Nar vs Sim-Char Revisitado

Oi, :slight_smile:

[Warning]: Este post é grande, e pode ser difícil de digerir, sendo que partes dele podem aparentar ser completamentamente auto-contraditórias. Peço-vos que leiam o post todo e tentem compreendê-lo antes de começar a formar opinião sobre o seu conteúdo.[/Warning]

Ok, antes de me dedicar a expôr a minha opinião desta semana sobre o tópico, vou primeiro pontificar um bocadinho sobre o que é e o que não é o modo.

Modo não é “o que nós gostamos”, e modo não é “porque é que eu tomei esta decisão desta maneira”.

Modo é a soma total dos acontecimentos que se verificaram durante uma dada sessão de jogo, e que levaram a uma dada série de recompensas para os jogadores.

Claro que cada jogador tem preferências, certas classes de eventos que gostam mais de ver acontecer à mesa, e de ver recompensados. Nota: à mesa, não in game.

E portanto, aceitemos at face value o seguinte princípio: modo é “o que foi recompensado” e preferência é “o que é que eu quero ver recompensado”. Torna-se claro que a preferência afecta o que nós gostamos, e também afecta os motivos pelos quais tomamos decisões, mas é preciso ver que, definicionalmente, o modo gira à volta do conceito de recompensa.

Bom, então a distinção entre preferências torna-se (mais ou menos) simples:

Sim-Char: Quero ser recompensado quando exploro profundamente o meu personagem, incluindo todas as suas atitudes, opiniões, preferências, bagagem emocional, e oportunidades de crescimento. Gosto de situações difíceis porque facilitam a exploração mais profunda, e me ajudam a receber essas recompensas.

Nar: Quero ser recompensado quando o meu personagem faz coisas com significado, significado esse que inclui todas as suas atitudes, opiniões, preferências, bagagem emocional, e oportunidades de crescimento. Gosto de situações difíceis porque facilitam a criação de significado, e me ajudam a receber essas recompensas.

Ponto número um: ambas as alternativas estão fortemente enraizadas na verosimilhança. Se um jogador fizer uma cena com um personagem que o personagem nunca faria, na opção Sim-Char, está a explorar mal o personagem, e na opção Nar, está a ser arbitrário, e como tal, a criar muito pouco significado.

Ponto número dois: ambas as alternativas permitem aprender coisas novas sobre o personagem, ou apresentar mudança interna / crescimento por parte do personagem. Se um jogador fizer algo que ninguém estava à espera, na opção Nar isso pode ser porque essa opção cria um significado que o jogador considera mais interessante, e na opção Sim-Char isso pode ser porque o jogador decidiu que de facto faria sentido a personagem mudar ou ter mudado de opinião, dadas as circunstâncias.

(Os pontos números um e dois parecem incompatíveis, mas não são, trust me…)

Ponto número três: ambas as opções giram à volta do interesse pelas situações difíceis. Isto implica que ambas as opções podem (ou não) ter a ganhar bastante com o facto de o jogador ter criado um background detalhado para o personagem, cheio de situações de potenciais conflitos.

Mas então, onde está a diferença? A diferença está na fonte da recompensa. O jogador Sim-Char quer ser recompensado pela exploração em si, e o jogador Nar quer ser recompensado pela criação de significado.

Ok, estou mesmo a ver, um chico-esperto já a carregar no botão de Reply e a escrever, “eh pá, ó Mendes, define significado”…

You know what? BINGO!!! É essa a diferença! O “significado” é algo que depende do interesse directo do jogador. Isto significa que, se o jogador quer poder criar significado, e ser consistentemente recompensado por isso, tem que ter influência, como jogador, nos tipos de “situações difíceis” com que o seu personagem se confronta. O jogador Nar quer ter essa influência e quer ser recompensado por utilizá-la correcta e consistentemente. Para o jogador Nar, o tal background detalhado, carregado de plot hooks, contém tipicamente conflitos que giram à volta de um determinado tema, porque é sobre esse tema que lhe interessa criar significado, neste momento.

Atenção: o jogador Sim-Char até também pode gostar de criar significado. Mas como quer ser recompensado mais pela exploração em si, não está tão preocupado com o tipo de situação que aparece, desde que a escolha seja, de facto, difícil. Claro que o jogador Sim-Char também pode querer influenciar as situações que vão aparecer, mas qualitativamente, vai fazê-lo de forma diferente. Para o jogador Sim-Char, o tal background detalhado, carregado de plot hooks, contém tipicamente conflitos. Muitos. Mais. Quantos mais melhor, e se forem todos diferentes, cada um mais bizarro que o outro, então ainda melhor, porque é isso que lhe permite explorar ao máximo a sua personagem.

Há várias técnicas que facilitam a criação de significado: kickers e issues são as mais evidentes. Por exemplo, porque é que o Sorcerer é um jogo que primariamente facilita sessões Nar? Porque o jogador recebe recompensas (nomeadamente sob a forma de evolução do personagem) por resolver o kicker, o qual é criado pelo jogador!

Continuando, would-do vs. will-do. Mas então, se é só isto (só?), porque é que se diz que o Sim-Char é à cerca de “o que é que o personagem faria”, mas o Nar é à cerca de “o que é que o personagem fará”? Mais uma vez, por causa do significado.

O jogador Sim-Char diz, venham de lá esses dilemas, de preferência com toda a subtileza de uma M60 em full auto fire, e cada vez que surge mais um, o jogador pergunta, “e agora, o que é que o personagem faria?”.

O jogador Nar prefere um high-precision sniper rifle, apontado directamente ao dilema sobre o qual quer criar significado, e está constantemente a perguntar “e quando lá chegar, o que é o personagem fará?”.

Lembrem-se, tem tudo a ver com recompensas. Porque é que estamos a ser e/ou queremos ser recompensados.

Ok, cheguei ao fim. Isto pode ou não dar discussão. Se quiserem responder e/ou perguntar coisas, peço-vos mais uma vez para relerem o post todo antes de o fazerem, só para dar mais uma oportunidade de isto fazer um bocadinho mais de sentido.

Cheers,

J.

Hmm… bom, antes de mais nada, parabéns pelo texto. É fascinante!

E leva-me a pensar. Será que esse tipo de jogador Sim-Character existe mesmo? Bom, eu tenho de admitir que a minha opinião se baseia apenas no facto de que o único Sim-Char que eu conheci, e ao lado do qual joguei muitos anos, não era bem assim. Exploração de personagem, okay, tudo óptimo. Mas essa coisa dos dilemas, e plot hooks, isso é que me deixa a pensar. É que para ele era perfeitamente notório que tanto lhe fazia estar a roleplayar um jantar perfeitamente vulgar durante horas a fio como uma “situação difícil”; o seu estusiasmo era sempre o mesmo: enorme! :slight_smile:

E depois, os seus backgrounds eram extensíssimos e repletos de coisas, mas não eram nenhumas bombas relógios prestes a explodir. Eram simplesmente backstory, factos que já tinham passado, simplesmente uma forma de enquadrar melhor o personagem e de lhe dar uma história. No máximo, o GM podia tentar encontrar ali pontas soltas para aproveitar… agora montes de conflitos ali bem à vista, nada disso. Quer dizer, isto é puramente especulativo… é que sendo ele um Sim-Char obviamente que os outros jogadores (como eu) nunca sabiam nada do seu background fora aquilo que aparecia de facto em jogo, e que nunca era muita coisa. Enfim, no máximo, eu diria que se os personagens dele tinham conflitos “embutidos” eram simplesmente porque tal algo desse tipo era esperado/desejado/convencionado no género de jogo/setting/campanha que se ia jogar.

Bom, e quanto às recompensas… por favor não se esqueçam de me dar Fan Mail por criar dilemas destes em PTA! Não podem só dar recompensas por “lines-of-the-century” e isso, eheh. :wink:

De qualquer maneira, também não é se existe ou não, ou se é comum ou não, este tipo de sim-char que interessa. Era só mesmo um aparte. O post fala essencialmente de como destinguir sim-char de nar quando aparentemente parecem estar a fazer a mesma coisa, e com isso eu simpatizo totalmente.

É que, ao início (ou seja, quando comecei a ler sobre GNS), sempre me incluí na categoria de sim-char porque não estava a ver-me como outra coisa. Eu adorava e vivia as situações difíceis porque eram (e são) os momentos in-character mais intensos que já encontrei. Pensava que isso era apenas sim-char e ainda demorei uns meses a perceber-me de que havia ali outro ângulo poderoso a funcionar e de que eu não me tinha apercebido antes… embora estivesse o tempo todo à minha frente, na forma de dezenas de milhar de palavras de ficção destinadas a espicaçar sistematicamente ainda mais o jogo em redor dos meus personagems. :slight_smile:

hhmmmmm, acho que em parte concordo. Falando da minha experiência e gostos tenho essa sensação também do “viver” a personagem, independentemente do que lhe acontece, seja estar numa taberna horas e horas a falar sobre o tempo, seja estar enfiada em problemas e bangs até ao pescoço! O importante é mesmo estar na pele dela!

Por outro lado, os problemas são bem vindos e divertidos embora talvez não sejam necessáriamente o focus nem necessáriamente o ponto alto. São apenas mais uma parte do todo que não teria piada apenas com momentos baixos mas também não a teria tanta apenas com momentos altos!


[B0rg]
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We are The Borg. We are Eternal. We will return. Resistance is Futile…

If freedom is outlawed, only outlaws will have freedom!

Bem, alguns pormenores em que estou a pensar neste momento:

Defines preferência como aquilo que o jogador gosta de ver recompensado à mesa de jogo! Então e se não existir essa preocupação com a recompensa? Muitos jogadores não jogam a pensar no que dá xp ou no que vai ser apoiado pelos outros jogadores ou whatever. Jogam da forma como gostam, independentemente do facto de ser ou não recompensado. Então essa preocupação não existe. A menos que argumentes que lá porque um jogador não se preocupe se aquilo que faz e gosta de fazer seja ou não recompensado não tem nada a ver com o facto de que se ele gosta de fazer isso então seria isso que gostaria de ver recompensado. E aí, okay, se calhar eu próprio dei a volta ao meu argumento!

O meu problema com o ponto anterior é que se baseias toda a diferença na fonte da recompensa dizendo que um jogador sim-char quer ser recompensado por explorar o char e um narr quer ser recompensado por criar significado. Lá está, um jogador pode não se preocupar em ser recompensado e aí esse verbo “querer” não se aplica lá muito bem. “Querer” implica um desejo consciente! Se o que o jogador quer é apenas explorar o personagem ou apenas criar significado, sem se preocupar com a recompensa, então ele não quer ser recompensado por isto ou aquilo. Ele quer mesmo é fazer isto ou aquilo. Bem, acho que vou reler o meu parágrafo anterior e aceitar que se ele gosta de fazer isto ou aquilo então gostaria que a recompensa seja aplicada ao se fazer o que ele gosta de fazer.

Uma última coisa é que essas definições não me parecem de todo mutuamente exclusivas. Não pode uma exploração de um personagem criar significado ao mesmo tempo?
Acho que a dificuldade em os distinguir estará mais aí, já que se se pode presumir que uma exploração da personagem também crie significado, então pode-se presumir que o personagem quer ser recompensado não por explorar a personagem, não por criar significado mas talvez simplesmente por lidar com as situações difíceis! Algo comum a ambas as posições. Se o que lhe interessa é só e apenas o lidar com a situação em si, sem se preocupar com a razão pela qual lida com ela (sendo as razões para se lidar com a situação o explorar o personagem ou o criar significado) nem com o resultado de lidar com a situação (mais uma vez, ficar a conhecer melhor o personagem, após a exploração, ou o ter criado significado) fica-se com algo intermédio cujos elementos são comuns a ambas as definições.

Bem, na sei se fiz algum sentido com esta coisa mas é mais ou menos o que me vai na cabeça!


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Oi, :slight_smile:

E eis que, de repente, tudo se torna fácil de responder. :slight_smile: Bom, antes de mais, Sim-Char é um sub-modo. De um modo geral, o pessoal é Gam ou Nar ou, na ausência destes, Sim (the odd man out). Existem sub-modos em qualquer um deles, mas como tu próprio dizes, Ricardo, a dificuldade de diagnóstico é mais forte entre Nar e Sim-Char.

General Note: O “querer ser recompensado por X” significa, “já que me vais dar XPs, prefiro que me dês XPs por X em vez de por Y”.

Logo:

Fazer role-play de um jantar perfeitamente vulgar durante horas a fio: Se o GM der XPs por isto, essa sessão foi Simulationist. Provavelmente mais Sim-Situation que Sim-Char, mas Sim à mesma. Se o GM descontar XPs por isto (porque achou seca, por exemplo), esse jogador pode ficar a sentir-se frustrado, porque as recompensas não vão estar alinhadas com a sua preferência.

Escrever backgrounds eram extensíssimos e repletos de coisas, mas sem ser bombas-relógio prestes a explodir: Se os backgrounds não eram directamente usados na história, isto nem sequer é role-play. Não contribui para o Shared Imagined Space. É apenas gosto pela escrita. Se eram directamente usados na história, voltamos à velha pergunta de o que é que se pretende ver recompensado.

B0rg, querer não implica um desejo consciente. Percebo que as minhas palavras possam ser lidas dessa maneira, mas não era isso que eu queria dizer. See above.

A exploração do personagem criar significado ao mesmo tempo: Óbvio que pode, aliás pode e tem que. Não pode é haver criação de significado sem exploração de personagem, porque isso não é role-play. Exploração é a base. A presença da preocupação com o significado denota Nar. A sua ausência denota Sim. Se o que lhe interessa é só e apenas o lidar com a situação em si, sem se preocupar com a razão pela qual lida com ela, então ele está a explorar. A criação de significado e/ou o ficar a conhecer melhor o personagem tornam-se by-products possíveis dessa exploração. É Sim. Mais uma vez, possivelmente mais Sim-Sit que Sim-Char, mas Sim nonetheless.

Easy, huh? :slight_smile:

Final note:[quote=“ricmadeira”]Bom, e quanto às recompensas… por favor não se esqueçam de me dar Fan Mail por criar dilemas destes em PTA! Não podem só dar recompensas por “lines-of-the-century” e isso, eheh. ;)[/quote]Ya. :slight_smile: Nós, neste momento, estamos a jogar o PtA bastante Sim. O Mike Holmes, da Forge, acha que nós driftámos o jogo. Eu, por mim, consigo viver com isso… :slight_smile:

Cheers,

J.

Portanto, o que estás a dizer é que sim é o default de quem não é nem gam nem narr!?

Se não se joga pelo desafio nem pela criação de significado então é-se sim!?

Okay, I can understand that

Eu tb! Mas vamos ter mesmo de fazer umas sessões de sorcerer depois então a ver se eu vejo um jogo narr! :stuck_out_tongue:


[B0rg]
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Excelente comentário do JMendes - inda bem que alguém tem tempo para postar artigos deste género :slight_smile:

[quote=JMendes]O jogador Sim-Char diz, venham de lá esses dilemas, de preferência com toda a subtileza de uma M60 em full auto fire, e cada vez que surge mais um, o jogador pergunta, “e agora, o que é que o personagem faria?”.

O jogador Nar prefere um high-precision sniper rifle, apontado directamente ao dilema sobre o qual quer criar significado, e está constantemente a perguntar “e quando lá chegar, o que é o personagem fará?”.[/quote]

Concordo, e é assim que eu tenho distinguído as pessoas com quem eu jogo (numa campanha Sim de Vampire e noutra Narr de Cthulhu). Os Sim-Char estão sempre atentos a tudo o que o GM lhes atira para cima, querem explorar tudo, jogar tudo. Os Narr oscilam entre o aborrecimento: “isto não me interessa” e a devoção total quando se está a discutir um tema realmente interessante.

Muitas vezes fala-se nestes casos de recompensa social. Estilo: tu dizes “eu interpretei muito bem o meu personagem” - e o GM dá a resposta - “ya, jogaste mesmo fixe!” Se a reacção do GM for “és uma seca, a ideia era matar o monstro” (já me aconteceu N vezes em ShadowRun!) se calhar vais procurar outro grupo…

Ou seja, acho que estamos a falar em termos mais vagos e fora do sistema de jogo em si.

Só uma notazinha: já vi esta opinião em muitos lados e não concordo. Há aquela famosa teoria do bricolage que diz que o Sim é a maneira instintiva de jogar, e que o jogo Sim tem tudo a ver com os rituais sociais que sempre existiram e que reafirmam os laços sociais entre os jogadores. Needless to say, esta teoria provocou alguma controvérsia na Forge mas continua a ser desenvolvida.

Segundo esta maneira de pensar, a malta é em primeiro lugar Sim, com Nar ou Gam sobreposto sobre ele :slight_smile:

JP

Eu ainda acho que falta algo…

Ahey, :slight_smile:

[quote=“jpn”]já vi esta opinião em muitos lados e não concordo. Há aquela famosa teoria do bricolage que diz que o Sim é a maneira instintiva de jogar, e que o jogo Sim tem tudo a ver com os rituais sociais que sempre existiram e que reafirmam os laços sociais entre os jogadores[/quote]Dude, isto não é minimamente incompatível com o que eu disse. Se quiseres, eu posso reformular:

“De um modo geral, o pessoal é Gam ou Nar ou, na ausência destes, Sim, que é a maneira instintiva de jogar.”

Nota: eu não estou a dizer que concordo que Sim seja a maneira institiva de jogar. Estou apenas a demonstrar que aquelas duas afirmações são compatíveis.

Hmmm… come to think of it, eu não tenho sequer uma opinião sobre Sim ser ou não ser a maneira instintiva de jogar… ou, se não fôr, qual é… whatever… :slight_smile:

Cheers,

J.