Na sequência deste tópico, eu e o jrmariano decidimos escrever um texto que sirva para informar pessoas, que não sabem o que é um RolePlaying Game, do que exactamente do que se trata.
A ideia é dividir esta tarefa em várias partes. A primeira pretende falar genericamente sobre o que é um RPG e nenhuma referência formal será feita a termos como “sucesso”, “GM”, “crónica”, etc. Depois cada parte seguinte irá ser mais aprofundada e formal, para mostrar algumas das componentes do jogo.
Pretendemos também apresentar o RPG como um jogo extremamente maleável e com o qual pode ser feito um sem número de coisas. Por isso queremos abordar vários estilos de jogo: com GM, sem GM, LARP, Free-form, etc. Iremos o fazer nunca falando aprofundadamente de nenhum deles mas explicando o suficiente para as pessoas perceberem o que é.
Para isto, gostaríamos de contar com a participação de todos com sugestões para alterar o texto: coisas que achem que devem ser referidas e não foram e tudo o que acharem que tornará o texto mais claro e aliciante para pessoas que nunca tenham jogado.
Quando todas as partes estiverem concluídas gostaria que este texto tivesse um link directo na página principal do Portal, sendo usado como referência de consulta para pessoal que esteja interessado em descobrir este jogo.
Nota: Este texto não é suposto ser uma definição estrita de RPGs que satisfaça todas as exigências técnicas sobre a teoria do jogo. É apenas um texto introdutório com o objectivo de dar a conhecer o jogo a pessoas que nunca o tenham visto à frente e com sorte aliciá-las para o jogarem.
Obrigado pela vossa colaboração.
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Introdução
Dizem que cada gota de água é em si diferente de todas as outras, o que até pode ser verdade, mas o que efectivamente não altera o facto que cada uma ser constituída por água.
A primeira noção que é preciso ter acerca de um Role-Playing Game (ou RPG) é que este jogo, tal como todos os outros jogos, assenta numa plataforma comum, que será referida mais à frente, e que a partir desta existem tantas variantes e maneiras de jogar quanto pessoas dispostas a pensar em jogá-las e criá-las.
Nos jogos tradicionais de tabuleiro, por exemplo, esta plataforma comum é o tabuleiro e o facto de existir uma condição de vitória. Foi a partir dessa base comum e simples que se criaram jogos tão diversos quanto o Monopólio, o Pictionary, o Risco, o Trivial Pursuit, etc.
No caso específico do RPG, a base comum a todas as diferentes variantes são a imaginação, a interpretação de um personagem e um conjunto de regras para instaurar uma certa ordem de jogo.
Mas sejamos específicos, o que é que se faz durante um jogo de RPG? Bem, o objectivo geral dum RPG é no fundo construir uma história, mas no entanto, não se trata de escrever uma história tal como o escritor a escreve ao narrar de maneira unilateral uma série de acontecimentos que introduzem personagens e as fazem crescer através das mudanças que lhe são infligidas. Trata-se sim de construir uma história em conjunto com outros autores, os restantes jogadores, através da narração de cada evento e através da representação dos actos, pensamentos e sentimentos dos personagens envolvidos, pondo assim o desenrolar da acção à mercê das decisões imediatas dos jogadores em vez das decisões artísticas e calculadas de um escritor enquanto escreve, como numa peça de teatro onde o argumento vai sendo escrito pela improvisação dos actores.
Um escritor descreveria uma cena onde uma personagem entra num café e repara numa rapariga bonita, tendo em vista a transmissão ao leitor dos sentimentos de nervosismo da personagem através quer de uma descrição, diálogo ou monólogo interior. O autor tenta assim resolver a cena do modo que seja mais conveniente à sua sensibilidade, ao seu público-alvo ou até à mensagem que ele acha importante revelar no fim da história.
Um jogador de RPG imaginaria o café, o seu interior, a decoração, as pessoas, os cheiros e sons, ouviria a descrição da rapariga e sentiria na pele o nervosismo de querer ir falar com ela. O jogador descreveria a aproximação da personagem à rapariga e representava a sua interacção com ela para todos ouvirem, estando o resultado dessa interacção dependente apenas das acções do jogador ou do consenso criativo de todo o grupo mas fazendo avançar assim a história, cena a cena. Claro que existem técnicas e vários aspectos do jogo que concentram esta representação e interacções apenas para os momentos importantes e significativos para a história, mas falaremos disso mais à frente.
Voltemos agora às bases comuns, começando pela base comum da interpretação. O primeiro passo a ser tomado para abordar um jogo de RPG é o da criação da "personagem". A personagem é a representação do jogador no plano de jogo, tal como no Xadrez temos a cor das peças para definir os jogador ou no Trivial Pursuit as caixas circulares para os chamados "queijos". No caso específico do RPG o "personagem" é mais que uma peça colorida, mas sim uma personalidade com história pessoal, sentimentos e características físicas e psicológicas tal como uma qualquer personagem dum livro ou filme. A personagem é o veiculo utilizado pelo jogador para interagir com o universo de jogo onde a história decorre, podendo este ser um valoroso cavaleiro ou até um cruel espadachim mercenário se a história decorrer num cenário medieval, ou talvez um astuto homem de negócios ou um motard rebelde se a história for mais contemporânea, ou pode até ser um alienígena ou um piloto de naves se esta for ocorrer num universo futurista. O importante é que cada jogador deva assumir o papel de uma personagem na história a ser contada, e que esta deva enquadrar-se tanto na história como com o resto do "elenco", uma vez que todos devem participar em equipa para construir a história.
Outra base comum é da imaginação. Nos jogos tradicionais, como os de tabuleiro, de cartas ou de computador, toda a acção desenrola-se num suporte físico, ora seja um tabuleiro, um conjunto de cartas, ou um monitor, e esta acção é apoiada por objectos que nos permitam interagir com esse suporte e perceber a nossa posição nele: as peças do tabuleiro, o número de cartas na mão, um teclado e/ou rato. Contudo isto não acontece num RPG pois não existe um suporte físico mas sim um suporte imaginário onde a acção decorre, não existindo um palco ou cenários físicos (embora possa haver pequenos adereços de suporte, como fotografias ou imagens) onde um jogador se possa apoiar para tomar as decisões que precisa tomar relativamente ao seu personagem. Não existe, também, a possibilidade de se representar, na realidade, certas acções mais físicas que os jogadores pretendam que o seu personagem tome e devido a esse facto é importante que todos os jogadores tentem puxar ao máximo pela sua imaginação para que possam visualizar o cenário onde os personagens se encontram, as suas acções e as acções dos outros personagens. A este espaço de imaginação comum chama-se então espaço imaginário partilhado o qual é da responsabilidade de todos os jogadores.
A terceira base comum a um RPG é a existência de regras. São estas que mantém a coesão da história e regulam as interacções dos jogadores durante o jogo. Recorrendo a um exemplo da nossa infância comum a todos, podemos constatar que um simples jogo de Polícia e Ladrão facilmente poderia degenerar numa discussão acesa sobre: “- Eu acertei-te, ‘tás morto! - Não estou nada! não acertaste em nada!”
Para evitar este tipo de situações complicadas e para os jogadores possam ter uma melhor compreensão sobre o que as suas personagens e eles próprios como jogadores podem ou não fazer, existem regras para sua a interacção com o espaço imaginário onde a acção decorre. Tal como nos jogos de tabuleiros existem várias maneiras de fazer avançar a nossa peça no tabuleiro, no Xadrez temos que respeitar a liberdade de movimentos de cada peça, e no Monopólio o resultado dos dados, também num RPG existem maneiras de avançar e evoluir o nosso personagem no cenário imaginativo criado por todos. Não vamos especificar ainda os vários tipos de regras existentes pois esta seria uma lista tão maior quanto a totalidade de jogos em existência mas vamos apenas referir que estas definem o método usado para resolver as acções que os personagens decidirem tomar ou até a direcção definitiva da história.
Normalmente, estes são métodos que se baseiam, maioria dos casos, na aleatoridade e nas consequências imparciais que esta gere, e na sua relação com o alcance das características da personagem em causa, sejam estas acções físicas, tal como saltar por cima de um buraco, sejam estas sociais, tal como avaliar se o personagem conseguiu ou não impressionar a rapariga bonita que viu no café, ou sejam estas quaisquer outras que possam surgir no decurso da história.
Podem também ser regras que permitem aos jogadores definir o próprio cenário e a acção a decorrer, sendo neste caso regras que não estão relacionadas com os atributos dos personagens mas sim com a liberdade narrativa dos jogadores. Essa liberdade criativa regulada por permitir por exemplo a possibilidade de um jogador criar o tal buraco por cima do qual o personagem tem que saltar ou definir que a personagem iria encontrar de facto uma rapariga bonita num café, ou outros quaisquer eventos que o jogador ache que serão uma mais valia para a história a ser contada.
A aleatoridade torna-se assim um elemento que traz entusiasmo e expectativa a cada evento e fazendo a acção muitas vezes evoluir em sentidos inesperados e surpreendentes que não haviam sido planeados. Esta aleatoridade gera também alguma imparcialidade nas consequências das acções sobre o universo o que facilita o entendimento dos jogadores no decorrer do jogo.
Existem também métodos de negociação criativa entre os jogadores que se podem equiparar a um leilão ou suborno através de “riqueza” de valor imaginário instituída pelas regras do próprio jogo ou então um acordo sem limites entre os jogadores que lhes permite descreverem e narrarem com total liberdade mudanças que recaem sobre as personagens e o universo da história.
É importante também referir que todas estas regras ou códigos de conduta devem ser anunciados no início do jogo, devendo não só manterem-se constantes durante o seu decurso como igualmente aplicadas a todas as personagens envolvidas, de modo a garantir assim que todos trabalham no mesmo terreno.
Finalmente existe um suporte essencial para que todo o jogo decorra sem sobressaltos, o de natureza social. É fácil perceber que este é um jogo extremamente colectivo pois as personagens, o espaço imaginário e as regras são criadas, definidas ou aceites entre todos os jogadores.
Ninguém jogá-lo em grupo a pensar unicamente na sua diversão pois cada um é responsável não só pela sua diversão mas como a de todos os outros em jogo. Este facto requer que todos à mesa estejam dispostos a dialogar entre si e a aceitar sugestões de parte a parte. É preciso que cada um perceba exactamente o que vai jogar e não o fazer contrariado. Para ajudar este facto existem inúmeros jogos de RPG à disposição de cada um o que não justifica que alguém jogue algo que efectivamente não gosta ou com o qual não concorde, só porque o faz em grupo, rodeado de amigos ou conhecidos. Existem efectivamente muitos tipos de regras, cenários, e suportes para maneiras diferentes de jogar o que leva a que todos os diferentes tipos de diversão que cada jogador possa estar à procura possam ser realmente satisfeitos.
Não é preciso ter medo de explorar outros aspectos deste hobby ou de se dizer às pessoas com quem se joga que não se está satisfeito com o andar das coisas só porque se está em grupo e se tem de efectivamente chegar a um consenso colectivo.
Mais à frente iremos elaborar e especificar sobre como todas estas negociações e acordos criativos no decorrer do jogo podem funcionar na sua plenitude.