II. O Actor

Bom, e para continuar a trilogia de sessões que me faltava comentar…

Na noite do passado Sábado, dia 16 de Abril, tivemos o penúltimo episódio (pelo menos desta primeira temporada) da nossa série de PTA, Heritage. Se bem se recordam, era o episódio de spotlight do António/B0rg e eu estava ansioso de ver o que é que se ia passar na cena que lhe atirei para cima no Next Week On da semana anterior… ansioso, mas pelos vistos não tanto como ele, que passara a semana a reflectir no (e até a sonhar com o) assunto.

Não sei se foi só na parte que me tocava ou se mais alguém sentiu o mesmo, mas o jogo pareceu-me um bocado “chocho‿ de início. Provavelmente o facto de só termos começado a jogar depois da meia-noite e meia tem algo a ver com isso; eu pelo menos comecei a jogar já cansado, e o guaraná e o café podem dar toda a energia do mundo mas nem por isso me refrescam o espírito depois de uma semana às avessas. Foi a primeira, e provavelmente a última vez, em que “passei” a vez a outro em vez de pedir eu uma cena… na altura o episódio estava parado num sítio esquisito, um daqueles locais em que a próxima cena já toda a gente sabe qual tem mesmo de ser, de modo que optei por deixar que o nosso produtor chamasse essa cena. Era da maneira que a coisa rodava mais depressa e chegava a mim mais cedo, para que pudesse então criar uma cena à minha maneira. Pelo menos foi o meu raciocínio na altura.

Quanto à cena tão aguardada com o António… bom… foi uma grande desilusão para mim. Eu já tinha pensado tudo, em apenas alguns minutos da sessão anterior, quando criei aquele pequeno Next Week On em duas metades. Na primeira metade, a amiga de Val (o personagem do António) – ameaçada por um homem oriental com uma faca como ficara estabelecido pelo Mendes noutro NWO – era obrigada a fazer com que Val abrisse a porta ao vilão mas, no último minuto, gritava para avisar Val do perigo… isto apesar da faca que o vilão tinha encostada às suas costas. Na segunda metade do NWO, Val estava a olhar para o cadáver azulado da sua amiga enquanto segurava na mão o medalhão da “ressurreição”; por trás dele aparecia então a personagem da Ana dizendo “Sabes o que vai acontecer se usares isso para a trazer de volta, não sabes?”

Nestes pequenos segundos televisivos em dois actos, eu tinha condensado todo um plano maléfico. Logo para começar, a amiga de Val ia morrer-lhe à frente dos olhos porque arriscara a sua vida para o avisar e o tentar salvar. Depois até seria fabuloso especular sobre as razões pelo qual ela o fizera. Até então ela era apenas uma personagem secundária, uma stripper num bar manhoso que arranjara algumas informações a Val num episódio anterior. Agora, pelos vistos, íamos chegar à conclusão de que ela o considerava como mais do que uma relação de negócios; para arriscar a sua vida por ele, no mínimo considerava-o um grande amigo, no máximo estava perdida em segredo de amores por ele.

Isso devia ser suficiente para pesar um bocadinho na consciência do António/Val. Mas em PTA o input vem de todos os lados, não só de um jogador, e o que acabou por acontecer foi que a rapariga não morreu depois de avisar Val. Morreu algum tempo depois, mas não como consequência directa de ter tentado avisar Val. Foi quase um acto mesquinho do assassino, praticamente um momento “Não me dás o medalhão, é? Então eu já te digo.” excepto que aqui o assassino tinha como intenção principal fazer com que Val fosse buscar o medalhão e o trouxesse para o pé do cadáver, onde ele podia tentar roubá-lo outra vez.

Bom, o resultado final é muito parecido: a amiga de Val continuou na mesma a morrer por causa de Val, e pesar-lhe na consciência. No entanto, perdeu-se aquele aspecto de sacrifício completamente não-egoísta de uma pessoa a tentar salvar outra; acho que isso traria uma pujança adicional ao momento, mas é só uma opinião.

Quanto à segunda metade do meu plano… eu tinha dito que era só juntar água (ou seja, estabelecer numa cena anterior do episódio quais as consequências nefastas do uso do medalhão) e tínhamos um espectacular bang instantâneo. Pois, essa foi a parte da grande desilusão. O que ficou estabelecido no cânone durante as primeiras cenas do episódio foi que o uso do medalhão podia levar à loucura, nomeadamente sob a forma de um comportamento obsessivo-compulsivo do género que as personagens do Senhor dos Anéis têm quando o Anel Um está na sua posse. Raios… é só isso? Não vão morrer aleatoriamente uma, duas, vinte, quinhentas pessoas para fornecer a energia vital necessária à ressurreição? Não vai haver – enquanto céu, terra e cosmos se re-alinham para desfazer o que não foi feito para ser desfeito – um terramoto de escala considerável com estragos materiais e vítimas fatais a lamentar? Não vai ser liberto no mundo mais um demónio/doença/praga para manter o equilíbrio de forças entre Mal e Bem? O uso do medalhão não vai atrair o seu antigo dono, acordar um primo do Cthulhu do seu sono, e colocar dezenas ou centenas pessoas em risco? Nope.

Era apenas uma decisão entre não ressuscitar a nossa melhor amiga e ficar obcecado por um objecto mágico poderoso que nos poderá eventualmente usar para tentar conquistar o mundo (se bem que essa ameaça não é muito credível quando somos informáticos calados, tímidos e pacatos que não fazem mal a uma mosca), tal como usou Aníbal e Alexandre o Grande (que não parecem ter sido exactamente más pessoas mesmo sob a suposta influência do medalhão). Resultado, lá se foi o meu bang/dilema instantâneo! Qualquer personagem, qualquer jogador, teria tomado a mesma decisão sem pestanejar: salvar a rapariga. Ainda por cima, quando se estabeleceu em jogo as consequências do uso do medalhão, criou-se também um ritual que fazia um bypass a essas consequências. Um autêntico cartão “get out of jail for free”!

Ainda não sei como é que deixei que o meu plano fosse tão completamente estragado. Podia ter dado mais luta junto do produtor mas, como disse, eu estava um bocadinho chocho. Acho que ele estava a fazer o trabalho dele, tentando ligar o dilema ao issue pré-definido do Val, tentando torná-lo numa situação de “usas o ritual assim incompleto ou vais perder tempo a tentar arranjar uma versão mais completa?” mas acho que não ficou nem uma coisa nem outra. Eu ainda tentei “subir a parada” fazendo o meu personagem encontrar um diário medieval em latim, à la Call of Cthulhu, que eu (jogador) poderia numa cena posterior usar para estabelecer consequências bem mais graves para o uso do medalhão. Stuff Man was not meant to do, or know, and all that. Mas também foi uma tentativa chocha, porque as cenas da morte e ressurreição da nossa dançarina exótica (mas que bela história para um evangelho bíblico!) aconteceram logo de seguida e o diário acabou por servir para outros fins menos importantes.

Mas pronto, à parte desta desilusão pessoal e de um pouco de cansaço, a sessão foi o normal: diversão às paletes, criatividade a jorros e boa disposição às toneladas. Até durou o mesmo de sempre: três horas e meia!

Agora vamos ver como corre o próximo episódio. Vai ser o último da temporada, e vai ser o spotlight do Rogério, pelo que aguardo a sessão com muita curiosidade. Ele tem bom olho para criar situações porreiras, e tem sido precioso durante estes episódios. Desta vez foi ele quem, através do Next Week On, forneceu o “desafio principal‿ do próximo episódio: a namorada actual do seu personagem (John) vai ser assassinada e, de alguma maneira, o acusado vai ser ele. O que é se chama a um advogado sentado no bando dos réus? Fácil: um minúsculo passo na direcção certa para a Humanidade, e um grande passo para um episódio de TV à maneira!

O António/B0rg contribuiu então para apimentar a situação, criando um encontro altamente suspeito num beco deserto da cidade entre John e a sua Mãe, uma congressista do Senado… ninguém sabe o motivo do encontro, mas de certeza que vai ser assunto quente… uma senadora com o filho acusado de assassinato não dá; alguém vai sair dali com as orelhas a arder!

Eu, por fim, criei uma situação apontada à mouche do issue do personagem do Rogério. Ele tem falta de auto-confiança/estima porque é sobrinho do patrão da fundação e tem dificuldade em se provar aos outros e a ele mesmo, porque ninguém – nem sequer ele – consegue nunca afastar completamente a ideia de que ele só está ali porque é filho/sobrinho de quem é. :slight_smile:

A situação que eu lhe criei, envolve Michael Addler, o meu personagem, a morrer (ou pelo menos a perder a consciência devido a ferimentos bem graves) com John ajoelhado a seu lado. As últimas palavras de Michael são um voto de confiança em John e, mais importante, uma espécie de passagem de testemunho: agora é John que está no controlo da equipa e vai ser ele a lidar com aquela situação que matou (?) Michael e que vai de muito mau a muito pior. É a ocasião perfeita para John se provar… ou falhar redondamente na tentativa. De qualquer das maneiras, vai ser interessante!

Originalmente, eu tinha pensado também em criar de facto a “situação que vai de muito mau a muito pior‿, mas naqueles minutos a pensar no Next Week On não me consegui lembrar de nada apropriado. Mas não me saía da cabeça a cena que me inspirava para criar um desafio de liderança: é uma cena da Battlestar Galactica, a bem boa mini-série do remake, em que um dos oficial no comando – que anda a travar uma batalha com o alcoolismo e que acabou de receber o voto de confiança e carta branca do seu comandante há segundos atrás – tem de tomar a decisão da sua vida: tem de escolher entre abrir as comportas para deixar o vácuo apagar incêndios que ainda estão fora de controlo (matando dezenas dos seus homens, os mesmos que estão a trabalhar arduamente para apagar as chamas) ou esperar mais um minuto ou dois para que os seus homens controlem a situação, arriscando-se nesse caso a que os fogos atinjam o paiol e mandem toda a battlestar, e a sua tripulação de milhares de homens, pelos ares.

É fabuloso, uma decisão digna de um líder! “Matar” cem homens, ou arriscar-se a deixar morrer dez mil? A razão pela qual a cena funciona tão lindamente no remake da BG é que, surpreendendo e contrariando todas as expectativas de quem cresceu a ver filmes e séries americanos, o protagonista decide – é mesmo isso – abrir as comportas e lançar para o espaço sideral dezenas de amigos, camaradas e colegas sem qualquer protecção ou hipótese de sobrevivência. Os olhares incrédulos e fulminantes que outros membros da tripulação lhe lançam são… não há palavras… ouch!

É isto o chamado “burden of command”; é isto que é ser um líder, tomar as decisões difíceis e aceitar sozinho as consequências. Uma série onde vejo constantemente coisas destas – líderes em situações difíceis e 200% cinzentas – é na “The Agency”. Já sei que os meus colegas de jogo acham a série idiota porque faz passar a ideia de que a CIA são cinco pessoas e dois pequenos escritórios, mas em termos de material “bangável” é uma mina de ouro. Uma verdadeira mina, I tell you! Muwahahah! :smiley:

Se eu conseguisse espetar com o Rogério dentro de uma situação semelhante, seria fabuloso, e tinha tudo a ver com o issue dele; infelizmente, na altura não me ocorreu nenhuma ideia. Mas vamos ver; pode ser que as coisas ainda se componham nesse sentido se surgir bom material durante a sessão e o gang estiver inspirado e em sintonia.

Mal posso esperar… já só faltam 2 dias!

Bem, tenho de dizer que sou exactamente da mesma opinião!
Realmente pareceu-me assim mais… chocho! Tinha bue espectativas mas quando se começou a estabelecer o dark side do medalhão pronto, percebi logo que não ia acontecer nada!

Em relação à próxima sessão o meu next week on podia ter sido um bocadinho melhor pensado mas enfim… Foi o que saíu! :\


[B0rg]
We r all as one!!
We are The Borg. We are Eternal. We will return. Resistance is Futile…

If freedom is outlawed, only outlaws will have freedom!