Glory to Rome - Análise / Crítica

Designer: Carl Chudyk

Grafismo: Ed Carter

Desenvolvimento: Eric Nielsen

Edição Analisada: Cambridge Games Factory (2007)

página no BGG

 

E olhem que o Glory to Rome é carnudo. A arte quase infantil e a embalagem estilo refeição de micro-ondas enganam. Este jogo é intrincado e a profundidade estratégica é maior do que parece.
É um jogo muitas vezes associado ou comparado com Race for the Galaxy ou San Juan e, na minha opinião será talvez o melhor dos três enquanto jogo. Isto porque entre os outros dois as diferenças são mínimas e entre eles prefiro o mais antigo. Glory to Rome é diferente de ambos. Talvez o único ponto em comum seja usarem-se as cartas de múltiplas formas diferentes, podendo cada carta ser usada como recurso, edifício, personagem, etc... Mas esta comparação tripartida seria para um outro artigo. Falemos deste por si só.

 


Componentes:

São cartas, seis fichas tipo poker, pequenos "tabuleiros" para cada jogador, um livro de regras (que vem dobrado! parece um mapa.) e... mais nada. A embalagem parece retirada da zona de frios e refeições congeladas de um qualquer supermercado. A arte e o estilo das ilustrações nas cartas é quase infantil, sendo esta uma das maiores críticas feitas ao jogo e a qualidade das cartas é bastante razoável.
Pessoalmente não me incomoda o estilo cartoony dos desenhos, até lhe acho alguma piada.
Mas falando friamente, os componentes não são grande coisa.

Pontuação: 2/5

 


Regras:

Cada jogador recebe um tabuleiro para si. Este tabuleiro tem um resumo dos personagens e suas funções ao centro. No topo ficará visível a sua influência (inicialmente 2) que será aumentada sempre que ele construir edifícios. À esquerda do tabuleiro ficará a sua clientela. Aqui colocará as cartas que recrutar como clientes. Esta clientela é limitada pela influência (2 clientes ao início, portanto). Em baixo colocará as cartas que recolher como material. Este armazém não é limitado pela influência. À direita fica o cofre. Aqui o jogador colocará os lucros dos materiais que vender. Existe também aqui um limite de cartas ditado pela influência, ou seja, duas cartas ao início.

A mesa terá uma zona central conhecida por Pool (Fonte, mercado, recursos disponíveis, como lhe quiserem chamar... Pool é mais simples e serve para tudo aquilo no inglês. Por isso irei usar este estrangeirismo no restante do artigo.)
Existirá também uma fila de cartas de Fundação com um número igual ao número de jogadores por cada tipo de fundação (Madeira, Cimento, etc...) para edifícios a construir "dentro da cidade", e os restantes para edifícios "fora da cidade", estes serão mais difíceis de colocar na mesa, mas de resto são iguais aos outros. O número de edifícios dentro da cidade também determina a duração do jogo pois este pode acabar assim que seja lançada a última fundação disponível para edifícios "dentro da cidade".

Também estarão disponíveis as cartas de Jack numa pilha.

Cada jogador recebe quatro cartas e um Jack.
Depois tira-se uma carta por cada jogador do baralho. O jogador a quem corresponder a carta cujo edifício esteja primeiro em ordem alfabética será o primeiro líder. Estas cartas servem, para além de determinar o primeiro jogador, para estabelecer a Pool inicial.

O jogo pode começar com o primeiro líder a executar o seu turno, que se descreve a seguir.

Primeiro a parte simples. Na sua vez um jogador pode Pensar ou Liderar.

Pensar é comprar cartas. Até ao limite de mão actual ou, caso já esteja no limite, uma só carta. Em alternativa pode ser comprado um Jack. Após isso passa-se a vez ao jogador à esquerda.

  • Exemplo: Três jogadores A, B e C estão a jogar. O jogador activo (líder) é o jogador A. A escolhe Pensar. faltam-lhe duas cartas na mão para estar no limite. Recolhe duas cartas do baralho e passa. O jogador B, agora o jogador activo,também pensa. Está no limite de mão, mas quer jogar um personagem que não possui no momento. Pode comprar uma carta do baralho na esperança de que seja do tipo que necessita ou comprar um Jack para jogar mais tarde como sendo desse tipo.


Agora a parte complicada...

Existem três tipos de carta.

Fundações (sobre as quais se constroem os edifícios)

Jacks (que podem ser jogados como qualquer personagem)

As restantes têm várias funções. Uma carta pode ser um personagem, um edifício, um material ou pontos (vitória/influência), conforme a altura e forma como é jogada.

Liderar é escolher jogar uma carta da mão para o seu tabuleiro. Depois de o jogador activo escolher um papel para liderar (ou jogar um Jack como um papel à escolha), cada jogador pode também jogar uma carta igual (ou Jack como se fosse uma carta igual) ou Pensar.

Os jogadores que seguem (jogam uma carta igual) o líder (jogador activo) irão, tal como o líder, executar uma acção desse personagem pela carta jogada e uma por cada personagem idêntico que tenham na sua clientela no tabuleiro pessoal. Os jogadores que pensarem recolhem as cartas correspondentes e podem depois, na sua vez, fazer uma acção do tipo de personagem jogado pelo líder por cada personagem igual na sua clientela.

  • Exemplo: O Jogador C é o líder. Escolhe jogar um Patrono da mão. Coloca essa carta no seu tabuleiro. O jogador A não tem patronos ou Jacks na mão e então declara que vai Pensar, uma vez que não pode seguir o líder. Está agora no seu limite de mão e recolhe apenas uma carta do baralho. O jogador B joga também um Patrono e tem também um na sua clientela. Agora o Jogador C executa a acção do Patrono e recolhe uma carta da Pool para a sua clientela (O Patrono recruta personagens para a clientela) e coloca-a à esquerda do seu tabuleiro. O jogador B recolhe duas cartas para a clientela (uma pela carta que jogou, outra pelo Patrono que já tinha como cliente). A influência do Jogador B é 3 e com estas duas cartas, mais o Patrono que já tinha na clientela, atinge assim o limite de 3 cartas na clientela.


Depois de todos os jogadores que puderam e quiseram terem executado as acções do personagem que foi jogado/seguido, as cartas jogadas para seguir o líder são colocadas na Pool e o turno termina, passando a vez ao jogador à esquerda.

Esta é a estrutura do turno. A parte complexa parece mais complexa do que é na realidade. Após uma volta à mesa já todos os jogadores deverão estar familiarizados com a mecânica.
Torna-se agora interessante perceber de onde vem a complexidade estratégica do jogo, vendo-se o que cada carta pode ser, por cor, personagem, material, número de pontos que vale e acção que executa.
Assim, temos:

Roxo - Patrono - Mármore - 3 pontos - Permite recolher uma carta da Pool para juntar como personagem à clientela.

Amarelo - Trabalhador - Cascalho - 1 ponto - Permite recolher uma carta da Pool para o Armazém como material.

Castanho - Construtor - Madeira - 1 ponto - Permite iniciar um edifício da mão colocando uma fundação correspondente OU Permite adicionar uma carta da mão, como material, a um edifício já iniciado.

Cinzento - Arquitecto - Cimento - 2 pontos - Permite iniciar um edifício da mão colocando uma fundação correspondente OU Permite adicionar uma carta do Armazém a um edifício já iniciado.

Azul - Mercador - Pedra - 3 pontos - Permite passar uma carta do Armazém para o Cofre como lucro (pontos no final do jogo).

Vermelho - Gladiador - Tijolo - 2 pontos - A acção do Gladiador permite a um jogador roubar cartas aos seus vizinhos e também da Pool. Funciona assim:

O jogador que executa a acção do gladiador pega na carta "Rome Demands" (Roma exige) e coloca uma carta da mão sobre a mesma. Recolhe uma carta da Pool, do mesmo tipo, para o seu Armazém como material. Adicionalmente os jogadores imediatamente à sua esquerda e à sua direita devem dar-lhe uma carta cada, deste mesmo tipo, para ele colocar no seu Armazém como material. Caso não tenham declaram "Glory to Rome" (Glória a Roma). Se o jogador a executar a acção assim o exija deverão demonstrá-lo. Depois o jogador recolhe para a mão a carta que usou para definir a exigência de Roma.

Iniciar edifícios "fora da cidade" exige duas acções de Construtor ou Arquitecto, ou seja, apenas um jogador que tenha pelo menos um destes personagens na sua clientela e jogue outro pode iniciar edifícios "fora da cidade"

Para além disto, os edifícios concluídos (aqueles que depois de jogados com uma fundação lhes são adicionados materiais suficientes) têm habilidades e dão vantagens a quem os conclui, para além de aumentarem os pontos e influência do jogador, o que permite aumentar a clientela, as cartas no cofre e assim por diante.

Para terminar esta explicação já extensa das regras, fica um pequeno resumo do ciclo que as cartas podem seguir.

Da mão -

.               Para a Pool depois de jogadas como personagem.
.               Para Fundações (Com Arquitecto ou Construtor) quando usadas para iniciar edifícios e como edifícios depois de concluídos.
.               Para edifícios como material com o Construtor.
.               Para o Armazém de um jogador adversário que exija este tipo de material com o Legionário.

Da Pool -

.               Para a Clientela com o Patrono.
.               Para o Armazém com o Trabalhador e com o Legionário.

Do Armazém -

.               Para os edifícios como material com o Arquitecto.
.               Para o Cofre como lucro com o Mercador.

Do Baralho -

.               Para a mão quando se "Pensa".

Neste fluxo está quase toda a complexidade do jogo. É necessário perceber como este fluxo funciona e como é limitado em alguns pontos pela influência para ir percebendo como se poderão obter mais pontos e como se poderá conjugar tudo para usufruir de certos edifícios. Note-se que há edifícios que dão vitória imediata se o jogador tiver certas condições aí definidas.

O jogo termina quando o baralho se esgota, quando já não há mais fundações "dentro da cidade" disponíveis ou quando um edifício que faz terminar o jogo é concluído.

A extensão destas regras pode dar ideia de que o jogo é confuso (fiddly), isto é, que é preciso estar sempre a movimentar coisas de um lado para o outro, verificar regras, etc... Não é assim. Mecanicamente é muito simples. Como disse, basta uma ronda para perceber a estrutura do turno e a forma como se desenrolam as acções. A mais complexa pode ser a do Gladiador, mas basta que ocorra uma vez para que se perceba completamente como funciona. As regras são claras, estão bem escritas e não deixam muito espaço para dúvidas.

Pontuação: 4/5.

 


Jogabilidade

Como se pôde ver pelo resumo das regras, trata-se de um jogo complexo. Não por confusões mecânicas ou constantes consultas a tabelas ou excepções às regras mas pela enorme quantidade de interacções e relações entre os edifícios e as outras possibilidades dadas pelas cartas. São várias as decisões estratégicas a tomar no início do jogo e muitas as tácticas ao longo do mesmo. Não será um jogo rápido pois a estimativa de 60 minutos presente nas caixas deverá ser possível apenas com dois jogadores que já conheçam o jogo. Aponta-se mais para hora e meia ou duas, conforme o número e experiência dos jogadores.
De qualquer modo, é um jogo gratificante em que os jogadores vão construindo a sua cidade e exercendo a sua influência e usando os favores da sua clientela para chegarem à vitória, mas terão que estar atentos ao jogo dos outros, preparar-se para os ataques com o Legionário ou para tentativas de vitórias súbitas com certos edifícios.

 

Sorte:

Sendo um jogo de cartas, está naturalmente sujeito a alguns factores aleatórios. A frequência de certas cartas pode ser mais ou menos determinante para certos momentos do jogo, mas não creio que seja o factor decisivo do jogo. A possibilidade dada aos jogadores de "pensarem" a cada turno e com isso irem buscar cartas ou um Jack praticamente elimina situações em que um jogador esteja impedido de avançar o seu jogo na altura em que é a sua vez de liderar. Mesmo que não tenha na mão ou na Pool as cartas que preferiria usar, certamente terá alternativas ainda assim lucrativas a realizar. Mais um turno ou dois e certamente as cartas estarão disponíveis. Claro que, com 144 cartas envolvidas, não faz sentido estar à espera de um certo edifício na nossa mão. Há que trabalhar com o que se tem no início e depois a cada momento durante o jogo.
Mesmo os edifícios que podem dar vitórias instantâneas, o Fórum, implicam uma progressão no jogo pois só a dão se certas condições forem satisfeitas.

Pontuação: 5/5

 

Estratégia / Táctica

O livro de regras tem dois "avisos":

Estratégia Extrema!

O Jogo de Estratégia Com Cartas SERIAMENTE estratégico.

Ainda que estes dois "avisos" sejam jocosos, a verdade é que este é um jogo estratégico. Um jogador deverá pensar num plano geral para atingir a vitória. Esse plano deve levar em conta as cartas da mão inicial, mas também pensar de que forma deverá evoluir o jogo para maximizar os pontos. Certas estratégias são mais ou menos evidentes... Construir muito, Construir edifícios caros, construir menos um pouco, mas o suficiente para maximizar o uso do Cofre e outras. Contudo, o número de edifícios presentes e as possibilidades de combinação são enormes e só ao fim de alguns jogos ou de algum estudo das cartas se podem começar a vislumbrar outras possibilidades.
Entretanto o jogo é também táctico. É necessário estar atento à Pool, ver que materiais estão disponíveis e se são ou não necessários, ir controlando os edifícios feitos por outros jogadores e o poderio que isso lhes dá, ver se a escolha de um determinado papel é oportuna e se os adversários terão possibilidades de lucrar com essa escolha, etc.
Há de tudo neste jogo. Estratégia q.b., táctica a gosto.

 

Conclusão:

Creio que terá ficado patente nesta análise que gosto mesmo deste jogo. Se a pontuação se fica pela média já dada noutras análises, isso é porque apenas quantifico aspectos que me parecem ser menos sujeitos a opinião, isto é, aspectos em que o gosto individual não terá tanta influência como isso. Se os Componentes são de boa qualidade e funcionais, se as Regras são claras e bem escritas, se o factor Sorte é decisivo ou não.
Enquanto eu gosto do jogo, reconheço que os componentes poderiam facilmente ser melhores, por exemplo.
Posto isto, resta dizer que é um jogo para quem já gosta de jogar jogos diferentes e está predisposto a um certo exercício mental para atingir os seus objectivos durante o jogo. Não é um jogo casual nem um jogo que aconselhe para a maioria das situações em que estamos a tentar trazer novos adeptos ao nosso hobby. Quanto aos restantes de nós, acho que este deve figurar nas nossas colecções. Quando puderem, experimentem.

 

Pontuação Geral: 11/15

Boa review. Deste-me vontade de voltar a jogá-lo

Obrigado. Depois de a publicar lembrei-me que não tinha explicado como se ganham pontos através dos vários usos das cartas, mas enfim... realmente as explicações da regras já estavam longas.

Quanto a jogá-lo, não devo ter tempo durante a InvictaCon, mas se aparecer uma horita livre, podemos pensar nisso.