Microteste aos roleplayers

Vamos lá a testar esses conhecimentos sobre os rpgs, sobretudo os de tipo alternativo. Aqui vai um pequeno teste: quem escreveu a passagem que se segue? A propósito de que jogo? Aproximadamente quando?

«Estou a acabar um jogo de personagens ... de um tipo novo. Em primeiro lugar, é o jogo de personagens mais simples que possa ser ... não utiliza dados. No seu lugar recorre [a um randomisador que eu não vou mencionar, é evidente, mas que é extremamente simples] Além disso, não há mestre de jogo ... cada jogador é um [expressão que também omito] Possui uma parte do cenário e deve apresentá-la aos outros que, pelo seu lado, conhecem outros elementos da história. Desta maneira cada um participa na evolução da intriga. Por exemplo, se um jogador deve anunciar que as personagens avistam um castelo, um outro poderá, se isso estiver previsto na parte da história que ele conhece, anunciar que um grupo de homens de armas se aproxima dos viajantes, e assim de seguida. ... [Nome do jogo] tem por objectivo levar as pessoas a contar histórias ...»

Apenas uma nota: a personagem em causa é um americano. E bónus adicionais a quem identificar a minha fonte de informação.

Está lançado o repto:

- Quem?

- Sobre que jogo?

- Quando?

- Onde?

Upa upa puxado-te.

Não faço puto de ideia hehe, mas esse tipo de jogo não me é de facto estranho, acho que até foi o Rui que me falou de um jogo assim nesses termos. Vou investigar.

"the drunks of the Red-Piss Legion refuse to be vanquished"

  • Quem?
    Greg Stafford

  • Sobre que jogo?
    Prince Valiant

  • Quando?
    1989

  • Onde?
    Isto é que já não faço ideia.

[quote=neonaeon]- Quem? Greg Stafford - Sobre que jogo? Prince Valiant - Quando? 1989 - Onde? Isto é que já não faço ideia.[/quote]Também me parece ser algo desse género.

Certo, certo e próximo. A fonte é uma Casus Belli de 1987 mas a entrevista deve ter tido lugar por finais de 1986. Andava a ver a minha colecção de CB e deparei-me com a coisa. Na entrevista o GS também descreve o sistema de jogo que assenta numa «mão de dados» (d2) de rolar e guardar os mais altos, quem tiver mais sucessos ganha; e de que ia qualificar o jogo de storytelling... tudo uns anos antes de ser criada a White Wolf e 4 anos antes de ser publicado o Vampire!

E, é claro, muitos anos antes de aparecerem jogos «sem mestre», com histórias partilhadas, etc. e tal.

A CB tem coisas engraçadas, quando lida retrospectivamente:

Há uma notícia da visita de uns franceses a uma convenção americana em meados dos anos 80. Entre outros detalhes mencionam o comportamento ordeiro dos américas (mesas com até 20 tipos a jogar com portavoz para comunicar com o MJ...) e como os jogadores de D&D se preocupavam tanto com os pontos que lhes definiam a posição no ranking do jogo.

Quando o Vampire saiu o comentário era o de que seria um jogo «à francesa», ou seja, com bem mais preocupação pela personagem e a descrição coerente do universo do que era normal nos jogos americanos.

Antes do Vampire saiu em França um jogo francês baseado nos livros da Anne Rice. Não durou muito porque a empresa que o produziu fechou.

Uma notícia sobre o impacto da fusão Games Workshop/Grenadier e da sua agressiva estratégia comercial nas empresas produtoras de minis americanas.

O que acho interessante é ver como muitos dos debates entre jogos mainstream e jogos alternativos são coisas lá deles, dos americanos, que pouco têm a ver com o cenário rolistíco europeu (num conceito de europeu onde o nosso país não figura, como é evidente), mesmo se os europeus acabem por se envolver no debate sem se darem conta das diferenças. Ou ver como muitas das tendências recentes no hóbi já estavam a ser cozinhadas há muito tempo.

Voltando à entrevista ao GS, o jogo acabou por sair dois anos mais tarde e com algumas alterações (redução de 3 para dois atributos). A componente jogo sem MJ acabou por ser reduzida. Em suma, um jogo menos radical do que ele estava a desenvolver.

Sérgio Mascarenhas

Que saudades da Casus Belli…

Eu até concedo que a designação “storytelling” possa ter sido aproveitada pela White Wolf, mas parece-me que o sistema Storyteller é mais uma adaptação do sistema de Shadowrun (que, esse sim, me parece uma adaptação de Ghostbusters). Até porque o designer dos dois sistemas é o mesmo (Tom Dowd).
O Prince Valiant foi um jogo muito bom e muito corajoso. Infelizmente era baseado numa BD já bastante esquecida e talvez fosse demasiado arrojado para a época.
O Vampire pode ter ido buscar muitas coisas a outros jogos (é o que toda a gente faz), mas conseguiu ter o tema e estilo certo na hora certa. E, claro, promoveram o jogo muito bem.

Era o espírito do tempo, como diriam os filósofos alemães.

Curiosamente, parece que quem acabou por concretizar a ideia do Greg Stafford foi o James Wallis, primeiro com o Once upon a Time e depois com o The Extraordinary Adventures of Baron Munchausen. Talvez nesta altura as estrelas fossem mais propícias.

[quote=neonaeon]Eu até concedo que a designação "storytelling" possa ter sido aproveitada pela White Wolf, mas parece-me que o sistema Storyteller é mais uma adaptação do sistema de Shadowrun (que, esse sim, me parece uma adaptação de Ghostbusters). Até porque o designer dos dois sistemas é o mesmo (Tom Dowd).[/quote]

Olha que não, olha que não. Curiosamente o Greg Stafford menciona o Ghostbusters na entrevista. O que faz sentido, pois este foi criado por... Sandy Petersen, Lynn Willis, Greg Stafford, ou seja, o colectivo da Chaosium. Os caminhos vão todos dar ao mesmo sítio.

Eu não conheço o GB directamente mas o que li em críticas indica que o seu sistema básico assenta em rolar os dados e somar os seus valores. Pelo que li do Shadowrun, este herdou esta mecânica. Ora isto é diferente do sistema da WW onde se rolam os dados e contam-se sucessos de entre aqueles que ultrapassam um certo valor. A versão mais simples deste sistema é a que temos no Prince Valiant que usa o d2. O sistema da WW usa o d10 mas apenas para poder acrescentar sucessos qualificados. É, assim, uma complexificação do sistema do PV. (Outro jogo que foi beber ao PV é o muito medíocre Sorcerer do Ron Edwards...)

Tudo isto sem prejuízo de a WW poder ter ido beber ao Shadowerun outras componentes do jogo, como é evidente. Mas a combinação da mecânica base com a designação de «storyteller» indicia claramente uma filiação no Prince Valiant. A que acresce o facto de ambos serem jogos fortemente centrados no universo de jogo. Não por acaso, a WW foi repescar a expressão «storytelling» para o nWoD... na altura em que entrara num acordo com o GS relativo ao Pendragon. Mais uma vez, os caminhos levam todos aos mesmos sítios.

[quote]O Vampire ... conseguiu ter o tema e estilo certo na hora certa. E, claro, promoveram o jogo muito bem.[/quote]

Sem dúvida. Este foi o grande factor de sucesso do jogo, e também o seu aspecto mais inovador.

[quote]Curiosamente, parece que quem acabou por concretizar a ideia do Greg Stafford foi o James Wallis, primeiro com o Once upon a Time e depois com o The Extraordinary Adventures of Baron Munchausen. Talvez nesta altura as estrelas fossem mais propícias.[/quote]

Não me parece. Ao que parece o GS considera que quem concretizou a sua ideia foi mesmo o Robin D. Laws e só à terceira tentativa, agora com o HQ 2.0 e o recente Sartar: Kingdom of Heroes. Pelo que tenho acompanhado da produção rolística do GS parece-me que isto é verdade.

O GS é uma personagem curiosa. Quando um dia se fizer uma história a sério do mundo do rpg há-de se chegar à conclusão de que ele foi a personagem mais influente a seguir ao composto bicéfalo Gygax/Anderson.

[quote=smascrns]

Eu não conheço o GB directamente mas o que li em críticas indica que o seu sistema básico assenta em rolar os dados e somar os seus valores.[/quote] Correcto. [quote=smascrns]Pelo que li do Shadowrun, este herdou esta mecânica. Ora isto é diferente do sistema da WW onde se rolam os dados e contam-se sucessos de entre aqueles que ultrapassam um certo valor.[/quote] Não. O sistema de Shadowrun é definir um número-alvo, lançar um número de D6 igual à competência da personagem e conta-se o número de dados de resultado igual ou superior ao número-alvo. Ou seja, é igual ao sistema de Vampire, mas com D6. E o Shadowrun foi publicado em 89, no mesmo ano de Prince Valiant. [quote=smascrns][/quote]Mas a combinação da mecânica base com a designação de «storyteller» indicia claramente uma filiação no Prince Valiant. A que acresce o facto de ambos serem jogos fortemente centrados no universo de jogo.[/quote] Não sei se a filiação é assim tão clara. É mais provável que fosse, novamente, o "espírito do tempo". Por exemplo, segundo este artigo (https://www.rpg.net/columns/briefhistory/briefhistory10.phtml), a Lion Rampant, a primeira editora do Mark Rein-Hagen, já tinha lançado em 1987 um baralho de cartas de uso universal que permitia aos jogadores mudar o curso da campanha onde estavam envolvidos. Ou seja, uma ideia parecida com a que o GS tinha para o Prince Valiant. [quote=smascrns]Não por acaso, a WW foi repescar a expressão «storytelling» para o nWoD... na altura em que entrara num acordo com o GS relativo ao Pendragon.[/quote] Duvido que isso tenha uma relação directa. A White Wolf ficou com o Pendragon porque este era um dos jogos favoritos do Steve Wieck, o presidente da editora na altura. Mas não acredito que a expressão "storytelling" tenha alguma coisa a ver com isso. Parece-me que consegues obter uma ligação mais proveitosa nos factos de que o Mark Rein-Hagen mestrava Runequest na Universidade e que a White Wolf começou como uma fanzine para o RPG Stormbringer da Chaosium. [quote=smascrns]Ao que parece o GS considera que quem concretizou a sua ideia foi mesmo o Robin D. Laws e só à terceira tentativa, agora com o HQ 2.0 e o recente Sartar: Kingdom of Heroes.[/quote] Tem de considerar, não é? Afinal ele ganha royalties com o HQ. O HQ é um jogo muito interessante, mas o jogo que mais se aproxima da descrição que citaste é mesmo o The Extraordinary Adventures of Baron Munchausen. [quote=smascrns]O GS é uma personagem curiosa. Quando um dia se fizer uma história a sério do mundo do rpg há-de se chegar à conclusão de que ele foi a personagem mais influente a seguir ao composto bicéfalo Gygax/Anderson.

[/quote] Também sou fã incondicional dos jogos do Greg Stafford, e concordo que ele foi decisivo na viragem dos RPGs mais simulacionistas para uma onda mais narrativa, mas foi o próprio GS a indicar o Ken St. Andre, do Tunnels & Trolls, como a terceira pessoa mais importante dos RPGs depois de Gygax/Arneson.

Bem, é difícil traçar a história dos rpgs porque os dados disponíveis são escassos, dispersos e inconclusivos. Uma vez disse ao GS (por email) que me parecia que o PV estava na origem do sistema da WW, ermbora isso não fosse reconhecido. Ele deu-me uma resposta do tipo «deixa as pessoas pensarem o que quiserem»... sem afirmar claramente nada.

[quote=neonaeon] Tem de considerar, não é? Afinal ele ganha royalties com o HQ.[/quote]

Hmm, não me parece que seja isso. No tal email ele disse-me que considera que o PV é o seu melhor jogo. Mas o HQ não é um jogo seu. Acho que ele considera o HQ o melhor jogo para jogar Glorantha e para aquilo que ele pretende em termos de rpg centrado em Glorantha, não em geral - e seguramente não por referência a uma entrevista dada a uma revista francesa há 22 anos.

[quote]O HQ é um jogo muito interessante, mas o jogo que mais se aproxima da descrição que citaste é mesmo o The Extraordinary Adventures of Baron Munchausen.[/quote]

Eu não conheço o TEAoBM portanto não posso comentar esse jogo. Mas o HQ 2.0 pode ser convertido num jogo que corresponde exactamente à descrição do GS na entrevista à CB. Basta pegar-se num conjunto de aventuras pré-definidas (ao estilo das que estão no PV, por exemplo) e concatená-las em termos de valor relativo dos obstáculos fixados com base no pass/fail cycle. Aliás, esta mecânica que o RDL introduziu no HQ parece-me muito mais adequada para jogos de tabuleiro colaborativos do que para rpg! Sempre que agarro no HQ 2.0 acabo a pensar que estão ali as bases de um excelente jogo de tabuleiro colaborativo.

[quote]Também sou fã incondicional dos jogos do Greg Stafford, e concordo que ele foi decisivo na viragem dos RPGs mais simulacionistas para uma onda mais narrativa, mas foi o próprio GS a indicar o Ken St. Andre, do Tunnels & Trolls, como a terceira pessoa mais importante dos RPGs depois de Gygax/Arneson.[/quote]

Mas isso é no RQ2... que então ainda não se sabia que iria ter a influência que teve. Sem prejuízo de que o T&T tem aspectos que também são profundamente marcantes (sistema leve, agregação dos valores dos lados do conflito, determinação dos valores dos adversários em termos relativos, por exemplo).[/quote]

Curioso, sempre achei que o jogo favorito do GS era o Pendragon. Pelo menos ele afirmou isso em várias entrevistas e foi a venda do Pendragon que o levou a sair da Chaosium.

Ainda não tive tempo de ler bem o HQ2, mas creio que ele não supõe co-narração do mesmo estilo que o PV pressupõe. Além disso o sistema de d20 mais masteries é bastante mais complexo do que as moedas do PV.
Se te interessam boardgames narrativos, sugiro-te que dês uma olhadela ao Pantheon and Other Roleplaying Games, do Robin D. Laws, que me parece um tentativa desse género.

[quote=neonaeon]Curioso, sempre achei que o jogo favorito do GS era o Pendragon. Pelo menos ele afirmou isso em várias entrevistas e foi a venda do Pendragon que o levou a sair da Chaosium.[/quote]

Talvez porque o PV não teve grande sucesso e, como tu disseste, há que responder com um olho na caixa registadora...

A saída da Chaosium não teve a ver com o Pendragon mas com a sua intenção de se dedicar a um jogo para Glorantha pois a Chaosium estava com imensos problemas financeiros e até os resolver não ia poder investir nesse jogo.

A abordagem do GS para conseguir o financiamento do HeroWars acabou por ser mais ou menos um sistema de «ransom» (avant la lettre e em termos diferentes dos que são utilizados pela geração internet). Ao que sei fui o único português que contribuiu (com USD $100 no meu caso) para viabilizar a edição do jogo.

[quote=neonaeon]Ainda não tive tempo de ler bem o HQ2, mas creio que ele não supõe co-narração do mesmo estilo que o PV pressupõe.[/quote]

O PV publicado diverge daquilo que o GS referiu na entrevista à CB. No jogo publicado não há, a bem dizer, co-narração, o que há é alternância na função de MJ.

[quote=neonaeon]Além disso o sistema de d20 mais masteries é bastante mais complexo do que as moedas do PV.[/quote]

Seguramente. O sistema do HQ é um derivado do Pendragon. É interessante notar que o RDL manteve as masteries no HQ 2.0 mas em rigor ele podia ter dispensado as mesmas. Quer dizer, dado que as capacidades dos obstáculos e NPCs são fixadas em termos relativos às dos PCs, logo é perfeitamente possível estruturar o jogo em termos de capacidades dos PCs na escala 0 a 20, sem serem atribuídas masteries a estes. Aliás, penso que o RDL tem consciência disso e que manteve as masteries por considerar que estas são uma característica definidora do sistema. Até porque, como ele próprio diz no jogo, só manteve a evolução mecânica das personagens porque isso corresponde às expectativas dos jogadores, mesmo se os roleplayers podiam passar sem isso (ênfase e terminologia minha nesta frase).

[quote=neonaeon]Se te interessam boardgames narrativos, sugiro-te que dês uma olhadela ao Pantheon and Other Roleplaying Games, do Robin D. Laws, que me parece um tentativa desse género.[/quote]

Boa dica, hei-de ver. Eu estou agora ocupado com o meu próprio jogo (que é uma reengenharia ou reverse engeneering do RuneQuest mas com muitos inputs do HQ), se não dedicava-se a pegar no Sartar: Kingdom of Heroes e no HQ 2.0 e fazer um jogo de tabuleiro, só para ver se a minha intuição está certa.

Eu gostava de dispor de um bom jogo de tabuleiro narrativo de fantasia. O Runebound é muito fraco e os outros que vi não são melhores.

Não serei a pessoa mais habilitada para dissecar razões para algo que aconteceu há 10 anos com pessoas que não conheço directamente, mas vou citar-te o Greg Stafford:

“But we had differences of opinion about what to do as a follow up. I lost the discussion, and several supplements and extensions were made for the game [o Mythos CCG]. I was very, very unhappy with the resultant financial situation.
Debtors came a-knocking, and when the other partners decided to give away the Pendragon line rather than pay off the paltry debt that it was being used as collatoral for, I decided to leave Chaosium, the company I had started. I negotiated to take out with exactly what I came in with: Glorantha and its games. I left everything else to them.”

A citação vem deste fórum de Q&A que recomendo, se não conheceres: https://www.acaeum.com/forum/about4109-0-asc-0.html

Nesse aspecto tenho de confessar que as masteries (que só conheço bem do HQ1), são do que menos me agrada no sistema, pois parecem-me desnecessariamente complicadas e obscuras. O sistema original de Pendragon, apesar de mais numérico, parece-me mais lógico para novatos.

Eu tenho o Once upon a time, que é um bom jogo narrativo de cartas dentro do espírito certo (ou seja, se os jogadores estiverem mais interessados em divertirem-se a contar uma boa história do que a quererem ganhar). Aliás, é esse o problema dos jogos narrativos que conheço, em que resistem mal a jogadores mais interessados em ganhar. O James Wallis e o Robin D. Laws tentaram lidar com isso com os respectivos jogos. O Baron Munchausen consiste num jogador tentar contar uma história coerente, que resista às tentativas dos outros jogadores interferirem com pormenores que contradigam a narração. O Pantheon tem alguma relação com o HQ, na medida em que o objectivo é os jogadores contarem uma história dentro dos parâmetros típicos dessa história. Ou seja, o grupo selecciona uma história típica (terror adolescente, comédia romântica, etc.) e contam a história em conjunto tentando conformar-se com a estrutura típica narrativa dessa história. Os conflitos entre jogadores são resolvidos por um sistema de bidding, ganhando o jogador que contribuir com mais elementos típicos para a história final.

Há ainda o Tales of the Arabian Nights, que me parece uma versão colectiva e de tabuleiro dos livros de Aventuras Fantásticas.

Que raio de desculpa arranjaste para falares ainda mais do Prince Valiant e do Greg Staffor! :stuck_out_tongue:

sopadorpg.wordpress.com - Um roleplayer entre Santarém e Almeirim
ideonauta.blogspot.com - Viajando pelos

Malandro, as carecas não são para se descobrir!

Mas olha que não é bem isso. Eu andava a bisbilhotar a CB à procura de coisas por outros motivos e deparei-me com a entrevista. Isso deu-me uma ideia que é voltar a ler a CB de forma sistemática a partir do nº 1 e ir postando os detalhes que me parecerem interessantes. Só não sei se o faço aqui ou na RPGnet. E, em qualquer dos casos, será depois de «fechar» outros dossiers mais imediatos e importantes para mim.

Sérgio Mascarenhas

[quote=neonaeon]vou citar-te o Greg Stafford: "But we had differences of opinion about what to do as a follow up. I lost the discussion, and several supplements and extensions were made for the game [o Mythos CCG]. I was very, very unhappy with the resultant financial situation.[/quote]

O que eu escrevi e esta entrevista não são em rigor contraditórios. O grande problema foi a complicada situação financeira em que a Chaosium se viu por causa do Mythos CCG. Basicamente o jogo (que até parece que era muito bom) foi lançado no topo da bolha dos CCG. A Chaosium investiu o que tinha e o que não tinha no jogo mas entretanto a bolha esvaziou e a empresa não recuperou o investimento, vendo-se numa situação muito complicada. Eu não sabia - mas a entrevista diz isso - que esta estratégia tinha sido traçada contra a opinião do GS.

[quote]when the other partners decided to give away the Pendragon line rather than pay off the paltry debt that it was being used as collatoral for, I decided to leave Chaosium, the company I had started.[/quote]

Nota que ainda aqui a questão não é o facto de terem vendido o Pendragon ou a ligação que o GS tinha ao jogo. O que foi importante para ele foi o valor da venda.

[quote]I negotiated to take out with exactly what I came in with: Glorantha and its games. I left everything else to them."[/quote]

Desde o momento em que o GS criou a Chaosium até ao momento de a abandonar tudo girou à volta de Glorantha. É interessante notar que quando a Chaosium fez o acordo com a Avalon Hill de venda do RuneQuest essa venda não incluiu Glorantha.

A entrevista confirma o que eu tinha escrito.

[quote]Nesse aspecto tenho de confessar que as masteries (que só conheço bem do HQ1), são do que menos me agrada no sistema, pois parecem-me desnecessariamente complicadas e obscuras.[/quote]

O problema com as masteries decorre de não terem tido a coragem de deixar cair o d20 a favor do d10 (o que se compreende, uma vez que também não deixaram cair os resultados críticos e os fumbles). A complexidade vem do facto de estarmos a lidar com múltiplos de 20, do meu ponto de vista. Mas o facto é que as masteries são uma solução razoavelmente elegante para escalar capacidades para valores muito acima de personagens correntes ou normais - sobretudo num contexto tipo Pendragon ou BRP, as referências do HQ.

É claro que isto só faz sentido se se estiver a trabalhar com escalas de capacidade absolutas. A partir do momento em que deixamos cair escalas absolutas e passamos para escalas relativas, como faz o HQ 2.0 (e como eu próprio propuz inspirado pelo HW/HQ1 nas minhas colunas da RPGnet há uns anos), a partir desse momento as masteries tornam-se desnecessárias.

[quote]O sistema original de Pendragon, apesar de mais numérico, parece-me mais lógico para novatos. [/quote]

O meu problema de fundo com o Pendragon é outro: O jogo (na minha opinião nada modesta) devia ter deixado cair a herança BRP (características e competências) e ter-se centrado completamente nos traços de personalidades e paixões.

[quote]Eu tenho o Once upon a time, que é um bom jogo narrativo de cartas dentro do espírito certo (ou seja, se os jogadores estiverem mais interessados em divertirem-se a contar uma boa história do que a quererem ganhar). Aliás, é esse o problema dos jogos narrativos que conheço, em que resistem mal a jogadores mais interessados em ganhar.[/quote]

O muro de Berlim entre roleplayers e jogadores de jogos de tabuleiros e associados!

[quote]O James Wallis e o Robin D. Laws tentaram lidar com isso com os respectivos jogos. O Baron Munchausen consiste num jogador tentar contar uma história coerente, que resista às tentativas dos outros jogadores interferirem com pormenores que contradigam a narração. O Pantheon tem alguma relação com o HQ, na medida em que o objectivo é os jogadores contarem uma história dentro dos parâmetros típicos dessa história. Ou seja, o grupo selecciona uma história típica (terror adolescente, comédia romântica, etc.) e contam a história em conjunto tentando conformar-se com a estrutura típica narrativa dessa história. Os conflitos entre jogadores são resolvidos por um sistema de bidding, ganhando o jogador que contribuir com mais elementos típicos para a história final. Há ainda o Tales of the Arabian Nights, que me parece uma versão colectiva e de tabuleiro dos livros de Aventuras Fantásticas.[/quote]

Jogos storytelling no sentido genuíno do termo. Não são a minha coisa, devo dizer. A minha preferência vai mesmo para o jogo de personagens, só gostava de dispor de um bom jogo que me permita jogá-lo com os recursos de um jogo de tabuleiros e prescindindo do MJ. O mais próximo que cheguei disto foi com um jogo de computador. O Badlands, não por acaso desenhado com o apoio do... Sandy Petersen (ou seja, um dos quadros chave da Chaosium na sua fase de ouro, o criador do Trollpack e do Call of Cthullu).

Vou ser chato e citar o que escreveste:

Enquanto que o que o GS disse foi que a decisão de sair se deveu à perda do Pendragon e não à criação do HW/HQ (que, tanto quanto percebi, já estava a ser desenvolvido no âmbito da Chaosium e com a ideia de usar uma variante do Pendragon.

Até concordo que um sistema de base 10 seria mais intuitivo do que o de base 20. Mas continua a confundir-me a necessidade de usar um sistema de expoentes, e para mais usar uma notação tão esotérica como 18w3. Porque não 18 x 3?

Na minha opinião, o BRP faz isso igualmente bem e com uma notação bem mais intuitiva. O novo MRQ2 também parece ter uma solução simples para isso.

Não vejo necessidade disso. Só tornaria o Pendragon mais abstracto. Ao passo que o concretismo e regulamentação do sistema o torna perfeito para novos jogadores.

Há outro problema. A maioria das pessoas não se sente à vontade a contar histórias. O mesmo Robin D. Laws lançou o Rune, um RPG competitivo de GM rotativo, e, segundo li, o maior problema do jogo era o facto de a maior parte dos jogadores não quererem ser GM, o que derrotava o princípio competitivo do jogo.
A minha experiência diz-me que a maioria dos RPGs caminham para a abstracção e para o narrativismo puro, ao passo que a maioria das pessoas prefere coisas concretas como peões, estatísticas e objectivos quantificados. Aliás, ninguém me tira da cabeça que as razões para a durabilidade da popularidade do D&D foram a quantificação simples e rigorosa da progressão dos PCs (os níveis) e a indicação clara de como progredir (matar monstros e obter tesouros).

Creio que te referes ao Darklands, da Microprose. Em informática tens actualmente os RPGs online, que funcionam um pouco da mesma forma e com grande popularidade.

Boa ideia.

[quote=neonaeon]Vou ser chato e citar o que escreveste: (...)[/quote]

Podes ser chato à vontade. A saída da Chaosium teve a ver com o Pendragon mas não foi motivada apenas por o que ocorreu com este jogo, foi antes um complexo onde a sua venda foi a gota de água, nada mais. E nota que eu estava a responder à tua implicação de que o GS tinha saído por terem vendido o seu jogo favorito. Não foi o caso, de todo em todo. Nota que eu acompanhei o processo na altura via listas de discussão. O Pendragon foi a gota de água, não por ser a menina dos olhos do GS mas por causa da má gestão financeira. Ele queria pôr no mercado um jogo centrado em Glorantha. O RQ4 caira pelo caminho. A má gestão da Chaosium significava que a empresa não ia ter os meios. A única solução foi sair e levar Glorantha consigo.

[quote]Enquanto que o que o GS disse foi que a decisão de sair se deveu à perda do Pendragon e não à criação do HW/HQ (que, tanto quanto percebi, já estava a ser desenvolvido no âmbito da Chaosium e com a ideia de usar uma variante do Pendragon. [/quote]

Não é bem assim. Como disse, o GS queria um jogo centrado em Glorantha e que projectasse em rpg a sua visão do universo de jogo, algo que o RQ não permitia (do seu ponto de vista). Havia gente a usar vários sistemas e um deles era baseado em Pendragon (Pendragonpass). Ora o que sucedeu foi precisamente que o GS verificou que este sistema também não correspondia à sua visão. A política dele foi sempre de procurar talento alheio quando o próprio não dava resposta. Já nos anos 70 tinha começado por ensair o DD e, como não correspondia à sua visão, ido buscar outra gente para desenvolver o RQ. Ele devia conhecer o RDL e decidiu que este era o tipo certo para a tarefa.

[quote]Até concordo que um sistema de base 10 seria mais intuitivo do que o de base 20. Mas continua a confundir-me a necessidade de usar um sistema de expoentes, e para mais usar uma notação tão esotérica como 18w3. Porque não 18 x 3? [/quote]

Isso tem uma razão. A runa de mestria de Glorantha é aproximadamente um m invertido. Daí que no HW/HQ1 a notação não seja feita com um w mas com essa runa. É claro que se usassem o d10 não precisavam de nada disso. Por exemplo, 24 significa de forma simples 4 + 2 masteries.

[quote] Na minha opinião, o BRP faz isso igualmente bem e com uma notação bem mais intuitiva. O novo MRQ2 também parece ter uma solução simples para isso. [/quote]

Não, nem por isso. Um dos problemas do RQ é precisamente a presença de competências muito acima dos 100% que não há hipótese de terem origem numa aplicação directa das regras.

[quote] Há outro problema. A maioria das pessoas não se sente à vontade a contar histórias. O mesmo Robin D. Laws lançou o Rune, um RPG competitivo de GM rotativo, e, segundo li, o maior problema do jogo era o facto de a maior parte dos jogadores não quererem ser GM, o que derrotava o princípio competitivo do jogo.[/quote]

Talvez. Eu tenho o jogo e penso que ele tem dois problemas: baseia-se num jogo de computador mas o sistema não reproduz o do jogo de computador. E é muito limitado em termos de situações de jogo, enquanto dá muito trabalho a gerir. Não justifica o esforço.

[quote]A minha experiência diz-me que a maioria dos RPGs caminham para a abstracção e para o narrativismo puro, ao passo que a maioria das pessoas prefere coisas concretas como peões, estatísticas e objectivos quantificados.[/quote]

Bem, o DD4 e o WHFR3 não correspondem à tua experiência...

[quote]Aliás, ninguém me tira da cabeça que as razões para a durabilidade da popularidade do D&D foram a quantificação simples e rigorosa da progressão dos PCs (os níveis) e a indicação clara de como progredir (matar monstros e obter tesouros). [/quote]

A componente game. Inteiramente de acordo. As críticas ao DD tipo «roll vs. role» ou «rule vs. role» normalmente esquecem que o hóbi é de roleplaying GAMES.

[quote] Creio que te referes ao Darklands, da Microprose. Em informática tens actualmente os RPGs online, que funcionam um pouco da mesma forma e com grande popularidade.[/quote]

Exacto, erro meu.

[quote=smascrns]Daí que no HW/HQ1 a notação não seja feita com um w mas com essa runa.

E, sendo o HQ2 um sistema genérico, já resolveram isso?

Não conheço particularmente bem o RQ, mas o Elric e a recente versão do BRP funcionam muito bem com skills acima de 100%, usando, aliás, uma matriz de combate semelhante ao do HQ.

Não duvido, mas na minha experiência, a maior parte das pessoas também tem grande inibição em propor uma história, que é uma coisa abstracta e implica um certo grau de exposição pessoal e responsabilidade. Dados, objectivos, peões e estatísticas são coisas mais confortavelmente neutras.

Tens razão, mas uma pessoa vê tanto ódio no rpg.net a estes dois jogos que acabamos por nos esquecer que vendem mais do que muitos dos jogos estimados por aquele fórum que, no fundo, representa apenas um nicho do mercado.
É engraçado que, apesar de toda a teoria narrativista, o mainstream agarra-se tenazmente à componente mais lúdica do RPG.

[quote=neonaeon] E, sendo o HQ2 um sistema genérico, já resolveram isso? [/quote]

Não, mantém basicamente o mesmo sistema, incluindo a runa da mastery para denotar as masteries.

No entanto, a intervenção das masteries acaba por ser grandemente limitada. Isso nota-se melhor quando se lêem materiais produzidos para o jogo como o Sartar: Kingdom of Heroes. Aí os npcs e os obstáculos são descritos em «linguagem natural», sem serem dados valores em termos de mecânicas. Quer isto dizer que as descrições da personagem X, da função social Y, da capacidade mágica T, ou mesmo do deus A, por exemplo, são textos em inglês onde não são inseridos quaisquer valores em termos de uma escala absoluta de capacidades. O que o MJ tem de fazer é conhecer os PCs e o valor das suas capacidades; e depois estabelecer o valor das entidades do jogo por referência aos PCs tendo em conta se no contexto do setting aquelas entidas são mais, igual ou menos poderosas do que os PCs, e quanto.

Devo dizer que sou um fã incondicional desta abordagem ao rpg, tanto que nos meus pouco produtivos esforços de design de jogo avancei precisamente nesse sentido (o meu inacabado Gentlemen Explorers)... influenciado pelo HW.

[quote] Não conheço particularmente bem o RQ, mas o Elric e a recente versão do BRP funcionam muito bem com skills acima de 100%, usando, aliás, uma matriz de combate semelhante ao do HQ. [/quote]

O «bem» é mais aparente do que real. Os problemas de fundo são dois:

A evolução das personagens acima dos 100% passa a funcionar com base em princípios diferentes de abaixo. Abaixo ela baseia-se num conceito de curva de experiência de forma S (ou seja, com ganhos marginais crescentes até ao valor mediano, e ganhos marginais decrescentes acima do valor mediano). Em termos simulacionistas isto é fantástico pois é assim mesmo que as coisas funcionam na vida real. Ora as competências aumentam acima dos 100% numa progressão linear, o que acaba com a coerência simulacionista do sistema de base. Pior, os aumentos acima de 100% exigem um tempo infindo para se tornarem significativos. Por exemplo, eu não acredito que as personagens publicadas em módulos com competências próximas dos 200% ou mesmo acima destes tenham adquirido essas competências «em jogo», antes parecem-me produtos de laboratório que não correspondem nem modelam situações reais de jogo. Isto é fazer «batota»!

Em segundo logar, o sistema é igualmente muito corerente nas suas mecânicas para competências até 100%. Para lidar com competências acima obriga a regras adicionais que, mais uma vez, quebram aquela coerência.

O que é pena é que há várias maneiras de escalar as competências com extremos mais afastados do que os previstos pelo BRP à partida e sem passar por valores acima de 100%, hipóteses que não foram consideradas no sistema.

[quote] Não duvido, mas na minha experiência, a maior parte das pessoas também tem grande inibição em propor uma história, que é uma coisa abstracta e implica um certo grau de exposição pessoal e responsabilidade. Dados, objectivos, peões e estatísticas são coisas mais confortavelmente neutras. [/quote]

Em marketing dir-se-ia que oferecem physical evidence, um aspecto muito importante a não descurar. Além de que não temos que exigir a toda a gente o mesmo talento e a mesma capacidade para construir histórias e visualizar situações. O Rune procura responder a isto mas de uma forma que dificilmente chegaria a toda a gente. No fundo, o tipo de jogo que o Rune devia ser era uma coisa tipo Descent.

[quote] Tens razão, mas uma pessoa vê tanto ódio no rpg.net a estes dois jogos que acabamos por nos esquecer que vendem mais do que muitos dos jogos estimados por aquele fórum que, no fundo, representa apenas um nicho do mercado. É engraçado que, apesar de toda a teoria narrativista, o mainstream agarra-se tenazmente à componente mais lúdica do RPG.[/quote]

Não é uma questão de se agarrar tenazmente, é uma questão de fazer aquilo de que gostam e de que as pessoas gostam. Porque é que haviam de deitar fora as forças do «seu» hóbi? Apenas para se adequarem a umas teorias por vezes patetas, frequentemente desconchavadas e quase sempre mal justificadas e mal pensadas?

O mainstream não se dedica a ser mainstream porque não é capaz de atingir que há algo para além do mainstream. Frequentemente as mesmas pessoas que desenham jogos mainstream exploraram as vias alternativas de forma mais consistente e profunda do que os proponentes do alternativo. O que devia dar que pensar aos fãs do alternativo é porque é que eles fazem aquilo.