Freedom: The Underground Railroad - Primeiras Impressões

Freedom: The Underground Railroad Freedom: The Underground Railroad

 
Neste jogo cooperativo teremos a difícil missão de libertar escravos das plantações do sul dos Estados Unidos, levando-os pela rede de caminhos que ficou conhecida como "undergroud railroad", algo traduzível para caminho de ferro clandestino, até ao Canadá e à liberdade. Simultaneamente temos que lutar pelo avanço da causa abolicionista, tentando obter o apoio político e financeiro necessário à ilegalização da escravatura.
O sucesso depende da gestão de recursos, da coordenação entre os jogadores e da sua habilidade em evitar que os caçadores de escravos capturem os fugitivos.

 
O tabuleiro é generoso em termos de espaço e está bonito, com decorações evocativas da época (1800 - 1865). Apresenta de um lado, simulando uma folha de jornal, a zona onde está representado o progresso nos vários períodos históricos que iremos atravessar. Do outro, temos o mapa onde estão representadas as plantações de onde iremos libertar escravos, os caminhos percorridos pelo underground railroad, os percursos dos caçadores de escravos, que intersectam aqueles, o mercado de escravos e espaços de apoio, incluindo um resumo de turno bastante útil nas primeiras partidas, certamente.
 
Aproveitando isso, o turno desenrola-se em 5 fases.
 
Primeiro os caçadores de escravos movem-se.
Aqui é usada uma mecânica de dados que determina qual dos caçadores de irá mover, em que direcção e quantos espaço. Se um caçador terminar o seu movimento numa cidade onde estejam escravos em fuga, estes são capturados e recolocados no mercado de escravos, de onde irão para as plantações.
 
Seguidamente os jogadores farão o seu planeamento. Pela ordem de turno os jogadores podem adquirir da zona onde estão as várias épocas, tokens que representam Suporte à causa abolicionista (estes terão que ser todos adquiridos ao longo do jogo para se vencer), acções de Condução que permitem mover os escravos em direcção ao Canadá, acções de recolha de fundos e as cartas especiais que estão também disponíveis.

As acções de condução permitem mover um determinado de número de escravos, um determinado número de espaços cada um.
Os escravos iniciam a sua fuga a partir das plantações mas eventualmente irão entrar em espaço que estão na intersecção dos caminhos dos caçadores de escravos. Sempre que tal acontece o caçador é movido em direcção a esse espaço. os primeiros espaço só permitem ter lá um escravo e isso faz com que esses espaços precisem de ser libertados para retirar mais escravos das plantações porque no final do turno todos os escravos que vêm do mercado têm que ir para as plantações. Os que sobram são perdidos e os jogadores falham a sua missão se perderem um determinado número de escravos. Assim, cruzar os espaço dos caçadores é inevitável, até porque os escravos só são libertos ao chegar ao Canadá e o jogo vence-se com um número pré-determinado de escravos libertados.
 
As acções de recolha de fundos vão trazer dinheiro aos jogadores que é essencial para comprar estes tokens de acção em turnos posteriores, as cartas e o suporte, além de outras pequenas coisas que vão sendo necessárias ao longo do jogo. Os fundos recolhidos dependem do número de escravos em certos espaços.
 
As cartas representam personagens e eventos reais e têm vários efeitos no jogo. Normalmente apenas uma carta nociva está presente a cada turno no expositor. Se esta carta for removida, seja por ser adquirida por um jogador, seja por chegar ao espaço onde tal é obrigatório, o seu efeito acontece. É importante para os jogadores minimizar os efeitos desta carta controlando o estado do tabuleiro por forma a evitar as piores consequências. As restantes cartas são úteis aos jogadores, mas custam dinheiro para adquirir e/ou usar.
 
Depois do planeamento, pela ordem dos jogadores cada um pode usar até dois tokens, usar a habilidade do seu papel (que também têm uma habilidade especial de uso único) e comprar uma das cartas de abolicionismo de que falei há pouco. Esta é a fase de acção.
 
Depois vem a fase de entrega dos escravos a partir do mercado para as plantações. Todos os escravos que estão na carta do mercado actual têm que ser colocados nas plantações. Os que sobrarem serão perdidos e, atingindo um determinado limite, trarão a derrota aos jogadores.
 
Finalmente, na quinta fase, são resolvidas as cartas obrigatórias no expositor e repostas novas. O primeiro jogador passa à esquerda e se a última carta do mercado de escravos foi entregue, o jogo termina.
 
Depois há uma forma de pontuar o sucesso (se for caso disso) dos jogadores.
 
Resumidamente, o jogo é isto.
 
Para quem já jogou cooperativos puros, a maioria das mecânicas é relativamente intuitiva.
O planeamento das acções dos jogadores é fundamental e será necessário que se coordenem as aquisições de tokens de acção, de suporte e quais as cartas que cada um poderá comprar. Não é estranho, por exemplo, que um jogador vá comprar um token de condução para colocar os escravos em pontos estratégicos para que na vez de um jogador seguinte este possa fazer uma recolha de fundos mais eficaz.
Adicionalmente, a movimentação dos escravos e as implicações disso com os movimentos dos caçadores também obrigam a algum estudo e planeamento.
Deste modo, apesar de o jogo poder ser jogado a solo e por isso ter o potencial para o problema do jogador-alfa tentar decidir tudo por todos, a troca de ideias entre os jogadores é benéfica e torna-se natural.
 
Até aqui, nada de extraordinário. Trata-se de um óptimo cooperativo que oferece um desafio interessante (mais ainda dada a possibilidade de graus de dificuldade diferentes) com bons componentes.
 
O que eleva este jogo a um patamar um pouco mais alto é algo a que normalmente não dou grande importância, o tema.
 
A verdade é que este é um tema polémico e sensível, especialmente se pensarmos que vem dos Estados Unidos onde esta questão da escravatura ainda é polarizadora, fruto da juventude histórica desse país e da tardia eliminação desta prática, agravada ainda pelo facto de a segregação só ter sido eliminada juridicamente em 1954, há apenas 60 anos, e a efectiva implementação dessa eliminação durar até aos anos 70.
 
O tratamento do tema é feito de forma cuidada e, à primeira vista pelo menos, historicamente realista. A abstracção necessária para a elaboração de mecânicas matemáticas do funcionamento de um jogo existiu, naturalmente, mas sente-se que a mesma foi conduzida pelo assunto em que assentava. Este era um desafio importante para o designer.
Por outro lado, o tema leva-nos a criar uma certa empatia e a investirmos-nos nos destinos daqueles cubos, que é o que são efectivamente, mas que representam escravos, humanos como nós, afinal. Este envolvimento emocional acaba por pesar nas decisões a tomar. O funcionamento do jogo quase nos obriga a, em certas circunstâncias, termos que entregar um escravo aos caçadores para poder com isso abrir o caminho a outros. Na maioria dos jogos, isto faz-se quase sem hesitar, mas aqui parece custar mais...
 
É esta questão do tema e da forma como é tratado e nos envolve que faz deste jogo algo mais que isso.
Muitas vezes se coloca a questão se o design de jogos de tabuleiro é uma arte. É uma pergunta de resposta difícil, até porque a questão do que é que é arte é também dúbia. Porém, se a arte for algo que usando meios estéticos nos leva a questionar sobre certos problemas, características da humanidade, ou outros assuntos mais filosóficos, então este jogo responde à questão com um categórico sim.
 
Porque não é difícil dar um salto do século XIX, altura em que este jogo se desenrola, para o nosso tempo e pensar se, mesmo tendo-se tornado uma prática ilegal, a escravatura não existe ainda ou não se manifesta de formas diferentes, algumas das quais relativamente toleradas pela sociedade...

Posto isto, naturalmente que vos aconselho a esperimentar jogar. Especialmente se vos agradam os cooperativos.
Quanto ao rating, é difícil... Pela vontade de jogar, sendo que nem sempre me apetece um cooperativo, andará ali algures acima do 7. Pela qualidade do jogo, especialmente pela sua capacidade de nos envolver, estará mais perto do 9.
 

-_-_-_-

 

Esta é uma série de análises / críticas a jogos feitas após a primeira partida.

Normalmente é má ideia fazer este tipo de exercício após uma só partida. Muitos jogos exigem maior experiência para nos apercebermos quer dos seus aspectos positivos mais difíceis de ver, quer dos seus possíveis defeitos.

<>No entanto, com o ritmo a que vão saindo jogos e tendo em conta o facto de que bastantes deles acabam por ser jogados uma só vez, as primeiras impressões são muitas vezes as mais importantes.

 

Adicionalmente, após ter jogado mais de 600 jogos diferentes em mais de 3000 partidas e de andar pelo BGG há 10 anos a ler sobre jogos quase diariamente, creio ter alguma "bagagem" que me permite apreciar jogos com mais facilidade do que faria quando comecei a interessar-me por eles. A ideia é que essa "bagagem" possa assim ser útil aos outros ao emitir o que, em última análise, é apenas uma opinião pessoal.


Portanto, tenham em conta estes dois factos (ser uma opinião pessoal emitida após uma só partida) na apreciação deste texto e lembrem-se de que mais importante do que quer que eu possa escrever aqui é a vossa experiência com o jogo.

Excelente review. Desperta logo o bichinho de se querer jogar! :slight_smile:



De resto, a verdade é que tenho saudades de voltar a jogar jogos com o pessoal. Agora, com tempo para gerir e aproveitar, voltarei a aparecer às quintas. E, se alguém me acompanhar, porque não umas terças quentes nos jardins do Breyner?



Quanto a sábado, não sei se conseguirei ir. Mas, tentarei. Por isso, pergunto se tens este jogo, pois se calhar seria um tema porreiro para se jogar lá. Pelo menos, gostaria de o experimentar.



Ah, e claro que se houver dardos, é agendar desde já um torneio!

Obrigado.

Não tenho. Joguei com a cópia do Ward e acho que infelizmente ele não vai ao Pic-Nic. Mas talvez num dos outros encontros…



É bom ter-te de volta por cá.

_

Antes de mais, parabéns pela review, o que destaco de muito positivo é que todos os jogadores tem efectivamente uma palavra a dizer, uma estratégia a propor diluindo-se o factor negativo dos cooperativos em que um parece querer mandar mais nas acções dos outros jogadores. Jogando no modo fácil não é fácil ganhar e passando para a variante mais difícil, mesmo com jogadores experientes será muito bom conseguir ganhar 30% dos jogos… Sabe bem ter luta.





Vou tentar ir na 5a ou sábado e levar o jogo.


E onde se consegue comprar este jogo?

Por exemplo, aqui:

https://www.dracotienda.com/freedom-the-underground-railroad-p-13179.html?osCsid=3o9o4pjkkivl4rr92u7mgvo573




Excelente review, partilho da mesma opinião em toda a linha (o que até é raro Pedro).



Também o acho um cooperativo especial pelo cuidado no trato do tema, com o devido detalhe, mas ao mesmo tempo com um nível de abstração que não o torna susceptível a críticas mais negativas quanto à particularidade desse mesmo tema. Seja a arte o que fôr, esta obra é arte.

Mas não elimina o chamado jogador alpha. Tem toda a informação aberta a todos os jogadores, o que não invalida que os vários jogadores deverão opinar sobre a evolução do jogo, mas não elimina esse infeliz problema de grande parte dos cooperativos puros.



Pessoalmente, só conheço dois que eliminam este problema (e de formas diferentes):

  • Robinson Crusoe - visto que a imprevisibilidade (com dados e cartas de evento à mistura) não é calculável, mas sim minimizada (com dois peões) ou maximizada (com um peão, o que não assegura a realização da ação);
  • Space Alert - apesar da informação também estar toda presente para todos os jogadores em todas as alturas do jogo, o facto de se jogar em tempo real elimina qualquer hipótese de alguém controlar a partida, pois são muitos os afazeres dentro da nave e pouco tempo para os planear.



    Brilhante trabalho Pedro. Venham mais.

Ups, esqueci-me do terceiro jogo que também elimina este problema de forma bastante eficaz:

  • Hanabi - pois dá a cada jogador a informação sobre os recursos que estão à disposição dos outros jogadores, ou melhor, não sabemos que recursos temos, mas sabemos o que os outros têm. Isso, aliado às constrições sobre a comunicação entre jogadores, elimina integralmente o alpha player.

Obrigado!!! :slight_smile:

Obrigado.



Sim, o problema de jogador alfa ainda pode existir.

Creio que neste, um pouco pela natureza mecânica, um pouco pela natureza temática, a tendência talvez seja maior para que os outros jogadores se sintam compelidos a opinar mesmo quando um outro jogador, seja por que motivo for, comece a tomar as rédeas das decisões.

Será sempre uma questão de dinâmica de grupo.



Quanto a virem mais, em princípio será uma por mês… Sem promessas, contudo.

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À semelhança do Ghost Stories

Tenho de experimentar esse. Sim, também acredito que se inclua neste lote.

[quote=Mallgur]

Será sempre uma questão de dinâmica de grupo.

[/quote]



Exactamente, mas essa tal dinâmica pode ser transversal a qualquer outro cooperativo.

Por outra palavras, um jogo cooperativo é mais ou menos cooperativo conforme a cooperação entre os jogadores. :wink:

Mas é esse o objectivo.






Li agora mesmo por alto as regras. Gostei do que li. Mas uma questão saltou-me logo á vista: qual é a re-jogabilidade deste jogo? É que depois de o acabar…

Pergunto isto porque, por exemplo no Legens of Andor que ando agora a jogar, sempre temos 5/6 lendas para fazer, já neste parece-me sempre a mesma. Estou correcto?

É que dar €50/60 por um jogo e jogá-lo apenas uma vez… :frowning:

A rejogabilidade é assegurada pelos decks de evento de cada era que não são usados na integra em cada jogo (nem metade de cada deck é usado), pelas movimentações dos slave catchers com lançamento do dado no início de cada ronda e pelas cartas de plantação aleatoriamente distribuídas para cada ronda.

Nenhum jogo será igual ao anterior por certo, mas as variações não são extremas como no caso do Robinson Crusoe por exemplo.


Efectivamente o objectivo do jogo é sempre o mesmo. Existe contudo muito potencial para jogar várias vezes.



Em primeiro lugar pelo facto de ser um óptimo jogo a solo, depois por experimentar com diferentes números de pessoas e mesmo até para apresentar a jogadores menos experientes. As regras são fáceis de ensinar/perceber.



No modo mais simples e já com alguns jogos feitos penso que existem 50%/60% de hipóteses de ganhar mas se passarmos para o difícil e com as plantações cheias no início do jogo as hipóteses de ganhar descem drasticamente pelo que o desafio por si só justifica voltar a tentar/jogar.


Têm razão. Os decks e o movimento dos slave catchers acabem por dar a tal rejogabilidde de que precisa, de facto. E ser fácil de aprender a jogar, ando super-tentado. O tema é muito bom, e tanto eu como o meu filho (que até tem o sonho de ir estudar para uma universidade dos Estados Unidos para jogar futebol americano <3 ) adoramos tudo o que tenha a ver com a terra do tio Sam. Ai a tentação!!!

[quote=Mallgur]Por outro lado, o tema leva-nos a criar uma certa empatia e a investirmos-nos nos destinos daqueles cubos, que é o que são efectivamente, mas que representam escravos, humanos como nós, afinal. Este envolvimento emocional acaba por pesar nas decisões a tomar.[/quote]



Também não sou muito de temas, focando-me habitualmente mais nas mecanicas, mas este foi um jogo que me despertou a curiosidade. Tanta que li as regras sem ter o jogo com a esperança de o conseguir jogar na LeiriaCon. Felizmente o jogo esteve disponível. Montá-mos o jogo na mesa e pusemos-nos em fuga! De inicio tudo parecia correr bem e até parecia que ia-mos conseguir escapar sem grandes problemas. Mas ao fim de alguns turnos comecámos a ver a vida andar para trás até que ficou incontrolável. Resultado: uma pesada derrota! surprise



O jogo já está encomendado e espero tê-lo antes do final do ano com as 5 bonitas peças de madeira (dos Slave Catcher)



que a meu ver, mesmo sem ter experimentado as peças de cartão



, fazem o jogo ficar ainda mais bonito e funcional.