Folium XIX
Gelo Brilhante, Dia 26
Ficámos ali um dia inteiro, para a Eruanne poder fazer o seu pedido às forças da natureza (nunca falei com ela sobre isto, mas acho que ela não segue nenhum deus em particular), e partimos hoje de madrugada, umas duas horas antes do sol nascer. Cedo notámos que o solo estava a ficar mais rochoso e a subir, e o meu coração pulou de contentamento. O ar estava cada vez mais fresco e ao fim de uma longa subida, chegámos a um vale onde podíamos ver um oásis de forma triangular, limitado por duas montanhas e um pequeno bosque que nos separava dele, e bem no meio, um bem-vindo lago. Até que enfim, água!
Havia um pequeno varandim de madeira fixado à rocha, onde três mulheres de aparência élfica nos olhavam. A Eruanne comentou que se lá estivesse um elfinho não se faria muito rogada e eu achei piada... sim, na verdade, seria uma curiosidade interessante, mas neste momento, estou mais preocupada com outras coisas.
O Laundo é que se virou para nós e disse que tínhamos chegado ao destino que ele tinha em mente. Ainda estamos a dia e meio de Kendermore, segundo ele, mas é bom pelo menos vermos algo de civilização. Ele disse-nos que isto era o Oráculo, e que as três elfas eram afinal três ninfas. Podíamos falar com elas, mas só se não fôssemos armados.
E armados não fomos. As ninfas acolheram-nos amavelmente e disponibilizaram-se para nos responderem a perguntas, pois no fundo é isso que as torna um Oráculo. Mas nem todas as perguntas são de graça, disseram-nos elas. De facto, responderam-nos a uma série de perguntas mais ou menos inocentes, mas as perguntas sobre o nosso futuro teriam um preço: se fizésemos uma pergunta, teríamos de carregar um objecto para elas durante 30 dias; duas perguntas adicionavam uma tarefa que não nomearam; e se fizéssemos um máximo de três perguntas, aos dois preços anteriores teríamos de juntar a cedência de algum objecto precioso. Não sou avarenta, mas a tarefa em que nos encontramos envolvidos tem provado ser perigosa e difícil, e qualquer objecto precioso tem sido essencial não para o nosso bem, mas para a nossa sobrevivência, pelo que desde logo me opus à terceira pergunta.
No entanto, não houve consenso fácil quanto ao resto. Uma pergunta parecia obrigatória: o que nos espera em Kendermore, e o que devemos ir lá fazer, mas a forma exacta de o perguntar parecia difícil de encontrar. A segunda pergunta que parecia essencial era sobre a natureza da chave de Quinari: se de facto é a caixa que transportamos e que porta ela abre. No entanto, isto eram na verdade duas perguntas, e havia mais algumas ainda que queríamos fazer, pelo que optámos antes por fazer a pergunta sobre Kendermore e depois, dependendo do resultado, decidir se fazíamos a segunda ou não.
Eu então avancei, e perguntei qual a missão que nos esperava em Kendermore. Antes de me responderem, entregaram-me um medalhão de âmbar e impuseram-me que o carregasse. Se o não fizer, serei amaldiçoada. Enfim, resta obedecer.
A resposta à minha pergunta, no entanto, foi muito mais do que esperávamos, mas tão enigmática como todas as visões que já tivemos. Desta vez registei-a inteiramente:
Estais perto do fim da viagem, mas uma nova começará.
No lado sombrio do vulcão encontrarão algo que procuram mas não sabem.
Mas as respostas não estão em Kendermore.
Elas encontram-se no ventre da besta. Num local de escuridão e fogo
encontrarão uma ferramenta da Luz. Sem a luz, amaldiçoareis a escuridão.
E o que começar no fogo terminará no gelo.
Ficámos pasmados com esta resposta. Como já temia, a nossa demanda é bastante maior do que parecia no início, e ainda não temos uma ideia que seja de quando e onde terminará. Mas de novo é referida a ferramenta da Luz, de que já nos tinha falado a moça que vimos no acampamento dos Mikku. E isto vem reforçar o que eu já pensava, que esta espada ainda não é a arma perdida. O que será este tesouro, que parece, afinal, ser o primeiro objectivo que o destino nos reservou?
Não conseguimos tirar muito mais desta resposta, pelo que passei a coisas mais práticas. A visão da água naquele oásis e das maravilhosas cascatas a caírem no lago encheu-me de alegria. Há já vários dias que suspirava por um momento de pausa e descanso propriamente dito, em que me pudesse repousar e finalmente limpar-me do suor de forma condigna. Pensando bem, já nem me lembro de há quanto tempo não conseguia tomar um banho... talvez em Ak-Khurman. Espero, já que a alternativa significaria que tinha sido ainda com os Mikku, e isso já lá vai há tanto tempo! E mesmo esta alternativa já foi do outro lado do mar e de toda a Desolação!
Quando lhes falei nisso, as ninfas não gostaram muito da ideia, mas foi só o choque, com certeza, de alguém estar numa missão do destino e de repente lhes perguntar apenas se pode tomar um banho. Mas lá me deixaram. Claro que aqui lhes perguntei se não haveria um lugar recatado onde o pudesse fazer, mas elas disseram-me que o melhor que podiam sugerir era tomar banho debaixo da cascata. O lençol de água forneceria alguma protecção contra espectadores indesejados, mas, digamos, semelhante à que os trajes delas ofereciam. Se calhar, é melhor descrevê-los: todas estavam vestidas com túnicas, uma de branco, outra de vermelho e outra de preto (O Karol lembrou que isso tinha certamente que ver com a tradicional divisão dos deuses em grupos morais). Mas eram tão finos que não escondiam praticamente nada do corpo delas: o preto era translúcido, o branco nem a isso chegava. Conseguiam-se praticamente ver as formas todas delas. Bah, paciência.
Perguntei-lhes se tinham algum sabão ou produto do género, mas disseram-me que não. Espero que as águas aqui sejam maravilhosamente refrescantes e purificadoras, senão não sei como é que esta gente suporta estar na companhia de todos os outros. Então, perguntei-lhes se me podiam dizer o que era o óleo que o Karol me tinha dado. Era perfumado, e ele tinha-me dito que embora não soubesse o que era, talvez fosse um produto cosmético qualquer. Ora, como eu não sei por onde ele já andou, e como parece ter um hábito de procurar coisas exóticas no mínimo, não duvidei dele. Por isso, fiquei com uma autêntica cara de tacho quando as ninfas me disseram que era um óleo que, quando aplicado sobre uma arma, a tornava mais eficaz contra criaturas negras. Ora bem! Mas quem ficou pior do que eu foi o Karol, que de repente percebeu que tinha perdido algo de valioso. Ainda assim, tenho de ver com mais cuidado para quantas utilizações chegará o óleo, mas acho que o vou guardar para o vulcão. Algo me diz que é lá que está a criatura nascida do dragão, e assim sendo será melhor usá-lo então.
Já com a minha curiosidade satisfeita, e depois de se ter decidido que descansaríamos no oásis até ao anoitecer, afastei-me o mais possível dos outros, procurando um lugar mais ou menos recatado no lago. Claro que havia mais habitantes no oásis, por isso não me afastei muito, pois parece que ainda não tínhamos chegado aos lugares preferidos. Rapidamente, larguei as minhas coisas, tirei a roupa toda, e mergulhei na água fria. Até que enfim, água! Já tinha saudades. Nadei um bocado e descontraí-me o mais que pude, preparando-me e revigorando-me para a fase seguinte da nossa caminhada. Realmente, a água devia ter alguma coisa especial, pois quando saí de lá de dentro parecia que não só o pó do caminho tinha saído mas também muitas das minhas preocupações... e algum do meu pudor também. Não demorei muito, mas optei por me secar um pouco ao sol antes de me enxugar melhor com o meu cobertor. E embora no início me sentisse um pouco incomodada com a possibilidade de alguém estar a espiar, o que eu espero que não tenha acontecido, ao fim de algum tempo achei que o que quer que vissem em nada me diminuiria e o prazer do sol e da água eram demasiado grandes para abdicar deles por causa de uma mera possibilidade. Já para não dizer que mais vale ser vista nua que continuar um poço de imundície por semanas a fio. Qualquer dia, já escusamos de apagar as luzes à noite, pois qualquer animal nos detectará apenas pelo cheiro. Só tive um pouco de pena por não ter um verdadeiro óleo perfumante comigo. Naquela altura, far-me-ia bem, e como já estava convencida que essa era a função do óleo do Karol, sofri uma certa decepção por não o poder usar (quer dizer, podia, mas eu não sou desperdiçada). Mas espero ainda um dia voltar a uma cidade, e essa será uma das primeiras compras que vou fazer.
Quando finalmente voltei para junto dos meus companheiros, preparámo-nos para descansar antes do ocaso. Mais ninguém teve as mesmas preocupações higiénicas que eu, e portanto vou tentar adormecer o mais depressa possível.
Esta sessão foi mais ou menos uma surpresa, pois não estava à espera de chegar a um
local tão aprazível no meio da desolação, menos ainda para ter um oráculo a
responder-nos às perguntas. Esta é uma daquelas alturas em que o DM tem apenas
algumas respostas preparadas e portanto está à espera das perguntas certas, o
que pode correr mal. É um pouco como tentar fazer adivinhação numa aventura
(e eu sei do que falo, já fiz uma leitura de cartas de Tarot 'ao vivo' numa campanha
de Ravenloft, sem preparação do baralho!) e poder improvisar se os jogadores
fizerem algo completamente fora do previsto.
Neste caso correu assim assim, fizemos uma pergunta mais ou menos óbvia, mas fica
sempre aquela sensação de que a resposta não foi bem àquilo que perguntamos.
Mas tratando-se de oráculos, dá sempre para tudo :-p.
Em retrospectiva, esta mensagem aplica-se quase toda à parte da aventura até ao
fim do primeiro livro. Só ainda não consigo localizar o 'Gelo' da profecia. Claro que,
em termos de jogo, estas mensagens deixam-nos sempre excitados, e quanto
mais crípticas melhor!
Também fiquei muito surpreendido com o Oil of Speed que a Karenya trazia. Afinal,
era um objecto mágico valioso! E eu a pensar que era perfume :-D