O jogo sendo francês, teve uma versão americana e eu comprei suplementos das 2 versões (que têm um background ligeiramente diferente).
O ecrã (versão americana)
Cheio de motivos esotéricos por fora (bem feitos) e as indispensáveis tabelas por dentro. Fundamental é a tabela astrológica que permite em segundos calcular as bonificações conforme o dia/mês de acordo com o ká dominante. Ainda vem com um bónus: um curto cenário de introdução.
Serpent moon (versão americana)
4 cenários de investigação que não são nada de especial; facilmente adaptáveis a qualquer outro jogo.
Secrete societies (versão americana)
Uma lista quase infindável de sociedades secretas, que vão desde grupos de sábios apaixonados pelo oculto mais ou menos inofensivos, até grupos de autênticos psicopatas (também fácil de adaptar para outros jogos); mais interessante é a secção de como criar uma célula conspirativa. Mais umas quantas regras sobre homunculos e oricalco.
Major arcana (versão americana)
São sociedades secretas de nephilims (e não só) a quem unem uma filosofia comum assim como uma forma própria de atingir a agartha. Acaba por ser apresentado com um livro de clãs: breve história, filosofia, objectivos e meios de actuação, personagens mais importantes, o modo como vê os outros arcanas. Um total de 23. Os franceses editaram 1 livro por arcana, os americanos foram mais comedidos e fizeram 1 para todos.
Selenim (versão francesa mas em língua castelhana-sim, o mercado espanhol é suficientemente vasto para se darem ao luxo de traduzir jogos).
Este é para mim o melhor suplemento da gama (daí fazer um artigo mais longo). Resumindo, os selenim são nephilim que para evitar uma arma que lhes é fatal (o oricalco), fazem um ritual em que se transformam. Deixam de ter os vários elementos de ká (terra, ar, etc) para ter lua negra. Por comparação aos seus primos, os selenim são muito mais frágeis: não reincarnam (uma bala metida na cabeça e adeus imortalidade), não tem todas as bonificações que os nephilim possuem a nível físico (digamos que estes conseguem com o tempo ter facilmente o dobro ou o triplo das características de um humano), limitando-se a uma (ligeira) subida do carisma, a sua magia é diferente e ritualizada (demora-se horas a preparar um feitiço e são quase imprestáveis num combate), quando terminam a transformação, o cérebro do hóspede "morre", perdendo o acesso às informações do seu humano. Nesse caso, qual a vantagem? Bem, em primeiro lugar, não possuem os pontos de metamorfose. Ou seja, ninguém fica a olhar para eles por terem uma cauda, um par de chifres e/ou olhos completamente azuis; isso é óptimo para passar despercebido e nenhuma sociedade secreta vai olhar para eles. Depois, eles vão aumentar a sua reserva de ká negro simplesmente com a passagem do tempo não tendo de efectuar "quests", o que lhes permite ter uma vida muito mais pacata (embora uma "quest" permita aumentar a reserva). Possuem uma coisa chamada Imago (uma espécie de duplo invisível que tem a forma que eles bem entendem, embora se demore tempo a constituir que se pode materializar em certos momentos, provocando sustos ao adversário) que com o tempo vai crescendo até se transformar num reino invisível noutro plano (cuja limitação é a imaginação: podem criar uma cidade, um palácio gigantesco, uma floresta, um campo de concentração), povoado por seres com mais ou menos autonomia e inteligência conforme os caprichos do criador. Os selenim são também indetectáveis aos tipos de magia que humanos e nephilim dispõem. Finalmente a sua magia é muito mais subtil e está sobretudo ligada aos mortos. A primeira chama-se "pavana"- a canção dos mortos em que estes vão treinando para cantar em uníssono (serve unicamente para role-play e um par de situações limites: imaginem os vossos adversários atacarem-vos e subitamente ouvirem os seus pais, mães, amigos falecidos a cantar!). A segunda é a necromancia (possui 3 níveis): aprende-se a ouvir os mortos, depois fala-se com eles e finalmente negocia-se (obrigar os mortos a fazer algo contra eles é quase suicida, dado que eles por solidariedade se apoiariam ao fim de algum tempo). O selenim é visto sobretudo como um pastor que trata do seu rebanho (no cemitério), que vai conversando com os mortos para lhes aliviar o sofrimento e a solidão, embora possa obter informações preciosas. É uma relação simbiótica. Finalmente a 3ª forma de magia: a cabala negra (também com 3 níveis). Aqui invocam-se criaturas da lua negra que não servindo num combate directo contra humanos/nephilim são terrivelmente eficazes a médio prazo sem vestígios (os meus favoritos são os murmuradores do país dos pesadelos, que enchem a cabeça da pessoa durante o sono de remorsos de tudo o que ela fez de mal durante a vida levando-a em dias à depressão e suicídio).O manual tem depois uma parte histórica/ocultismo, organizações e uma campanha. Se a campanha é boa, para mim tem um defeito: surpresas que descrevem os selenim como criaturas muito mais poderosas do que o modesto lugar que aparentemente ocupam (um mal de todos os suplementos da gama). Mas afinal, todas as sociedades secretas tem essa megalomania, certo?
Os mistérios (versão francesa)
Um conjunto de sociedades secretas de humanos. São herdeiros dos cultos de mistérios da antiguidade (estilo mistérios de Eléusis). O texto é muito filosófico-mistico, com pouca informação de estatística de jogo. Vemos várias "capelas" com os seus graus (normalmente 7) e ritos de iniciação, conhecimentos disponíveis, objectivos. Quanto mais se soube nos graus, menor é o contacto com a realidade, emergindo-se os iniciados nos mistérios do ocultismo em tramas que duram séculos (o que é uma vantagem por um lado, pela manutenção de planos, mas que correm o risco de ficar implacavelmente desactualizados). Está tudo muito bem escrito mas enferma de um problema: para NPC, não é necessária tanta informação. Jogar com Pj... Bem, digamos, que nos níveis inferiores os pobres jogadores estariam a obedecer a ordens incompreensíveis (além de ter magia nula e informação irrisória o que retiraria toda a piada ao jogo). Nos níveis superiores, o nível de alienação seria tal, que duvido que alguém conseguisse jogar bem (digamos que por comparação, qualquer vampiro anti diluviano de vampire seria um ser perfeitamente actualizado no mundo moderno).Seguem-se alguns cenários interessantes e um capítulo final com revelações que alteram radicalmente a visão do jogo (o que é hábito). Gostei sobretduo da ideia dos cultos dos mistérios com as suas tramas e que são de uma discrição absoluta e com toda a linguagem pseudo-filosófica ideal para impressionar os jogadores.
A Atalanta fugidia (versão francesa)
Esta é uma forma de iluminação espiritual alternativa à agartha (se bem que o maior interesse seja na busca da sapiência em si, e não no resultado final). Bem, a linguagem é mais uma vez bastante densa (muitos termos esotérico-misticos, baseados na mitologia). Digamos que tem de se fazer uma busca espiritual por graus (creio que uns 7), de forma individualizada num percurso de que o iniciado tudo desconhece a principio. O problema é que não são fornecidas propriamente metas para atingir cada um desses graus (de que se pode retroceder), centrando-se tudo no "quê" e não no "como". Basicamente é uma incursão diferente para os jogadores, mas não é aconselhável fazer uma campanha em torno disso (dado que as pistas são mínimas). Existem depois 3 cenários. Um é um clássico de investigação, outro é uma versão "light" das montanhas da loucura e o terceiro... É um dos melhores cenários que já li. Só não sei se é muito aplicável. Digamos que tudo se passa numa festa, em que os jogadores farão uma corrida num jardim encantado em busca da atalanta fugidia, num cenário onírico, em que os seus maiores adversários serão eles próprios e terão de tomar todas as decisões certas na sua busca esotérica para o conseguir. Sim, não há ninguém para matar, o que se torna mais difícil. Certas decisões para serem tomadas correctamente só o poderão quase se tiverem um placard de néon com a resposta escrita. Mas a busca da sabedoria não é para todos, pois não?
Como podem imaginar, considero os suplementos franceses (de que existem dezenas, mas só tive acesso a 3) bem superiores aos americanos. Estes são muito convencionais na abordagem (muito músculo e pouco cérebro), ficando-se o esoterismo como mais um cenário de cartão. Os franceses foram até ao fundo e criaram um jogo surpreendente, mas que não é para todos. O post foi um pouco comprido, mas dada a riqueza do jogo acho que é merecido!