Jogo o que bebo

Começo a perceber que os tops são importantes. Reparei nisso quando fiquei muito indignado por ver alguns dos meus jogos favoritos serem maltratados pelas injustiças dos gostos dos outros. Também me apercebi que as listinhas das coisinhas que se querem, são sempre mais ou menos importantes para quem as faz. No meu caso, uso-as, sobretudo, para não me esquecer deste ou daquele jogo que agora descobri, no caso de outros são necessidades, estão no topo, ou na base, da pirâmide de Maslow.

Mas o mais importante, por aquilo que me foi dado a perceber, é a constante mutação. Eu, como muitos, sou um jogador temperamental. Gosto disto hoje, muito mais do que vou gostar amanhã. Gosto menos daquilo amanhã muito menos do que irei gostar no dia seguinte. E assim se vão fazendo as wishlists e os tops, com alterações de última hora, com assombros de boas ou más disposições, com alterações de humor, ritmo diário, parceiros de jogo e outras coisas mais ou menos humanas.

Quando comecei a jogar Risco era o jogo dos jogos. Como costumamos dizer por aqui era "o jogo". Chamávamos "o jogo" ao Risco como bebíamos uma garrafa de Porta da Ravessa achando que era o melhor vinho do mundo. Tinha uma entrada agradável, era um alentejano simples, fácil de beber. Nesta altura gostávamos de Risco porque não conhecíamos mais nada.

Começámos, com o advento do BGG e outros quejandos, a gostar, experimentar, outras coisas mais complexas. Entraram nas nossas considerações alguns jogos de que se falavam muito. Já havíamos experimentado o Descobridores de Catan, grande jogo, uma descoberta imensa, um vinho menos chato que o Porta da Ravessa, muito mais complexo, cheio, redondo, uma entrada não tão simples mas com um final muito mais longo. Tanto assim é que nos fez viajar até ao Douro. É uma região muito mais difícil que o Alentejo mas muito mais interessante também. E aquilo que não percebemos faz-nos, normalmente, avariar o sistema e entrar em ruptura com um dos dois neurónios que resistem à mudança. Aquela coisa de não ter os triliões de dados para lançar era estranho mas bom. E depois veio o Puerto Rico.

O Carlos manda-me um sms de Lisboa, textualmente - "Puerto Rico é "o jogo"". E ele tinha razão. A partir dessa data deixámos, completamente, de beber Porta da Ravessa. Descobrimos o Douro, começámos a gostar de vinhos brancos também, alguns mais estranhos como um Riesling de aromas petrolados e minerais a fazer lembrar um Power Grid, complexo, difícil de apreciar mas brilhante, ou um Gruner Veltliner austríaco com aroma de legumes cozidos, ainda mais estranho mas absolutamente brilhante, como um Tigris e Euphrates.

De repente apercebo-me que deixei de gostar de vinhos fáceis e polidos e que me chamam mais a atenção os vinhos mais machos, mais angulosos, deixei de ter uma região favorita e comecei a desbravar territórios. Os jogos alemães, eurogames, começaram a ficar misturados com os jogos americanos e apareceram os Martin Wallace. Sistemas integrados de clássico wargame com eurogame. Um vinho difícil de digerir, cheio de nuances, muito complexo, uma estrutura infalível. Marcadamente másculo a parecer um Mouchão ou até um Batuta da década de 90. O corolário acontece com Liberté. Não merece o epíteto de melhor vinho do mundo, mas tem classe internacional. É complexo e encorpado como os magníficos e superlativos australianos que temos de beber de faca e garfo. Tem a elegância de um Bordéus novo e bebe-se sem acompanhamento. O vinho pelo vinho.

Lembro-me também de ter ficado esmagado quando bebi um Die Macher de 1986. Talvez o melhor que se pode dizer deste jogo é a idade que ele traz. Impressiona o vigor, a juventude. Um jogo de classe internacional, sem dúvida, que tem de ser servido acompanhado de uma boa feijoada, para ser mais prosaico. Um Die Macher a acompanhar uma bela duma feijoada, pensem nisso!

Mas como no vinho, também os gostos pelos jogos vão mudando. Voltei aos grandes clássicos depois de ter passado a fase dos absolutamente impenetráveis de aromas e de corpo. Regressei aos elegantes, polidos e belos vinhos do Douro. Os Barca Velha, Chryseia. Os internacionais de Bordéus. Dá-me ideia que pelos jogos vou passar o mesmo deserto. Estou naquela fase das quarenta páginas de regras, um jogo a beber com moderação, muito alcoólico, carregado de cor, a lembrar um vintage de 1994. Mas entendo que dos vintage de anos declarados aos rosés bem feitinhos, como será um La Strada ou um Yspahan, vai uma muito pequena distância. Depende muito daquilo que se come e com quem se bebe. E as minhas listinhas e os meu tops vão-se ressentir disso mesmo. Prevejo começar a beber rosé daqui a, mais ou menos, um ano. Mas acho que não torno ao Porta da Ravessa. A não ser que seja de um ano excepcional!

Parabéns!! Confesso que não percebi metade, e que também não bebo nem percebo nada de vinhos, mas acho excelente à mesma e aprovo incondicionalmente, LOL! :slight_smile:

Não sei bem se era uma crítica sobre vinhos. Acho que pelo meio se falava de boardgames. Laughing

"You think I'm old and feeble, do you? Well, face my Flying Windmill Kick, asshole!"

Excelente critica!