Nephilim

Nephilim é um Rpg de ocultismo (estilo pêndulo de Foucault). Resumindo: há milhões de anos surgiram umas criaturas constituídas pelos elementos básico (terra, ar, água, fogo, lua) que eram muito poderosas, blá, blá. Há cerca de 10.000 anos uma catástrofe atingiu-os e perderam a maior parte dos seus poderes e a capacidade de criar corpos. Tiveram então de encarnar nuns macaquinhos pelados que eles tinham criado. Só que os macaquinhos começaram a adquirir consciência e a defender-se: Com o tempo os humanos foram-se esquecendo dos nephilims mas mantendo-se uma guerra secreta entre os nephilims e as sociedades secretas de humanos que ainda sabiam da sua existência. Os nephilims foram influenciando muito a história humana, encarnando em reis (ou pessoas vulgares que ascendiam graças aos seus poderes).

Confesso que o que acho mais piada neste jogo é mesmo a criação da personagem dos nephilim ( o sistema é d100, semelhante a CoC). Dado que os nephilim tem a capacidade de reincarnar, começamos por fazer as encarnações passadas. Convém um mínimo de 2 e um máximo de 3). Digamos que escolhemos como o primeiro período de encarnação o Egipto antigo, período novo (algures entre o séc. XV AC e XII AC): de entre as várias profissões disponíveis escolhemos escriba. Colocamos os pontos (variáveis segundo uns lançamentos de dados) nas skills disponíveis de um escriba (ao acaso: escrever e ler hieróglifos do período novo, religião egípcia, pintar murais, burocracia, etc); depois colocamos pontos de ocultismo nos saberes ocultos (o mais importante é mesmo a magia, mas podem optar por astrologia e tarot). Mais uns lançamentos e está feita a personagem. Fazemos o mesmo por mais um par de encarnações, e quando a nossa personagem chega ao séc. XX, já tem um longo passado, e imensos conhecimentos (alguns deles aparentemente completamente desactualizados é certo-fazer baixos relevos assírios por exemplo- mas que com um GM criativo poderão ser sempre aproveitados). Não fiquem assustados: são apresentadas diversas épocas para se poder seleccionar os períodos de encarnação (e um resumo de história), com profissões e tabelas para fazer uma curta biografia.

Criamos depois a nossa personagem actual (skills, características, relações sociais, dinheiro, etc). Depois os nossos pontos de metamorfose. É que os nephilims tem uma coisa chamada o Ká (uma espécie de alma). Eles tem diferentes ká pelos vários elementos de que são constituídos (terra, ar, etc), que vão por um lado influenciar não só as suas características físicas (força inteligência), mas também a própria personalidade da personagem (um nephilim do fogo será muito mais colérico do que um do ar), crescendo à medida que se vai jogando. Para cúmulo, os pontos de ká da característica dominante, levam a que a aparência da personagem vá deixando de ser humana para corresponder ao nephilim. Assim, um nephilim da lua (versão serpente), perderá progressivamente o cabelo, os membros, a língua ficará bífida, a voz sibilina, a pele escamosa e perderá o cheiro (o jogador pode optar porque tipo de metamorfose quer e onde colocar os pontos). Claro que até ficar deste modo (que afectará muito as suas relações sociais) decorrerão imensas sessões de jogo e os jogadores deverão progressivamente retirar-se do mundo normal.

Temos em seguida a magia. Da magia propriamente dita existem 3 níveis: baixa, média e alta magia. O jogador tem de acumular pontos e só pode lançar um feitiço do nível de magia e se este tiver um nível de dificuldade inferior aos pontos que tem. Os feitiços acabam por ser muito DD, o que é uma pena (tanto na forma de se utilizar como no conteúdo). Pode-se ao nível mais básico purificar um copo de água, e ao nível mais elevado criar um tremor de terra.

Mais interessante é a alquimia, ou a capacidade de transformar objectos (mais uma vez 3 níveis de alquimia); é aqui que se podem aprender a fazer golems. Aqui, já não se pode criar um feitiço em cima do joelho pronunciando palavras mágicase e usando um objecto enquanto chovem balas na nossa direcção: tem de se fazer um longo ritual, de preferência com velas e toda a panóplia exigida)

Finalmente a invocação: invocam-se criaturas de outros planos (3 níveis mais uma vez). Desde pequenas criaturas que servem para limpar a cozinha, até demónios que é praticamente um suicídio chama-los (o modo de invocação é semelhante à alquimia).

Temos uma lista de sociedades secretas (a esmagadora maioria são adversários), facilmente utilizáveis para qualquer outro jogo de ocultismo contemporâneo. Temos também ideias de cenários (na maioria desinteressantes) e locais mágicos (nos EUA)

O objectivo dos nephilim é atingir a Agartha, um estadio superior em que não só recuperam os poderes que tinham antes da queda, mas também (sendo muito mais poderosos) podem viajar entre os diferentes planos. A via para se chegar lá é complicada, e como não se indicam que poderes se obtêm, presume-se que o jogo termine.

O jogo foi criado por franceses, mas os americanos da Chaosium fizeram uma edição (que é a que eu tenho). Pelo que eu li, a versão americana é mais “musculada”, enquanto que a original era mais ocultismo/investigação. Isso nota-se nos feitiços.

Mestrei o jogo algumas vezes, e embora seja complicado jogar a principio uma criatura completamente inumana (ao encarnar eles “apagam” a personalidade do humano e usam as suas memórias) que se apropria de seres humanos, com o tempo os jogadores habituam-se.

Os suplementos ficam para a próxima.

Duas notas em relação à história dos Nephilim:

  • São seres mencionados várias vezes na Bíblia - que normalmente os traduz por gigantes - que seriam filhos de anjos caídos que “conheceram” mulheres. Há uma entrada a Wikipedia sobre o assunto: https://en.wikipedia.org/wiki/Nephilim

  • Não me recordo de terem sido os Nephilim a criar os humanos, mas também não tenho os livros comigo.

Um comentário meu sobre o jogo (versão americana):

  • Para mim, o Nephilim foi a melhor tentativa para se fazer um RPG assente em verdadeiro ocultismo, tanto na hábil conjugação de referências mitológicas e esotéricas, como no ambiente que evocava.

Tinha alguns aspectos muito bons, como a criação de personagens, de que falaste, como a possibilidade de jogar uma campanha ao longo dos séculos (mantendo o mesmo aspecto Nephilim mas reencarnando em diferentes humanos).

Mas acho que foi um jogo que não teve tempo de amadurecer e em relação ao qual os próprio criadores se sentiam um tanto inseguros, que queriam que fosse um novo Vampire, mas tinha um setting demasiado esotérico (em ambos os sentidos) para os apreciadores de occult-horror e um estilo de jogo demasiado vampiresco para os iniciados do esoterismo.

Por exemplo, o sistema de regras era demasiado complexo e simulacionista para o tipo de ambiente que se tentava criar, mais simbólico e imagético.
Havia também vários aspectos metafísicos que não estavam bem explicados (qual era a relação entre o Nephilim e a alma humana que substituia?), o sistema de magia era evocativo mas completamente virado para a pancadaria (a reformulação que começaram a fazer era muito mais interessante), a busca pessoal da Agartha não se coadunava com o funcionamento de party de jogo e nunca houve aventuras ou histórias que mostrassem que tipo de histórias podiam ser contadas.

Por fim, o dilema mais complicado do jogo é que, ao contrário das histórias das conspirações em que os protagonistas estão fora da conspiração e vão descobri-la aos poucos, no Nephilim os PCs eram já o centro da conspiração e parecia não haver muito mais para fazerem senão sobreviverem aos assaltos das sociedades secretas. Seria muito mais fácil saber o que fazer se, por exemplo, os jogadores jogassem membros das sociedades secretas a tentar caçar nephilins.

Os humanos já existiam como uma espécie de símios, foram os nephilim que com cruzamentos e usando-os em experiências conseguiram elevá-los (involuntariamente) à condição de seres pensantes independentes. Não sei se aparece no livro de regras ou num dos suplementos. Quando aos cenários americanos eram muito à base de investigação e pancadaria contra um perigo e pouca busca da iluminação (que deveria ser o principal).

Também não me importava de jogar este…

:slight_smile:

Evil never dies, it just waits to be reborn…

Também não. O tempo livre é que não está pelos ajustes.
Incidentamente, acho que outra fraqueza do Nephilim é o facto de funcionar demasiado bem em campanha e nada bem em aventura simples.

[quote=neonaeon]Também não. O tempo livre é que não está pelos ajustes.
Incidentamente, acho que outra fraqueza do Nephilim é o facto de funcionar demasiado bem em campanha e nada bem em aventura simples.
[/quote]

 

Sim, a criação das personagens já é um investimento em tempo que não compensa para se jogar um par de horas, e o conhecimento das subtilezas do universo só se vai fazendo com uma longa campanha.

[quote=neonaeon](...)

Um comentário meu sobre o jogo (versão americana):
- Para mim, o Nephilim foi a melhor tentativa para se fazer um RPG assente em verdadeiro ocultismo, tanto na hábil conjugação de referências mitológicas e esotéricas, como no ambiente que evocava.

(...)

Mas acho que foi um jogo que não teve tempo de amadurecer e em relação ao qual os próprio criadores se sentiam um tanto inseguros, que queriam que fosse um novo Vampire, mas tinha um setting demasiado esotérico (em ambos os sentidos) para os apreciadores de occult-horror e um estilo de jogo demasiado vampiresco para os iniciados do esoterismo. [/quote]

Mais conseguido nesse sentido, empora tenha permanecido bastante obscuro, foi o GURPS Voodoo, que para mim é um dos melhores suplementos de GURPS e um dos melhores ambientes de terror que se fez pós-Vampire.

Talvez um dia lhe faça uma review, juntamente com o meu outro favorito, o GURPS Cabal.

 

"Don't hesitate, don't apologise - it's a sign of weakness."
John Ford, cineasta