Estou a planear uma campanha para a qual peço jogadores. Deixem-me expô-la: é uma campanha de Qin: Wudang et Shaolin. Este jogo é uma variação de Qin – The Warring States, mas com um setting bastante diferente: a China do século XVIII. Aí, os jogadores seriam um magistrado e os seus ajudantes mais chegados.
Embora já tenha lido há muitos anos, no GURPS China, que era uma campanha viável, só agora, após ter jogado Qin durante dois anos, e de ler alguns romances policiais do Juiz Dee (ver romances de Robert van Gulik), é que fiquei interessado em fazer isto. Porquê? Bom, o magistrado na China antiga era o poder central de um distrito. Este incluía uma cidade e os arredores, e muito do território circundante. O magistrado era responsável pela administração do território, dispensar a justiça, cobrar os impostos e manter a paz. Não havia polícia, o mais que havia eram os guardas ao serviço do Yamen (a mescla de tribunal com Câmara Municipal onde o magistrado exercia as suas funções). Assim, a responsabilidade de resolver os crimes cabia ao magistrado.
Muito antes de haver romances policiais no ocidente, houve-os na China, principalmente na dinastia Ming (1368-1644). O herói era sempre, invariavelmente, o magistrado, ajudado por uns homens de confiança. Houve uma literatura variada e diversa, com vários magistrados heróicos e sagazes, em que uma das luminárias era o Juiz Dee (personagem real que, depois de magistrado, chegou a ministro da imperatriz Wu). Esses romances tinham sempre crimes horríveis, que o magistrado resolvia, cenas de kung-fu para dar trabalho aos ajudantes, e sempre elementos sobrenaturais (às vezes o juiz ia mesmo consultar-se com o Rei Yama, chefe dos infernos, juiz dos mortos e, claro, divindade tutelar de todos os juízes da China).
Meus amigos, parece-me o enquadramento perfeito para uma campanha de RPG. Há para quem goste de combates, investigação e magia. Depois, o magistrado e a sua equipa nunca ficavam mais de 3 anos no mesmo distrito. Assim, quando um distrito tiver esgotado os problemas a resolver, bom, os PCs são enviados para outro. Juntem a isso que, ao contrário dos romances do Juiz Dee, os casos que aparecem não têm de ser necessariamente policiais. Podem ser políticos, civis, até militares, pois é uma época de conspirações e revoltas em que a China se encontra dividida.
Eis um resumo da situação político-social em 1733, ano em que começa a campanha. Até 1644, a dinastia Ming tinha estado em plena decadência. Funcionários corruptos punham o território a saque, o imperador rodeava-se de sicofantas em vez de homens capazes. Estes invariavelmente sofriam com os complots dos primeiros (como exemplo, depois de vitórias estrondosas contra os Manchus, o general Yuan foi chamado à corte e, com acusações falsas, foi preso e executado, juntamente com toda a sua família). Houve várias revoltas, e uma delas tomou tal vigor que chegou a tomar Pequim, a capital. O imperador suicidou-se, e a China estava num caos tal que os Manchus, povo de origem tártara cujo poder no nordeste da Ásia estava em crescimento, invadiu a China e criou a dinastia Manchu, ou Qing (pronuncia-se “tching”), como é mais conhecida.
O primeiro imperador Manchu era um grande sinófilo que acreditava na integração do seu povo com os Hans (etnia maioritária da china, o que vulgarmente se chamam os chineses), tendo nomeado muitos Hans para postos chave do seu conselho, acolhendo os que eram maltratados pelos Ming, e até tinha um exército inteiramente constituído por oficiais e tropas Hans que se distinguiu na conquista da China. Infelizmente, morreu antes desta estar completa, e entre os seus irmãos e filhos começou uma luta de sucessão que ameaçava aniquilar as conquistas feitas. Decidiu-se dar o trono ao filho de 8 meses, ficando este com 4 regentes.
Um deles, o príncipe Dorgon, depressa afastou ou eliminou os outros e ficou regente único. Este não tinha qualquer simpatia pelos Hans e tomou muitas medidas discriminatórias. Uma das mais contestadas e que levou a banhos de sangue pela china toda foi o obrigar os Hans a vestir e a usar o cabelo como os manchus. Estes rapavam a primeira metade do crânio e deixavam cair o resto do cabelo numa trança até à cintura. Os Hans não cortavam o cabelo. Segundo o confucionismo, o cabelo era um dom do pai que não se devia cortar. Era, assim, um tabu religioso de primeira ordem. Mas Dorgon foi implacável. Ficou conhecido pelas palavras: “Ou rapam o cabelo, ou perdem a cabeça.” Morreram milhões na implementação deste comando, e o ódio aos invasores manchus ficou implantado.
Os imperadores seguintes seguiram o caminho oposto. Fizeram o possível por sinizar a corte, apoiando-se até nos eruditos Hans para controlar o poder da aristocracia militar Manchu, encorajaram casamentos entre etnias. Mas tiveram de lidar com tremendas revoltas antes de se conseguir uma paz relativa, herdada pelo corrente imperador, Yongzheng.
Agora, em 1733, a China pode dizer-se que se divide num norte próspero e pacífico em que as duas etnias vivem em harmonia, e um sul pobre e turbulento, onde os Hans semeiam a revolta e a repressão manchu ainda as alimenta mais. O sul, já agora, sempre foi o ponto de maior resistência à nova dinastia, e que reagiu sempre pior às medidas da corte Manchu.
É neste clima que um jovem magistrado, tendo acabado de passar o exame imperial, tem atribuído o seu primeiro distrito. Ele e os seus companheiros terão, certamente, tempos interessantes.
Darei mais background à medida que for necessário, especialmente sobre os centros de kung-fu da China desta época: o mosteiro de Shaolin e o monte Wudang. Assim como do submundo das Florestas e dos Lagos (jiang hu), constituído quer por ladrões e contrabandistas, quer por cavaleiros errantes cuja palavra é um penhor. Também darei algum background sobre os procedimentos num tribunal chinês, que são muito diferentes dos que vemos num courtroom drama norte-americano.
Em questões mais práticas, eu vivo em Lisboa, e a minha profissão dá-me uma flexibilidade de horário e de dia da semana muito grande. Resumindo, posso jogar a qualquer dia da semana (tirando quartas em que jogo noutra campanha) e praticamente a qualquer hora que não à noite. Ofereço a minha casa para jogar, onde tenho uma sala grande em que cabe muita gente com conforto.
Podem responder-me por aqui, ou usando o serviço de mensagens do abre o jogo. Por mim, continuarei a dar informações sobre o background geral, a cultura e os valores chineses, e outras coisas que ache interessantes.
Paz,
Verbus