Dos Rios

Dos Rios, editado em inglês pela Mayfair Games, é um boardgame porco. Muito, muito porco. Tão porco que é impossivel fazer uma jogada que não prejudique um ou mais adversários, e isso é parte da sua atracção.

Comecemos pelo inicio. Eu estava desconfiado da caixa do Dos Rios, considerando que o Catan também é publicado em inglês pela Mayfair e não tem slots para meter o material. Neste jogo os meus medos provaram-se sem ter fundamento. O jogo tem slots para tudo e é conveniente e fácil montar e desmontar o tabuleiro.

As regras são quatro páginas e de fácil leitura. Um bom exemplo de como regras devem ser escritas, embora seria bem se tivessem posto em bold alguns dos pontos mais importantes para ressaltar na nossa atenção.

Os componentes são simples mas eficazes, e o tabuleiro é modular, logo nenhum jogo será igual ao último jogado.

O jogo basicamente é a história de dois rios. Os jogadores controlam camponeses que se movem no tabuleiro. O objectivo é construir cinco casas, aqui não há pontos nem segundos lugares, ganha quem construir primeiro as cinco casas e já está!

Para construir casas é necessário dinheiro, e para ter dinheiro é necessário vender as colheitas. Há que salientar que as colheitas só são produzidas se no hexágono estiver um camponês e um dos rios a atravessar, caso contrário não há nada para ninguém. Também pode-se construir barragens para alterar o percurso dos rios.

O jogo desenrola-se assim, com cada jogador tendo seis pontos para mover os camponêses. É um pressuposto simples que funciona.

Quem espera desta descrição um jogo pacifico o melhor é pensar duas vezes, pois este é sem dúvida o jogo mais porco e lixado que possuo sem contar com o Diplomacy. Neste jogo, a ordem do dia é lixar os adversários, directa ou indirectamente, voluntária ou involutáriamente. É que todas as nossas acções reflectem-se no tabuleiro, e reflectem-se sempre para pior para os adversários. Este jogo leva a novas alturas o conceito de boardgame porco.

Analisemos o jogo.

O tema deste jogo, de dois rios num vale e de camponeses a lavrar o campo, pega. Por acaso pega e pega bem. Não é nenhum boardgame tipo-Americano quando se trata de tema, mas tem mais tema que um eurogame comum. O nivel abstracto do jogo logo não é tão alto como podia ser, mas está presente. Um jogador verdadeiramente analitico se calhar não notará muito no tema, mas isto não é um jogo abstracto como o Ingenious por exemplo. Em suma, o tema funciona até um certo nivel.

Este boardgame leva aos extremos o conceito de táctica, não tem quase nenhuma estratégia. Devido ao facto de os camponeses estarem sempre a mudar e os rios também, é quase impossivel fazer planos de longo-prazo. Este jogo é quase puramente táctico, só se pensa a curto-prazo. Este jogo recebe de mim o galardão de Jogo Mais Táctico da minha colecção. Nada que tenha jogado se compara a este jogo nesses termos.

O factor sorte está presente, mas não é pesado embora seja decisivo. Está presente na forma de cartas que nos indicam qual as colheitas a lavrar nesse turno, o que molda todos os planos do jogador que joga nesse turno. Mais uma razão para este jogo ser extremamente táctico.

A interação entre jogadores não é directa, mas muitas vezes é activa no sentido em que expulsamos camponeses de outros jogadores do tabuleiro, e isso faz os jogadores mudarem completamente seus planos. Não há negociações directas ou indirectas, mas as nossas acções no tabuleiro afectam activa e passivamente os outros jogadores. Mais uma vez, um jogo muito porco.

Quanto ao peso eu consideraria este boardgame um middleweight-light. Há quem o chame um verdadeiro middleweight mas eu acho-o mais para o light-middleweight. Não é pesado mas também não é bem leve. Demora-se mais de uma hora a jogar, logo não é um filler, mas também não é um Gamer’s Game.

O replayability do jogo é elevado devido ao seu tabuleiro modular e o facto dos rios fluirem de maneiras diferentes durante o jogo. Nenhum jogo é igual ao ultimo, e isso é bom, aumenta a variedade quando se joga mais uma vez. Apesar de tudo a sua natureza puramente táctica poderá fazer estragos, pois é chato não poder fazer planos a longo-prazo.

O dinâmismo deste jogo é interessante. Por um lado temos o tabuleiro modular e o seguimento dos rios, por outro lado temos a sua natureza táctica e porca. Combinados dão um dinâmismo extremamente singular. Apesar de não ser um Gamer’s Game, este jogo está possuido de um dinâmismo que se demarca sem no entanto o elevar a patamares mais altos, o que é uma pena. A natureza porca deste jogo acaba por ser uma desvantagem para muitos neste jogo.

E devido a essa natureza porca nem pensem em introduzir este boardgame a novatos. Eles fugiriam a sete pés depois de serem massacrados pelos outros jogadores, novatos ou não. Este é o perfeito exemplo de um jogo que só quem anda nestas andanças deve jogar e não mostrar a novatos, caso contrário eles não quererão jogar mais alguma vez.

Em relação ao enterno problema de analysis paralysis, este jogo dá-se muito a isso, sem dúvida. Devido a ser muito táctico, os jogadores param sempre para pensar o que vão fazer no seu turno. Esperem pelo menos uns bons minutos antes de um jogador decidir o que fazer.

As mecânicas do jogo são simples, no nosso turno temos duas acções, gastar pontos com os camponeses e escolher vender uma colheita, tomados por essa ordem. Não é uma mecânica inovadora nem tem nada do outro mundo. É por e simplesmente um boardgame que tem mecânicas já usadas mas que funcionam bem sem precalços.

O tempo de jogo está entre uma a duas horas.

Dos Rios é um boardgame singular. Extremamente táctico, completamente porco, este boardgame não é para toda a gente. Se gostam de boardgames pacificos e com alguma estratégia, esqueçam o Dos Rios, não é para vocês. Se por outro lado gostam de boardgames incrivelmente porcos, então comprem já este jogo, pois mais porco que isto só mesmo o Diplomacy.

Pessoalmente, gosto do boardgame, é fixe desde que se jogue com a mentalidade certa. Não é um mau boardgame, mas podia ter sido muito melhor. Mas tal como está não é mau, é acima da média de facto.

Recomendado a jogadores tácticos e jogadores que gostem de lixar os adversários em toda a altura do jogo.

14 de 20.

https://www.boardgamegeek.com/game/9408

Obrigado pela review.
Há já algum tempo que este jogo entra e sai da minha wishlist, um bocado à deriva da minha boa ou má-disposição.
Sempre achei, contudo, que havia algum (bom) potencial nesta ideia. Mas nunca consegui ter a certeza se de facto é um jogo que quero ou não ter.
Agora com a tua review fiquei mais esclarecido. Antes de tudo o mais quero jogá-lo, mas até lá já assentou (definitivamente) arreais na minha wishlist.

 

https://oblogdocosta.blogspot.com

Boa crítica. Acho que, a avaliar pelas tuas palavras, vou passar este. Nunca tinha parado na wishlist, como o Costa, mas já esteve debaixo de olho. Agora que li isto acho que passo. Não gosto de jogos, eminentemente tácticos em detrimento da estratégia, e muito menos se essa táctica TEM de advir do facto de estares sempre a ser lixado.

Passo.

Abraços

Paulo,

Gostava que experimentasses o Manhattan. É de lixanço mas há espaço para estratégia a longo prazo. Joga-o com os comparsas do costume e julgo que não te irás arrepender (mas posso estar enganado…lol!)

Abraços

O jogo por acaso é singular no sentido em que é quase pura táctica. E isso para mim é interessante pois é o único boardgame que possuo que é assim. Como todas as jogadas acabam por lixar os outros jogadores, é quase impossivel fazer planos de longo-prazo.

Este boardgame é mesmo só para quem gosta de jogos puramente tácticos, boardgames que só lixam o adversário ou ambos.

Fora isso, até que o boardgame é decente, mas muito limitado devido à sua natureza.

And thanks for the compliments. :smiley:


I know this: if life is an illusion, then I am no less an illusion, and being thus, the illusion is real to me. I live, I burn with life, I love, I slay, and am content.