Dr. Julian Troy - Relato do seu nascimento

Finalmente terminei o meu personagem de Kult. Foi um parto difícil, como costumam ser todos deste género. Ando sempre a experimentar vários conceitos, várias variações, vários "issues", até um dia a coisa toda se conjugar como que por magia em algo coerente. Às vezes isto demora tanto tempo que entro na campanha com o personagem ainda incompleto, o que não é estúpido porque assim o GM não pode trabalhar com tudo o que quero que ele trabalhe, mas pronto... felizmente desta vez entreguei o personagem e ainda faltam 4 dias para a campanha começar, uau!

E agora apresento-vos o Dr. Julian Troy.

O Dr. Troy nasceu de forma curiosa... mas antes de mais, talvez convenha explicar que eu crio estes personagens e estes backgrounds para agarrar o GM (e se possível os outros jogadores também), e fazê-lo construir uma história que atinja os alvos que lhe ofereço e que espero que sejam demasiado tentadores para ele resistir a pontapeá-los com toda a força. Tento também criar um investimento emocional em todas as partes da história que me parece que vão ser atacadas pelo tipo de campanha do GM; sim, não só tento que ele se adapte a mim, tento também adaptar-me a ele. Se me parece que a história dele vai usar certos plot devices, eu tento ou colocar-me à frente deles para os ver desabar sobre mim em toda a sua glória... ou isso ou colocar algo importante para mim (NPCs, ideais, deveres, whatever) à frente deles para ter algo importante em jogo quando eles desabam. Estou tão habituado a emoções fortes que perco o interesse por jogos e campanhas que não as criam de imediato.

Para a personagem, desde o início que estava a pensar num médico. É perfeito, porque permite-me andar por todo o setting (hospital) a meu bel-prazer e, ainda mais importante, criar relações fortes com toda a gente que eu queira, funcionários e pacientes, tanto com os que já existem como com outros que eventualmente o GM venha a introduzir por necessidades da trama. Assim posso estar no meio de tudo o que eu quiser e achar interessante, não me encontrando limitado como jogador.

De há uns anos para cá que tendo a preferir personagens mais velhos, na zona dos 40s, com problemas mais velhos, porque tendo sobrevivido à adolescência estou agora mais preocupado com a meia-idade, coisas como carreira, família, o tempo que não volta para trás e que cada vez é menos, a marca que deixamos para trás no mundo, etc. Aqui o nosso Dr. Troy não é excepção, é um dos maduros; ao longo de todo este tempo visualizei-o como o personagem do George Clooney do Serviço de Urgência. É um tipo por escolha própria nada habituado a ter relacionamentos prolongados, mas que ao envelhecer dá por si sentir-se impossivelmente solitário. Passei muitos dias bloqueado nisto, mas finalmente a inspiração de ouvir algumas canções dos Savatage, uma das minhas bandas favoritas, sobre as nossas escolhas na vida e as suas consequências e a possibilidade ou impossibilidade de voltarmos atrás e nos redimirmos deram-me a inspiração necessária e tudo o resto saiu facilmente. Aaah, música com bangs e premissas... o que pode haver de melhor que isto?

Bom, em frente, o personagem do George Clooney e o meu são médicos pediatras, o que é uma excelente escolha; desde que fui pai que fiquei incrivelmente sensível aos problemas das crianças, e assim estou a fazer um convite claro ao GM para vir cá e mexer comigo, porque se Kult não é um jogo para mexer connosco, não sei o que é. E é um pediatra que se preocupa tanto com os seus pequenos pacientes que lhe é difícil assistir imóvel a um sem número de injustiças diárias; eu não vejo o Serviço de Urgência, mas parece que sempre que apanho o George Clooney por lá que ele está prestes a explodir e a desatar ao murro a um pai que maltratou a filha, a uma mãe que por razões religiosas não quer que façam ao filho a cirurgia que lhe pode salvar - ou melhorar radicalmente - a vida, a um casal que não quer doar os orgãos da sua criança para salvarem a vida de outra criança que está às portas da morte, etc. Além disso, assim para o GM me envolver emocionalmente no tipo de trama que quer desenvolver, só precisa de colocar por lá uma criança e estou lá. Fácil!

O nome do Dr. Troy era para ser Raphael. Tenho preferência por nomes que se pronunciam quase igual em Inglês e Português, e já andei a correr os -ELs todos: Daniel, Gabriel, Raphael, Nathaniel, etc. Mas não estava a gostar muito do nome, e também já o tinha usado recentemente noutra personagem, por isso fui à procura de outro nome. Vendo uma lista de nomes para bebés, decidi-me por Julian. É um nome que também me traz memórias de médicos, por causa da excelente série de TV Nip/Tuck: Julia, carinhosamente tratada pela alcunha mais masculina de Jules, é a esposa de um dos dois médicos da série, nomeadamente o médico cuja imagem (e parte da personalidade) já eu usei para este personagem, também de Kult. O outro par da dupla do Nip/Tuck, o Dr. Christian Troy, parecia-me a imagem perfeita para usar, e também ele que é no resto completamente egoísta faria tudo por proteger uma criança, e também ele é adepto dos relacionamentos de uma noite apenas. E que coincidência, enquanto procurava fotos que pudesse usar vim a descobrir que o nome do actor é Julian; nunca me tinha apercebido disso porque na série apenas são apresentados os apelidos dos actores e criadores, não os nomes próprios. Querem mais perfeito que isto?

Espero que seja um bom prenúncio para a campanha!

Foi um parto difícil mas até que saiu um criança bem pesada! :)

Interessante vislumbre sobre as escolhas que fazes sobre as tuas personagens e de que modo gostas de ser "movido" pelos acontecimentos ou conflitos apresentados durante uma história. Como um dias destes ainda serei um dos teus Mestres de Jogos é-me valioso tê-lo lido e asseguro-me também de que perseguir certas avenidas de caracterização compensam sempre a longo prazo nem que seja pela casmurrice.

Contudo o background tua personagem é demasiado extenso até para mim e conseguiste vencer-me no número ilustrações/fotos da minha personagem que sou capaz de fazer upload, meu grande pavão de parceiro de jogo!!! :P

"Se alguma vez sou coerente, é apenas como incoerência saída da incoerência." Fernando Pessoa