Egressi ab Oraculo, dum montem ascendebant

Folium XX

A Cidade Morta

Gelo Brilhante, Dia 27

Escrevo estas linhas já em Kendermore, depois de a tragédia nos ter atingido mais uma vez. Perdemos não um, mas dois companheiros, o primeiro num infeliz acidente que se calhar podíamos ter tido o bom senso de evitar, o outro num combate demasiado perigoso. Mas já me estou a adiantar ao relato dos acontecimentos.

Saímos do oásis com o cair da noite, e começámos a subir as encostas. Ainda estávamos supostamente a um dia e meio de Kendermore, e tínhamos de voltar à dura realidade das caminhadas. O nosso caminho de saída era pela floresta por onde tínhamos chegado, e enquanto nos afastávamos, podíamos ver as ninfas no varandim. A de branco sussurrou algo, e sentimos uma entidade sobrevoar o lago como se um pequeno barco invisível viesse na nossa direcção. Parámos para as ouvir, e quando o sussurro chegou perto de nós, ouvimos a sua voz: "Sejam fortes! Têm nas vossas mãos o destino de muitos."

Depois, a de vermelho juntou-lhe o seu recado: "Os vossos passos levar-vos-ão para longe desta região desolada, para sítios que nem conseguis imaginar", e a terceira completou com a sua mensagem: "Verão coisas que muito poucos receberam a graça de ver."

Ainda cheia dos bons espíritos do banho no lago, não pude deixar de me rir a pensar que as duas últimas estariam bem em Solamnia a promover viagens de férias para nobres e mercadores ricos a países distantes, mas logo voltei a ficar séria quando a de branco falou de novo. E desta vez, num tom ainda mais sério que o anterior.
"A vossa missão é nobre, embora não o saibam neste momento." Bom, estritamente falando, talvez não o reconheçamos, mas quanto a saber, acabámos de ser informados. No entanto, o tom solene da sua voz impeliu-me a não fazer mais brincadeiras nem toques espirituosos com o que elas nos diziam. Voltei à minha postura circunspecta e enchi-me de determinação e orgulho, por finalmente saber que estava no bom caminho para servir os meus Deuses. Nada me podia fazer mais feliz, e mesmo que venha a morrer nesta missão, espero conduzir-me sempre com rectidão. A irmã vermelha avisou-nos ainda que teríamos muitos triunfos, mas também derrotas, o que é normal em qualquer batalha, mas convém lembrar: mesmo heróis favorecidos pelo destino podem morrer, se isso ajudar a cumprir um desígnio maior, e devemos estar sempre cientes da nossa fragilidade. Mas as palavras mais importantes acabaram por ser da ninfa de negro:
"No fim, lembrem-se disto: o Destino escolheu-vos a vós, mas vós é que tendes de escolher o vosso destino."

Isto pareceu-me, sem dúvida, um apelo à nossa responsabilidade e principalmente à nossa responsabilidade moral. Sem dúvida esperam-nos escolhas difíceis que podem implicar algum sacrifício até. Lembro-me da história de Lord Soth, e como também ele teve a oportunidade de evitar o Cataclismo se se sacrificasse por todo o mundo, mas ele escolheu não o fazer. Tenho receio de tal escolha, e espero estar à altura se algo parecido vier ao meu encontro. Mas temo mais ainda pelos meus companheiros. Que escolha fará o Aprendiz quando o momento chegar? E será que poderei confiar no Karol ou até no sempre-alegre Google? Não preferirá ele voltar costas e regressar à sua diversão? Não sei, mas estou a divagar de novo, e a preocupar-me com o futuro ainda velado. Parece-me que isto não é muito saudável, mas vou tentar manter os outros debaixo de olho e preparar-me para qualquer eventualidade.

Apesar de já estarmos a subir e de o ar estar mais fresco, o calor continuava a ser forte e o solo instável. Mais uma vez fomos atingidos por fendas que se abriam aos nossos pés de onde o vapor da terra saía e nos queimava. E mais uma vez o Aldor foi atingido, tal como o Aprendiz. Reparei que desta vez se curou primeiro a si mesmo, e só depois aos outros. Já era noite fechada quando isto aconteceu e duas horas depois fomos apanhados por nova fumarola. Desta vez, o Aldor teve de curar a Eruanne e o Aprendiz, e em boa hora o fez, pois logo a seguir fomos atacados por uma dúzia de criaturas que nos apareceram no caminho. Pareciam Gnolls e atacaram-nos de longe. A Eruanne usou um truque que eu ainda não lhe conhecia: com enorme alegria, disse que agora os deuses lhe concediam orações especiais que causavam efeitos parecidos com os que o Aldor podia invocar, e assim, ela provocou um crescimento anormal da raríssima vegetação ali presente. Talvez o seu feitiço funcionasse melhor numa floresta, ou talvez ainda seja pela sua inexperiência, mas a verdade é que apenas uma das criaturas foi seriamente afectada. Os outros apenas se moviam mais lentamente.

Como eram tantos, tivemos alguma dificuldade com eles, mas pouco a pouco foram caindo. O Karol teve a excelente ideia de ver o que estes traziam, e eu e a Eruanne imitamo-lo. Encontrámos bons arcos com uns dizeres arcanos e flechas de prata e de ferro. Fiquei com algumas flechas das duas espécies, e com um arco também. Parece mais robusto que o meu arco, e igualmente de boa qualidade, mas não sei se o usarei... queria ter a certeza do significado daqueles símbolos antes, mas já se sabe, o Aprendiz é o único que pode decifrá-los. Por falar nele, quase o perdíamos neste combate. Mas não que ele estivesse perto de morrer, quer dizer, ele dizia que estava, mas não foi por isso. É que ele quis seguir o único Gnoll que conseguiu fugir e de tanto correr atrás dele, depressa o perdemos de vista. O Aldor já estava quase a dar graças aos céus, que nos tínhamos visto livres dele, mas ele lá apareceu pouco depois, dizendo que as suas capacidades de se orientar em qualquer situação são fenomenais. Talvez sejam, o que é certo é que ele voltou e ainda convenceu o Aldor a curá-lo, embora um tanto relutantemente. No entanto, tenho de admitir que ele parece estar um pouco mais tratável, estes últimos dias. Talvez se tenha apercebido que se quer singrar num grupo tem de lidar bem com as pessoas. E se for esse o caso, também o tratarei respeitosamente.

Depois de despacharmos estas criaturas, continuámos pela noite em direcção a Kendermore. Mais uma vez, tivemos de nos desviar de um geiser que o Google e a Eruanne escutaram a tempo, e ainda tivemos de defrontar dois daqueles grandes javalis que abundam nesta região. O Google ficou todo contente por ter conseguido matar um deles (mas não sem ajuda, claro).

O terreno tornava-se visivelmente mais difícil à medida que caminhávamos. Por várias vezes tivemos de nos desviar dos acidentes vulcânicos desta zona: um geiser e uma torrente de lava que emergiu subitamene do solo e até uns vapores venenosos que por lá havia. Já para não dizer que nos apareceu mais um daqueles casais de javalis que são tão frequentes nesta zona! O que aconteceu de mais notório, ainda assim, no caminho para Kendermore, foi termo-nos deparado com um grupo de bandidos que nos atacou! Sim, humanos nesta zona. Rapidamente os derrotámos, e um deles fugiu (mas o Karol perseguiu-o e acho que ainda lhe acertou com uma das suas setas) e pudemos ver que tinham equipamento interessante. Eu fiquei com algumas setas que apanhei, enquanto alguns dos outros guardaram umas espadas curtas que deviam ter alguma coisa de especial.