hás-de conseguir arranjar para preencher as condições necessárias, senão toma liberdades artísticas (irias ter de tomar muitas, de qualquer maneira, se quisesses ter PCs femininos) ou dá alguma fantasia ao setting.

[quote=ricmadeira]Imagina que os dois estão a discutir e o samurai está a dizer ao camponês uma destas coisas: (…) Qualquer uma me parece uma razão mais que plausível para um camponês se começar a passar dos carretos e começar a brandir o seu instrumento de trabalho na direcção do samurai.[/quote]Talvez seja plausível - especialmente de um ponto de vista ocidental - mas estou a dizer que prefiro a minha abordagem. Não estou a dizer que os samurai eventualmente não funcionem e agradeço os vossos conselhos, mas para mim faz mais sentido a outra opção e já comecei a explicar porquê.

[quote]Alguma desculpa hás-de conseguir arranjar para preencher as condições necessárias, senão toma liberdades artísticas (irias ter de tomar muitas, de qualquer maneira, se quisesses ter PCs femininos) ou dá alguma fantasia ao setting.[/quote]É justamente para não ter de me arranjar desculpas que prefiro não protagonizar personagens samurai como Dogs. Para mim, toda a questão do dilema moral de cada decisão esvai-se. Quando a solução extrema - cortar cabeças - é justamente aquela que a sociedade espera de mim, fica apenas a questão de fazer o samurai mais ou menos bonzinho. No fundo, eu não tenho a verdadeira autoridade de fazer novas leis num novo mundo. Talvez seja esta a principal possibilidade que me leva a preferir os sohei.

Agradeço o link..[quote=ricmadeira]https://www.indie-rpgs.com/forum/index.php?topic=15374.0[/quote][quote=lin]It just dawned on me the other day that if guns were swords, Mormonism were Buddhism, and the old west were feudal Japan (that paticular connection has been around forever), then you'd have Monks in the Rice Paddies...[/quote]Não tem muita informação específica, mas vejo que alguém já tinha chegado à mesma ideia que eu.[quote]It dawned on me while remembering a scene where the main character stops a group of villagers from killing a pregnant woman who is clearly possessed by devils. Through chanting and ceremony, the devils are exorcised. Like Mormonism in DitV, you wouldn't be able to just use Buddhism as is. It would just be a base to launch off from.[/quote]

 

Desculpem intrometer-me, mas talvez pudessem jogar um jizamurai: um samurai (que normalmente é chefe da aldeia e responsável perante os superiores), mas que também vive como agricultor (trabalhando na terra). Ele não poderia ter a arrogância e a inflexibilidade a resolver conflitos de um samurai externo nomeado por um daymio (que se limitari a impor a sua vontade, sempre defendendo o senhor e executando quem lhe apetecesse, sem qualquer respeito), dado que estaria a lidar com as pessoas com quem crescera desde pequeno, sendo eles vizinhos e amigos (apesar de algum distanciamento social).

[quote=kabukiman]Desculpem intrometer-me, mas talvez pudessem jogar um jizamurai:[/quote]Sim, também pensei nisso, mas comecei por põr a ideia de parte dado que o ji-samurai está, penso, eu ligado especificamente aquela comunidade, enquanto que os Dogs viajam de aldeia em aldeia. No entanto, agora que penso nisso, acho que há ji-samurai que têem suficiente reputação para serem chefes de várias aldeias, com um território já considerável.

Esta é uma boa hipótese, mas, de qualquer forma, penso que a autoridade do ji-samurai não é incontestável, há sempre alguém que pode vir acima dele e dizer o que deve fazer. Teria que pensar nisso.

Já agora, o que é que achas da ideia dos Ikko-ikki? É para onde estou mais inclinado.

[quote=Rick Danger]Entretanto, desculpa, mas não percebi esta parte[quote]Isto é a componente "Everything nice" das Power Puff Girls.[/quote][/quote]Queria dizer que ver um Samurai a tentar ganhar a amizade do povo e apenas a receber em troca tratamentos cordiais e distânciamento é simplesmente brilhante em termos de história.[quote=Rick Danger]O que eu queria dizer é que o camponês não iria lançar dados contra o samurai, não entrava em conflito e não escalava nunca. Se bem entendi, tu não concordas com esta minha ideia talvez mais simulacionista da realidade japonesa e punhas o camponês a mandar postas de pescada e a preparar-se para lhe ir às fuças com o ancinho. É isso? [/quote]Estou a dizer que ele o faria não só pelo que o ricmadeira disse (não esquecer que Dogs não é sobre o Oeste Americano real, é sobre um que podia ter sido) mas também se metesses influências externas ao assunto que os impelissem a isso, tal como os Ikko-Ikki.

[quote=Rick Danger]Red, estou a ver que aqui temos material para fazermos cada um a nossa versão[/quote] Estou a ver que sim hehe.[quote=Rick Danger]Os Ikko-ikki não são rebeldes no sentido caótico ou anarquista da palavra. Eles pretendem - e conseguem - retirar as terras ao jugo da classe samurai e dá-las a quem as trabalha. (...)[/quote]Por isto e tudo o resto que disseste é que acho que os Ikko-ikki seriam os vilões perfeitos numa hierarquia de Lei & Ordem.

"the drunks of the Red-Piss Legion refuse to be vanquished"

Os Ikko-Ikki são capazes de ser mais adequados, dado que tem esse lado religioso e externo à comunidade que o dogs.