O dungeon clássico: uma estrutura de jogo bem conseguida

Num outro fórum eu disse, «A estrutura do dungeon clássico é uma estrutura de drama de jogo bem concebida e bem realizada, daí a sua persistência».

O João Mariano perguntou, «Podias explicar melhor esta afirmação? Porque é que a dungeon é uma estrutura de drama bem concebida e bem realizada?».

Bem, isso prende-se com umas teorias minhas sobre o rpg enquanto jogo, cruzadas com umas teorias não menos minhas sobre estruturas dramáticas. Vou tentar resumir mas noutro fórum que não cabe neste.

Basicamente uma estrutura dramática baseia-se em duas componentes (se seguirmos as noções clássicas de dramaturgia que na nossa tradição remontam a Aristóteles...): a cena e o enredo. Quer a cena quer o enredo decompõem-se em 3 actos (apresentação e definição do problema, desenvolvimento com conflitos constantes, resolução). Há imensa bibliografia sobre este assunto. Uma das questões centrais dos rpgs é procurarem atingir a «qualidade» narrativa de um drama (no sentido amplo aplicável a cinema, teatro, bd, etc.) num contexto aberto e participado por amadores com qualidades dramáticas muito variáveis (para não dizer medianas ou mediocres, como é normal em qualquer população).

Acontece que o drama narrativo não é o único tipo de drama possível. Há também o drama «desportivo» ou o jogo. Não vou entrar agora nas diferenças entre um tipo de drama e o outro. (São conceitos meus e sei que muita gente me daria na cabeça com um bloco de mármore por chamar drama ao desporto e ao jogo... Pouco importa para a discussão presente.) O jogo pode ser de cena única (uns tipos juntam-se na praia para jogar uma futebolada - o jogo é a cena do drama desportivo) ou de uma acumulação de cenas (um campeonato de futebol - o campeonato ou torneio é o enredo do drama desportivo).

Eu penso que o dungeon colhe elementos de ambos os tipos de drama. Um bom dungeon faz isso de forma harmoniosa e, dessa forma, consegue resultar em algo de diferente e que vale por si. Vejamos...

O cenário corresponde ao enredo do drama narrativo e ao campeonato do drama desportivo. Cada encontro no cenário corresponde à cena ou ao jogo.

Por um lado, o cenário de dungeon tem elementos que o aproximam do enredo, como o facto de haver um conjunto de obstáculos pré-determinado, organizados num crescente dramático. O encontro também tem aspectos que o aproximam da cena de um drama narrativo, como sejam a variabilidade de participantes, locais, tempos, etc.

Mas o cenário de dungeon tem também aspectos que o aproximam do torneio competitivo, como o facto de normalmente cada cenário ser independente dos que o antecedem e dos que lhe sucedem, com limitada persistência dos adversários. E pelo seu lado, o encontro do dungeon tem elementos que o aproximam do jogo competitivo, como o facto de cada encontro ter resultado aberto e dependente da prestação dos participantes.

A natureza do dungeon garante um elevado grau de linearidade e consistência estrutural ao rpg, assegurando que o jogo progride num sentido preciso. Isso correspnde à linearidade inerente a uma história narrada ou à linearidade inerente a uma estrutura de jogo assente em campeonato ou torneio.

Dois aspectos também muito bem conseguidos no caso específico do D&D:

A definição das personagens com base em paradigmas consistentes (os «roles» ou classes). Ela corresponde às especializações que encontramos em desportos colectivos (atacante, defesa, etc.); mas também corresponde aos papéis estereótipados do novelismo comercial e de entertenimento.

O sistema de hit points. Antes de se envolver no design do DD3 o Jonathan Tweet escreveu uma excelente reflexão comparativa entre o sistema de hp do RQ e o do DD, defendendo este. Embora eu pense que o RQ tem as suas virtudes, o que ele diz do DD é spot on. O sistema de hp está para o DD como o banco está para uma equipa de futebol ou como o arsenal de recursos de escrita dramática estão para o drama narrativo: permite gerir o drama do princípio ao fim, assegurando que este não para a meio por falta de folgo.

O rpg tem os seus problemas ou dificuldades estruturais: o primeiro prende-se com o primeiro acto. Infelizmente muito dungeon trata este mais em termos competitivos do que em termos narrativos (o sempre eterno encontro numa taberna...), ora devia aqui fazer-se uma síntese produtiva. O outro prende-se com o momento da resolução do cenário, o turning point entre o segundo e o terceiro actos. Mais uma vez, neste domínio o dungeon tende a aproximar-se mais do drama desportivo do que do drama narrativo. Também aqui é precisa uma síntese criadora mais adequada.

É por tudo isto que eu digo que a estrutura de dungeon clássica é muito conseguida. Como é evidente, ela não é, só por si, o rpg (assim como a estrutura dramática não é a história ou a estrutura competitiva não é a competição). A estrutura de dungeon pode ser mal aplicada, havendo maus dungeons como há maus filmes e maus campeonatos (que o diga o meu Sporting...).

Por outro lado, eu penso que a estrutura do dungeon não é a única estrutura possível para o rpg, daí pensar que há todo um trabalho de análise a fazer que:

Faça um estudo aturado da estrutura e das técnicas do drama narrativo e veja o que é aplicável ao rpg.

Faça um estudo aturado da estrutura e das técnicas dos dramas desportivos e veja o que é aplicável ao rpg.

Considere as variantes dentro de cada um daqueles tipos de drama.

Reflicta sobre o que é específico do rpg.

E alcance uma proposta consistente de estrutura dramática do rpg.

Coisa simples, afinal...

Sérgio Mascarenhas

O Robin D. Laws é dos designers que se tem preocupado de forma mais consistente com as questões da estrutura do rpg, como se pode ver pelos seus jogos Rune ou HeroQuest (e também o sistema GUMSHOE mas este não o conheço directamente).

É muito interessante seguir o seu blog. Se o não conhecem sugiro que comecem por esta entrada, et pour cause em resposta a uma questão minha:

https://robin-d-laws.livejournal.com/385840.html

Sérgio Mascarenhas

É que na internet muitas vezes damos por nós a afirmar factos sem devidamente os justificarmos, como se fossem verdades universais.

Quando li pela primeira vez a afirmação original achei que tinha percebido (que sem grande reflexão), admito) o que querias dizer. Agora tenho a certeza. Mesmo que seja tudo misturado com a tua visão pessoal, eh eh.

Seria muito interessante uma análise tão detalhada de todas as possíveis variantes mas acho que eventualmente só se chegarão a algumas conclusões derivadas das “experimentações” que cada designer faz para resolver um dado problema do RPG que este acha importante no de resolver ou para realçar algum aspecto do mundo fictício.

Mas… Porque é que os Hit Points são um bom sistema de gestão de recursos dramáticos? Porque regulam o protagonismo? Criam tensão ao sugerir a ideia de que o personagem possa ser impedido temporariamente de contrapor o efeito das forças exteriores à sua vontade?

sopadorpg.wordpress.com - Um roleplayer entre Santarém e Almeirim
ideonauta.blogspot.com - Viajando pelos

Indo directamente à questão, o que me abriu os olhos foi esta análise do Jonathan Tweet: https://www.jonathantweet.com/jotgamehitpoints.html

Qualquer jogo assenta em termos mecânicos numa gestão de recursos. Isso pode até ser um dos aspectos essenciais, como sucede em tanto jogo de tabuleiro. No rpg também sucede assim. Como diz o JT, os hp do DD são uma bem conseguida mecânica para este fim. (Ou eram nas primeiras edições do jogo; agora com power surges e similares não sei se o princípio se mantém.)

Nota que a abordagem do DD é apenas uma entre outras possíveis. Eu penso que o RQ não é assim tão mau como isso, bem pelo contrário. Apenas obriga a uma gestão diferente assente em princípios diferentes e que leva a uma estrutura de jogo diferente. Se se tentar RQ (ou qualquer jogo BRP) como se se estivesse a jogar DD as coisas vão correr mal.

Para usar uma metáfora, o DD tem uma filosofia «soviética» ou oriental de gestão de recursos; o RQ tem uma filosofia «americana», «alemã» ou «portuguesa». Explico:

Os russos, indianos, chineses, etc. funcionam em termos militares (ou funcionavam no passado) com base no princípio de que a melhor estratégia é a supermacia de recursos em quantidade. Mais homens, armas maiores, destruição maciça, etc. Os tugas, os americanos ou os alemães funcionam e funcionaram com base numa abordagem qualitativa: menos recursos mas melhores recursos, usados com precisão. Não se pode dizer que uma abordagem é melhor do que a outra em geral, apenas o caso concreto dita qual é mais adequada. Mas quem aposta na quantidade não pode introduzir demasiada complexidade fina (ou perde-se em detalhes) e quem aposta na qualidade não pode partir para situações que exijam mais do que tem para dar.

Voltando aos hp do DD, eles são um bom recurso dramático porque gerem bem o conflito local ao nível da situação de jogo; e gerem bem o conflito total do cenário. Evitam que a personagem se perca cedo demais por não ter recursos para os eventos das fases iniciais do cenário, logo menos importantes. Mas também asseguram que a personagem se vai desgastando com esses conflitos menores e preliminares, chegando à última etapa bastante diminuido, tendo que pôr tudo em jogo no confronto final. Isto quer dizer que o jogador sabe que nas fases iniciais não corre risco real de sair de jogo, mas que se não tiver cuidado vai perder demasiados recursos de que vai precisar no fim. É uma excelente mecânica para manter a tensão do jogo do princípio ao fim.

Sérgio Mascarenhas

Olá. Tenho alguma experiencia de RPGs e gostei de ler este post onde descreves estes vários elementos.

Sempre separei a componente jogo da componente narrativa e nunca pensei em chamar "drama desportivo" ao desenrolar dos encontros (rolar de dados, etc), mas é de facto mesmo assim, uma componente dramática.

O D&D tem efectivamente uma componente onde os HPs se assumem como o principal recurso a ser gerido, mas quanto a mim vai mais além que isso. Para mim existe uma (demasiado) grande parte do jogo que se resume ao desenrolar deste "drama desportivo" e uma muito pequena ao drama narrativo. Isso quanto a mim tem um custo: todos os efeitos que permitem aos jogadores contornarem os HPs estipulados para o desafio vão desequilibrar o jogo. Um disfarçe, uma distracção ou uma conversa com os NPCs, tudo pode levar a que vários elementos pensados para um encontro acabem por não ser usados. Isto para um sistema tão estruturado como o D&D (com os seus estereótipos de personagem e as suas relações rígidas de desafio/recompensa) vem estragar algo que se pretende linear e determinístico. Será que podemos chamar "bem conseguido" a um RPG que lida tão bem com o "drama desportivo" em prejuízo do drama narrativo? Ou por outras palavras, que tem dificuldades em lidar com a criatividade dos jogadores?

Mas o DD não ambiciona a ser mais do que é, honra lhe seja feita. Para compreender o DD é preciso compreender o contexto em que surgiu. Um contexto de jogos de guerra, jogos de tabuleiro e apaixonados por jogos lógicos. O DD foi apenas uma extensão num sentido diferente desses jogos mas sempre os incorporou em grande medida. O hóbi evoluiu noutros sentidos, mas porque haveria o DD de evoluir? Ele ocupa um espaço próprio. Quem quiser outras formas de jogar tem outros jogos para o fazer.

Além disso parece-me que o grande problema do DD no condicionamento da criatividade dos jogadores nem é o «custo», os hp. O grande problema é o «proveito», a forma como distribui XP e, por essa via, condiciona a evolução das personagens.

Por outro lado, a criativade dos jogadores é para mim um valor altamente inflacionado. Os jogadores são assim tão criativos? Bem, era preciso um estudo independente e bem preparado para decidir num sentido ou noutro mas suspeito que os jogadores de rpg não se distinguem da média da população. E a ser assim, a sua criatividade existe mas, como nos programas da tv, nas composições escolares, no exercício profissional, de forma limitada e circunstanciada. Parece-me que o DD até lida de forma adequada com a criatividade do jogador médio.

Sérgio Mascarenhas

PS E o que é mais curioso é que eu nem sou fã do DD, longe disso... mas por outras razões. Para mim as virtudes do DD são obscurecidas por sistemas de jogo demasiado complexos e pesados. O DD podia fazer tudo o que faz de forma muito mais simples, clara e económica.

[quote=smascrns]Mas o DD não ambiciona a ser mais do que é, honra lhe seja feita.[/quote]Isso é bem verdade com esta nova edição. Não tanto assim quando a Wotc tentou que d20 = RPG. Agora, mesmo que D&D esteja focado naquilo que faz melhor, a verdade é que muitos dos seus fãs, pelas mais diversas razões, ambicionam a que o jogo seja mais do que é - e, assim, tentam sempre fugir o mais possível da estrutura do dungeon clássico.

O D&D, e qualquer outro RPG, é aquilo que os seus intervenientes quiseram ambicionar que seja, independentemente do que cada um esteja "projectado para fazer"...

É aqui que eu discordo. É verdade que podes mudar o jogo para o que quiseres, mas repara como o design do jogo está todo orientado para a narrativa tipo dungeon. E tal como reza a citação, "quando a única ferramente que tens é um martelo, para ti todos os problemas são um tipo de prego".

Ora o jogo não é mais do que um conjunto de ferramentas para resolver a narrativa: será que consegues matar aquele monstro? Será que consegues abrir aquela porta? Se as ferramentas estão na sua grande maioria orientadas para a lógica dungeon, no mínimo é um grande desperdício não as usar, e no máximo, se não as usares já não estás a jogar D&D propriamente dito. Podemos chamar D&D a uma sessão onde não se combate nem se usa feitiços? Repara na quantidade de coisas que vão pela janela quando eliminas estas duas componentes do D&D.

É verdade que o jogo é assim já há muitas gerações, mas isso é mais uma razão para não desculpar o facto de não se ter invertido o sentido de "sobre-especialização" de que o jogo quanto a mim sofre.

Com toda a franqueza, isso é uma daquelas coisas que eu vejo escritas e oiço dizer e que, no fundo, não significam nada. Isso é tão correcto como dizer que o Xadrez é aquilo que os jogadores quiserem que ele seja. Ou o futebol. Ou o Settlers of Catan.

É comum ler narrações de jogos de tabuleiro, mesmo aqui no AoJ, onde os jogadores dizem qualquer coisa como, «mas depois demo-nos conta de que estavamos a aplicar as regras de forma errada» e na vez seguinte jogaram as regras como deve de ser. Porque é que os jogadores de jogos de tabuleiro não dizem, «o Settlers é aquilo que nós quisermos que seja»? Porque sabem que se jogarem com outras regras já não estão a jogar Settlers, ponto final.

Os jogadores são livres de jogarem o jogo que quiserem, é claro. Podem jogar o jogo deles, baseado a 90% no DD, por exemplo, mas com 10% de regras deles. Mas nesse caso não estão a jogar DD nem podem dizer que estão a jogar DD. No máximo podem dizer que estão a jogar uma variante do DD. O que não podem dizer é que estão a jogar DD ponto final. O DD não é o que os jogadores quiserem que ele seja, o DD é o DD (e o mesmo se aplica a qualquer outro jogo). O que é o que os jogadores quiserem que seja é a variante do DD, por exemplo, lá deles. Mas isso é outra coisa.

Sérgio Mascarenhas

Concordamos então em discordar. ;)

Na minha opinião, o D&D não é nem nunca foi unica e exclusivamente acerca do uso das mecânicas para resolver a narrativa.

Muito do que se passa nas mesas de jogos não envolve nenhuma mecânica descrita nos manuais.

Se assim fosse não era um RPG...

Ocasionalmente, regressam assuntos aqui ao forum que a minha mente simples não consegue compreender:

[quote= smascrns]

Os jogadores são livres de jogarem o jogo que quiserem, é claro. Podem jogar o jogo deles, baseado a 90% no DD, por exemplo, mas com 10% de regras deles. Mas nesse caso não estão a jogar DD nem podem dizer que estão a jogar DD. No máximo podem dizer que estão a jogar uma variante do DD. O que não podem dizer é que estão a jogar DD ponto final. O DD não é o que os jogadores quiserem que ele seja, o DD é o DD (e o mesmo se aplica a qualquer outro jogo). O que é o que os jogadores quiserem que seja é a variante do DD, por exemplo, lá deles. Mas isso é outra coisa.[/quote]

- A conversa dos RPG's de que "se não jogares exactamente como mandam as regras do manual, então não estás a jogar esse jogo"

Se estás a apresentar uma opinião pessoal sobre o assunto tens todo o direito a ela e eu tenho o direito de opinar sobre o que estás a dizer; é uma barbaridade. E, provavelmente, esta conversa fica por aqui porque não vamos a lado nenhum a debater opiniões subjectivas.

Se, por outro lado, estás afirmar que só estamos a jogar DD se jogarmos de determinada forma, refere por favor em que manual (de qualquer edição) de D&D isso está escrito explicitamente.

[quote= smascrns]

Com toda a franqueza, isso é uma daquelas coisas que eu vejo escritas e oiço dizer e que, no fundo, não significam nada. Isso é tão correcto como dizer que o Xadrez é aquilo que os jogadores quiserem que ele seja. Ou o futebol. Ou o Settlers of Catan.

É comum ler narrações de jogos de tabuleiro, mesmo aqui no AoJ, onde os jogadores dizem qualquer coisa como, «mas depois demo-nos conta de que estavamos a aplicar as regras de forma errada» e na vez seguinte jogaram as regras como deve de ser. Porque é que os jogadores de jogos de tabuleiro não dizem, «o Settlers é aquilo que nós quisermos que seja»? Porque sabem que se jogarem com outras regras já não estão a jogar Settlers, ponto final.[/quote]

- A comparação entre RPG e Boargames!

Os boardgames tem regras bem explicitas que definem o que podes ou não fazer durante o jogo.Tudo o que não está definido nas regras não é permitido.

Como se faz um paralelismo disto com tudo o que se pode fazer num RPG e que não vem descrito nas regras é surpreendente!

Joguem, joguem, que aqui não há nada para ver.

Wink

[quote=Nazgul]Se estás a apresentar uma opinião pessoal sobre o assunto tens todo o direito a ela e eu tenho o direito de opinar sobre o que estás a dizer; é uma barbaridade.[/quote]

Todas as minhas opiniões são pessoais...

[quote]Se, por outro lado, estás afirmar que só estamos a jogar DD se jogarmos de determinada forma, refere por favor em que manual (de qualquer edição) de D&D isso está escrito explicitamente.[/quote]

Não é preciso que isso seja dito explicitamente. Se os designers não quisessem que o jogo fosse jogada de uma dada forma, não colocavam o conteúdo que colocam no(s) respectivo(s) livro(s) de regras.

Isto sem prejuízo de um jogo poder ser concebido como um espaço de alternativas que permitam a adaptação ao gosto dos jogadores ou ao contexto em que jogam. O que, aliás, é tão verdade para os rpgs como para muitos outros jogos. Exemplos:

O BRP tem um conjunto básico de regras e depois um larguíssimo leque de regras especiais para diferentes tipos ou contextos de jogo, regras desenvolvidas para vários universos. Os jogadores que decidam dentro deste leque quais as regras concretas que querem usar.

O futebol tem um conjunto muito pequeno de regras básicas, as mesmas que os miúdos da rua aprendem antes de entrar para a escola. E depois imensas variantes, algumas delas muito estruturadas como as a que obedecem o Futsal e o futebol de 11. Mas o grupo de maganos que chuta na bola no Inatel põe e dispõe sobre as regras que aplica.

Muitos jogos de tabuleiro estruturam-se em regras básicas, regras avançadas e regras opcionais. Hoje isso é com frequência aliado a uma lógica comercial de diversificação de regras apresentadas em extensões.

E depois os jogos publicados são apenas uma proposta. O jogo concreto é aquele que é jogado pelos jogadores e esse depende do que eles quiserem fazer. Excepto se jogarem em contextos organizados e controlados pelo designer ou por quem comercializa o jogo. Os torneios de DD que existiram no passado nos EUA eram muito, muito estruturados e as regras obedeciam a um cânone estrito.

Ou seja, não é exacto que o jogo X é aquilo que os jogadores queiram fazer.

[quote]Os boardgames tem regras bem explicitas que definem o que podes ou não fazer durante o jogo.Tudo o que não está definido nas regras não é permitido.

Como se faz um paralelismo disto com tudo o que se pode fazer num RPG e que não vem descrito nas regras é surpreendente![/quote]

Ah, se assim fosse!... Regras bem explícitas, era bom. A quantidade de jogos de tabuleiro com regras mal escritas, ambíguas, incompletas que por aí há! E depois os jogadores que preencham os buracos ou fiquem a aguardar pela errata «oficial».

E num jogo de tabuleiro apenas se pode fazer o que é permitido? Desde quando? Então quando estou a jogar com os meus amigos e decidimos combinar o jogo com conversa sobre futebol, política, cinema; ou partir de uma situação de jogo para a brincadeira; vem a polícia dos jogos e multa-nos? E se não nos agrada uma regra e decidimos inventar a nossa, a polícia dos jogos leva-nos para a cadeia?

A diferença entre rpgs e jogos de tabuleiro ou qualquer outra actividade lúdica é bem menor do que possas pensar. Se eu chegar a um encontro das 4ªs e começar a espingardar que quero jogar o Dixit com a minha regra nº 23 e me mandarem passear... é diferente de aparecer para jogar DD com a minha house rule #2.3 e me mandarem passear? Do meu ponto de vista é a mesmíssima coisa.

Voltando ao teu ponto inicial, das duas uma: ou os jogos são para ser aquilo para que foram feitos, e então isso é tão verdade do DD como do jogo do galo; ou os jogos são para sere aquilo que os jogadores deles quiserem fazer, e então isso é tão verdade para o DD como para o jogo do galo. O que me parece muito discutível é dizeres que o DD e os rpg são aquilo que os jogadores deles quiserem fazer, mas que isso não é verdade dos outros tipos de jogo, incluindo o jogo do galo.

Sérgio Mascarenhas

[quote=smascrns]os jogos são para ser aquilo para que foram feitos[/quote]Assim é, em geral, para quem os faz e para quem os compra, mas há roleplayers que têem uma abordagem na qual ninguém dá muita importância ao jogo que é feito e também não o compram. Arranjam o jogo assim mais ou menos sacado da net e "adaptam-no" aquilo que já fazem. É como se já tivessem a sua própria maneira de jogar RPGs que nasceu e passou de pessoa para pessoa dentro da dinâmica do grupo e esta é practicamente indiferente aquilo que possa aparecer publicado. Esta maneira é assim um conjunto de subentendidos entre jogadores habituais que confiam em si para jogarem sem usarem as regras, contando com a autoridade final do mestre-jogo para certas situações e, em último caso, um uso ocasional e logo esquecido de determinada mecânica do sistema. Nestes casos, o grupo já tem o seu "RPG" pessoal muito próprio antes mesmo de pegar num D&D ou noutro jogo. Assim, estas publicações não são propriamente adaptadas, mas sim usadas para validar (ás vezes, só pela presença do livro e das folhas de personagem) uma maneira de jogar que já está definida há muito tempo e pouco muda.

Tentando não fugir muito ao tópico, naturalmente que o dungeon clássico tem muitas vezes uma estrutura demasiado sólida para poder ser do interesse deste tipo de grupos. Para eles, não é só uma questão de "a criatividade não pode ter limites" ou "RPG é um jogo de possibilidades ilimitadas", mas também uma valorização muito forte de este ser um tipo de entretenimento que não custa dinheiro nenhum e dá horas inesgotáveis de entretenimento sem ser preciso aderir verdadeiramente a nenhum dos jogos publicados. Claro que, para esses roleplayers, uma comunidade como o abreojogo deve parecer bastante estranha, por isso não os vemos por aqui. Porquê discutir RPGs diferentes quando já temos a nossa maneira de jogar que contempla tudo o que nos apetecer fazer sem precisarmos de ler ou comprar nada?

[quote=smascrns]

Não é preciso que isso seja dito explicitamente.Se os designers não quisessem que o jogo fosse jogada de uma dada forma, não colocavam o conteúdo que colocam no(s) respectivo(s) livro(s) de regras.[/quote]

Lol...isso são opiniões...eu tenho as minhas, que obviamente divergem das tuas.

Conteúdo sem contexto não faz sentido.

[quote=smascrns] E depois os jogos publicados são apenas uma proposta. O jogo concreto é aquele que é jogado pelos jogadores e esse depende do que eles quiserem fazer....

[/quote]

Acho que apresentaste o meu ponto de vista muito bem.

[quote=smascrns] Ah, se assim fosse!... Regras bem explícitas, era bom. A quantidade de jogos de tabuleiro com regras mal escritas, ambíguas, incompletas que por aí há! E depois os jogadores que preencham os buracos ou fiquem a aguardar pela errata «oficial».

E num jogo de tabuleiro apenas se pode fazer o que é permitido? Desde quando? Então quando estou a jogar com os meus amigos e decidimos combinar o jogo com conversa sobre futebol, política, cinema; ou partir de uma situação de jogo para a brincadeira; vem a polícia dos jogos e multa-nos? E se não nos agrada uma regra e decidimos inventar a nossa, a polícia dos jogos leva-nos para a cadeia?

A diferença entre rpgs e jogos de tabuleiro ou qualquer outra actividade lúdica é bem menor do que possas pensar. Se eu chegar a um encontro das 4ªs e começar a espingardar que quero jogar o Dixit com a minha regra nº 23 e me mandarem passear... é diferente de aparecer para jogar DD com a minha house rule #2.3 e me mandarem passear? Do meu ponto de vista é a mesmíssima coisa.

Voltando ao teu ponto inicial, das duas uma: ou os jogos são para ser aquilo para que foram feitos, e então isso é tão verdade do DD como do jogo do galo; ou os jogos são para sere aquilo que os jogadores deles quiserem fazer, e então isso é tão verdade para o DD como para o jogo do galo. O que me parece muito discutível é dizeres que o DD e os rpg são aquilo que os jogadores deles quiserem fazer, mas que isso não é verdade dos outros tipos de jogo, incluindo o jogo do galo.

[/quote]

Regras mal escritas ou ambíguas não invalidam o facto de que o que os jogadores podem ou não fazer num jogo de tabuleiro está bem definido no conjunto das regras.

Num RPG isto não se verifica.

[quote=Nazgul]Regras mal escritas ou ambíguas não invalidam o facto de que o que os jogadores podem ou não fazer num jogo de tabuleiro está bem definido no conjunto das regras.

Num RPG isto não se verifica.[/quote]Essa distinção não é assim tão clara. Por exemplo, na primeira vez que joguei Endeavour, estive mais interessado em explorar o tema e a possibilidade um pouco estranha de perpetuar a escravatura na Europa se detiver força militar suficiente do que em procurar ganhar o jogo navegando para mares nunca dantes navegados como o jogo diz que é suposto fazer. Também me aconteceu uma coisa parecida na primeira vez que joguei Automobile.

Por outro lado - e isto é algo que principalmente alguém que mestre há bastante tempo pode começar a notar - as tais possibilidades ilimitadas de tudo o que um jogador pode fazer, na verdade, são muitas vezes previsíveis e pouco variam em termos de como acabam sempre por ir do ponto A ao ponto B. Curiosamente, até são os RPGs que determinam limites mais evidentes que acabam por suscitar níveis maiores de criatividade por parte dos jogadores.

Pode parecer um paradoxo, mas é a razão pela qual jogos como D&D usam classes e raças que pré-determinam grande parte do que se pode ser. Se o RPG simplesmente se virasse para o jogador e lhe dissesse "podes ser qualquer coisa que te apetecer", o jogador sentir-se-ia perdido e paralizado sem saber sequer por onde começar. De facto, a criatividade dele é posta a funcionar precisamente porque o RPG lhe diz "tens de escolher entre estas X classes e estas N raças".

[quote=Rick Danger]

[quote=Nazgul]Regras mal escritas ou ambíguas não invalidam o facto de que o que os jogadores podem ou não fazer num jogo de tabuleiro está bem definido no conjunto das regras.

Num RPG isto não se verifica.[/quote]Essa distinção não é assim tão clara. Por exemplo, na primeira vez que joguei Endeavour, estive mais interessado em explorar o tema e a possibilidade um pouco estranha de perpetuar a escravatura na Europa se detiver força militar suficiente do que em procurar ganhar o jogo navegando para mares nunca dantes navegados como o jogo diz que é suposto fazer. Também me aconteceu uma coisa parecida na primeira vez que joguei Automobile.

[/quote]

Curioso que menciones isso. Muitas vezes quando me explicam um boardgame o tema é totalmente posto de lado e muitas vezes nem é sequer referido. Fala-se dos componentes, das regras, dos objectios e toca a jogar.

Vê lá não começem a dizer que o que jogaste não foi Endeavour ou Automobile... Tongue out

[quote=Rick Danger]Por outro lado - e isto é algo que principalmente alguém que mestre há bastante tempo pode começar a notar - as tais possibilidades ilimitadas de tudo o que um jogador pode fazer, na verdade, são muitas vezes previsíveis e pouco variam em termos de como acabam sempre por ir do ponto A ao ponto B. Curiosamente, até são os RPGs que determinam limites mais evidentes que acabam por suscitar níveis maiores de criatividade por parte dos jogadores.[/quote]

Sabes tão bem como eu que nos RPG's, as escolhas, possibilidades e a criatividade apenas dependem dos intervenientes.

[quote=Rick Danger]Pode parecer um paradoxo, mas é a razão pela qual jogos como D&D usam classes e raças que pré-determinam grande parte do que se pode ser. Se o RPG simplesmente se virasse para o jogador e lhe dissesse "podes ser qualquer coisa que te apetecer", o jogador sentir-se-ia perdido e paralizado sem saber sequer por onde começar. De facto, a criatividade dele é posta a funcionar precisamente porque o RPG lhe diz "tens de escolher entre estas X classes e estas N raças".[/quote]

É uma maneira de ver as coisas, com a qual eu não concordo totalmente.

Raça e classe são uma parte da personagem mas não condicionam em nada, tirando obviamente as caracteristicas mecânicas inerentes a ambas, daquilo que a personagem é, ambiciona, teme, deseja ou como age em jogo, isso depende apenas do que o jogador quiser.

Este assunto já ter barbas e, para além de ter a impressão de estarmos totalmente off topic, tal como em outras situações, não me parece que as nossas opiniões tendenciosas e corrompidas por anos a jogar jogos de modo incorrecto se vão alterar.

[quote=Rick Danger]

há roleplayers que têem uma abordagem na qual ninguém dá muita importância ao jogo que é feito e também não o compram. Arranjam o jogo assim mais ou menos sacado da net e "adaptam-no" aquilo que já fazem. É como se já tivessem a sua própria maneira de jogar RPGs que nasceu e passou de pessoa para pessoa dentro da dinâmica do grupo e esta é practicamente indiferente aquilo que possa aparecer publicado. Esta maneira é assim um conjunto de subentendidos entre jogadores habituais que confiam em si para jogarem sem usarem as regras, contando com a autoridade final do mestre-jogo para certas situações e, em último caso, um uso ocasional e logo esquecido de determinada mecânica do sistema. Nestes casos, o grupo já tem o seu "RPG" pessoal muito próprio antes mesmo de pegar num D&D ou noutro jogo. Assim, estas publicações não são propriamente adaptadas, mas sim usadas para validar (ás vezes, só pela presença do livro e das folhas de personagem) uma maneira de jogar que já está definida há muito tempo e pouco muda.[/quote]

Sem dúvida, isso acontece. Mas quando fazem isto com o jogo X (o DD, por exemplo) pode dizer-se verdairamente que estão a jogar o jogo X?

Isto é um pouco como o cinema americano de guerra. Se virmos bem, ele tem três cenários de base: a 2ª guerra mundial; a guerra do Vietname; os Westerns. Nunca sai de um destes cenários, mas pespega com eles em todo e mais algum contexto que lhes passe pelas mãos. Antiguidade, Idade Média, ficção científica. A diferença entre o Aliens, o Star Wars, o Gladiador ou aquele filme «baseado» na Ilíada é mínima. Tomemos o Gladiador, alguém acredita verdadeiramente que é um filme histórico e que é uma reconstituição histórica fiel?

Voltando ao tema, os jogadores são livres de fazerem o que quiserem com os seus jogos (como Hollywood é livre de fazer o que quiser com a história). Mas se distorcem um jogo ou o tomam como ponto de partida para coisas que este não contempla não podem dizer que o estão a jogar. Estão a jogar alguma coisa? Seguramente. Não estão é a jogar o jogo X. No caso vertente, o DD. Nisto parece que concordamos.

[quote]Tentando não fugir muito ao tópico, naturalmente que o dungeon clássico tem muitas vezes uma estrutura demasiado sólida para poder ser do interesse deste tipo de grupos. Para eles, não é só uma questão de "a criatividade não pode ter limites" ou "RPG é um jogo de possibilidades ilimitadas", mas também uma valorização muito forte de este ser um tipo de entretenimento que não custa dinheiro nenhum e dá horas inesgotáveis de entretenimento sem ser preciso aderir verdadeiramente a nenhum dos jogos publicados. Claro que, para esses roleplayers, uma comunidade como o abreojogo deve parecer bastante estranha, por isso não os vemos por aqui. Porquê discutir RPGs diferentes quando já temos a nossa maneira de jogar que contempla tudo o que nos apetecer fazer sem precisarmos de ler ou comprar nada?[/quote]

É uma atitude possível, sim, mas existe assim tanto? Ou serão alguns poucos de maduros? Já vi esta atitude noutras paragens - RPGnet em particular, mas não só, noutros tempos era comum a expressão T$R - mas em terras lusas deve ser quase irrelevante.

Sérgio Mascarenhas