O Eurogamer e o Dilema do Prisioneiro*

Curioso. De entre o nosso grupo de jogos não aparece nenhum jogo de cooperação! Lembro-me de, aqui há um par de anos atrás, jogarmos um Risco Star Wars, um jogueco entretido com umas miniaturas curiosas que se baseava um bocadito no filme homónimo (eu nunca vi o filme mas quem já viu pode atestar esta informação) e que, até nos cansarmos de ver o jogador que na altura jogava sozinho (aka #nbs#) a estrebuchar como se fosse apanhar porrada de meia-noite, literalmente, parecia muito melhor que o comum dos jogos mortais. Quer dizer, convém referir que, o comum dos jogos mortais, à época, era o outro risco. O básicozinho que nos deliciava. Mas, daí para a frente, não me recordo de voltar a jogar um jogo de cooperação. Não sei se por falta de títulos do género - acho que não - se por falta de apetite para os jogar.

Jogámos algumas vezes o Axis and Allies que, como se sabe, é também um jogo cooperativo, mas dentro do género americano. Outro exemplo será o Here I Stand. Essa obra-prima de jogo, tipo americano que usa e abusa da cooperação. Não é um jogo cooperativo mas utiliza mecanismos de negociação que o tornam muito próximo disso.

Temos acesso ao Shadows Over Camelot há já algum tempo e, ainda ninguém, pelo menos até ao inefável encontro nacional de boardgamers em Leiria, o tinha experimentado. O Costa teve o prazer, ou desprazer, ainda não sabemos bem, de cometer essa primeira aventura por caminhos cooperativos.

Mas o que será que nos impede de, mais vezes, experimentarmos esse tipo de jogos?! Todos estamos de acordo que são jogos diferentes. São jogos que trazem para a mesa, em muitos casos, o uso de diplomacia, ganha-se aos pares (pelo menos) e sabe-se em conjunto o que se quer fazer. Os jogos cooperativos são um bocadinho como a sueca. O pessoal pode não ter jogo nenhum, tipo ficar completamente dependente do jogo do parceiro mas, se ganhar, fica todo contente. Como se tivesse tido muito que ver com aquilo. Ainda assim dá ideia que não é completamente satisfatório - pelo menos num boardgame - vencer com a ajuda de outra pessoa. Ou melhor, com a cooperação óbvia e solicitada, de outro jogador.

Isto leva-nos a duas questões. Primeiro, será que os eurogames, apesar de terem muito menos conflito directo com os adversários que, por exemplo, os jogos ditos tipo americano, não promovem o gozo pela vitória enquanto resultado óptimo, se jogado em conjunto?! Será, este, um tipo de jogo, sobretudo, individualizante, embora interactivo e desprovido de destruição directa da estratégia dos adversários?! Cada jogador é por si mesmo e somente por si mesmo?!

Sim, os eurogames são jogos individualizantes. E estou a falar dos jogos pelos jogos e não de tudo o que vem agarrado ao seu aspecto exterior, contrapondo a sociabilização destes com o isolamento dos video games, por exemplo. Aliás, complementando, podemos até usar a expressão jogos de sociedade, de origem francesa, para explicar melhor a natureza destes. São jogos que promovem a relação interpessoal, mas individualizantes em termos de resultado, de objectivo, em si mesmos.

E aqui entramos num caminho mais difícil de controlar. Se, por um lado, aprendemos a sociabilizar-nos a partir dos jogos, por outro, entramos também naquele domínio da competitividade que pode, ou não, resultar, com determinados grupos de jogadores. Diz-se que é precisa muita coragem para jogar um jogo de Diplomacia. Tem demasiada traição. Talvez, mas aí já entraríamos na discussão sobre tipos de jogadores e factores alheios aos jogos em si mesmos. E será que esta questão faz sentido? Quando estamos a falar dos jogos não será a mesma coisa que estarmos a falar dos jogadores? Faz. Quando estamos a falar de jogos estamos a falar de jogadores, porque os jogos são os jogadores. Ninguém pode achar que o jogo é o jogo só enquanto jogo. Todos os jogos ditos europeus são resultado dos seus jogadores. Talvez por isso a não corrida em busca do grande jogo cooperativo. Faz parte da condição humana. O prazer pessoal da vitória. Uma mini realização do ego.

E é aqui que entra a segunda questão, será que algum jogador de boardgames alguma vez vai conseguir não obter toda a vantagem em determinada circunstância para fazer valer o bem comum. Encontrar uma média de resultado positivo que favoreça mais o todo que o indivíduo que jogou?! Muitos dirão que, para se alcançar o jogador que, aparentemente, está à frente num determinado jogo, se deve jogar em prol da equipa contra esse mesmo jogador. Ouço isto demasiadas vezes, no meu grupo de jogos. Mas a questão é saber se alguém abdica, completamente, da sua estratégia para, em determinada altura do jogo, conseguir o melhor para todos?! Acho que não! E por mim falo.

A questão central das escolhas de um jogador passa pela ausência de informação daquilo que o seu adversário vai fazer. É aqui que reside o maior problema.

Num jogo como Antike em que há um jogador A, um B e um C que, por enquanto, é o líder e com forte probabilidade de vitória. Quando alguém se move (A), estrategicamente, para uma qualquer posição no tabuleiro, o adversário (B) não pode adivinhar aquilo que está prestes a acontecer. Tanto pode ser preparação para um ataque na jogada seguinte, como pode ser somente uma manobra de diversão para outra jogada qualquer, como pode ser uma ocupação espacial de uma determinada área por forma a garantir pontos vitória. O principal visado pela jogada (B), não sabendo o que se pode passar, opta, mais de 90% das vezes, por responder à provocação directamente, ou seja, tentando destruir aqueles que agora ameaçaram. E aqui não há forma de se prever a jogada de outra maneira. Se se pudesse chegar à conclusão de que o melhor para ambos era não se fazer nada em relação àquela jogada, pelo menos não de forma directa, era o que aconteceria também, pelo menos, em 90% das vezes. Não se faria nada.

Resta agora saber se, o jogador A, atacante, tivesse hipótese de atacar, de facto, o jogador B, não o faria. E não estamos a falar de traição. Estamos a falar de oportunidade. Obviamente, se o jogador A souber o que vai fazer B escolhe aquilo que mais lhe convém dependendo das certezas que tem da resposta. Antes da resposta ele não sabe o que vai fazer. O jogador B tem SEMPRE de responder ao hipotético ataque. Porque não pode, num momento de altruísmo, e mesmo que haja um jogador C à frente no jogo, abdicar do seu jogo, completamente, para conseguir equilibrar a classificação do jogo, ajudando a puxar, o tal jogador C para trás.

Aqui, a mente humana é terrivelmente traiçoeira. Porque, por um lado, leva-nos a fazer algo que não queremos, mas sentimos necessidade (defender-nos do ataque para que não sejamos mais prejudicados). Por outro, ajuda-nos a destruir aquilo que pretendíamos, num objectivo primeiro, as possibilidades de vencer o jogo em questão.

Os eurogames são estilos de jogos absolutamente fascinantes. Na maior parte das vezes apercebo-me que não sei o que estou a jogar. Ou melhor, eu até sei o que estou a jogar mas aquela sensação estímulo/resposta, que deveria sentir, sempre que fizesse uma qualquer jogada, por vezes, escapa-me. E escapa-me porque estou, simplesmente, a jogar. Gosto disso. Mas também gosto de saber o que estou a fazer. Talvez por isso aprecie tanto o tema de jogo. Ajuda-me melhor a saber o que estou a fazer.

Cada um terá os seus motivos para jogar este ou aquele jogo. Os factores que nos motivam, para quase tudo, são diferentes. Eu jogo pelo queijo e pelo vinho e pelos jogadores e pelo jogo. E também gosto de ganhar. Às vezes prejudico quem vai à frente, às vezes até ganho, mas nunca abdico da minha estratégia, completamente, para impedir uma vitória. O altruísmo do eurogamer termina onde começa a sua estratégia.

*https://pt.wikipedia.org/wiki/Dilema_do_prisioneiro

Tivémos há tempos uma longa discussão sobre isto, no grupo em que eu jogo. Estávamos a definir o pecado capital, o “anti-jogo”, a única coisa que não pode acontecer na nossa mesa.

E é: não jogar para ganhar. Jogar para ajudar ou prejudicar outro jogador sem benefício próprio, ou jogar sem interesse na vitória, é a nossa definição de anti-jogo, porque interfere no prazer dos outros jogadores, que estão a jogar para ganhar. Isto porque estraga o ideal de ganhar numa situação de igualdade, a minha capacidade contra a dos adversários, sem factores externos. E se alguém não está neste “mindset” torna-se num factor externo ao jogo.

Não sei se isto faz sentido, mas parece que se encaixa no que disseste :slight_smile:

É um bocado isso. Na verdade, o código de conduta do eurogamer, deve passar sempre por não fazer anti jogo. Ou seja, jogar contra alguém só por jogar, sem retirar daí qualquer benefício. E por isso, às vezes, mesmo sabendo que para o grupo pode ser melhor fazer uma jogada mais arriscada para fragilizar quem vai à frente, é tão difícil abdicarmos da nossa própria táctica.

Pelo menos, no meu grupo, ninguém consegue (acho que é esta a expressão) fazer anti-jogo SÓ pelo anti-jogo. E ainda bem! :)