Imaginemos um grupo de jogadores que se está a formar por sua própria iniciativa, tentando evoluir a partir das suas primeiras sessões, baseados nos livros que arranjaram e no pouco que percebem do que lêem na net.
Há sempre alguém que está mais interessado, capaz ou disponível para experimentar mestrar para os amigos. A dinâmica que se for criando dentro do grupo vai determinar o que é para eles jogar um RPG e o que é que estão dispostos a fazer para isso. Também é determinante qual o jogo em concreto com que se vão iniciar, mas vamos partir do pressuposto que existe, de facto, referência a um mestre-jogo no sentido mais tradicional do termo.
Neste contexto, imaginemos uma classificação que avalie o papel do mestre-jogo, uma escala entre o mau e o excelente. Esta é uma classificação relativa dentro do grupo, não estou a falar da qualidade de um mestre-jogo em absoluto.
Se entre todos os participantes o melhor que se pode arranjar é um mau mestre-jogo, temos uma situação em que todos tomam consciência de que ninguém se está a divertir, pois ninguém tem as capacidades para assumir este papel. Não é preciso ser um génio para jogar roleplay, mas pode acontecer que o grupo não contenha em si capacidade suficiente de expressão, criatividade e/ou raciocínio para se divertir. Felizmente, esta é uma situação difícil de acontecer, se bem que também difícil de reconhecer quando estamos metidos nela.
Se entre todos os participantes o melhor que se encontra é um mestre-jogo satisfatório, temos uma situação em que todos têem consciência que existem algumas falhas no desempenho deste papel, mas que é perfeitamente possível terem uma sessão divertida. Esta é talvez a situação mais comum entre novos grupos de jogadores e caracteriza-se por o grupo não ter definido propriamente um mestre-jogo residente. Cada participante pode acabar por vir a assumir esse papel, motivado por saber que é capaz de fazer certas coisas melhor que os outros, mas também pode ser substituído ao reconhecer que há outras coisas em que os outros são melhores. Não havendo quem se destaque, todos rodam.
Se entre os participantes se encontra um bom mestre-jogo, temos uma situação em que este papel se torna um título entregue a uma pessoa em específico. Todos têem consciência que há alguém que é o melhor para o lugar, ou seja, que há no grupo quem mestre as sessões mais divertidas. Naturalmente, esta pessoa torna-se o mestre-jogo residente, acumulando experiência. Esta é talvez a evolução mais comum que se desenvolve da situação anterior: depois de alguma rotatividade, um dos participantes acaba por aprender cada vez mais e se destacar em relação aos outros. Devo dizer que acho óptima esta evolução, mas considero que esta situação em si pode ser negativa, na medida em que pode cimentar um status quo que estagne a dinâmica do grupo. Existe o risco de se criar a ideia do mito do mestre-jogo, ou seja, de ver esse papel como uma posição de poder e responsabilidade que apenas alguns têem a capacidade de exercer e que não vale a pena tentar assumir esse lugar se não se pertencer a essa elite. Aliás, a partir do momento em que ser mestre-jogo é considerado um trabalho que deve ser feito por quem o sabe fazer, é muito fácil aos jogadores encostarem-se e entregarem a função de divertimento do grupo às mãos de uma só pessoa. Isto é uma forma da tal "ausência estatística" sobre a qual já falei no artigo anterior. Também já tinha feito referência ao "mito" neste comentário.
Se entre os participantes se encontra um excelente mestre-jogo, temos uma situação em que este papel não só se torna um título pertencente a uma pessoa, mas todos tomam consciência que pode ser usado para desenvolver o grupo, para todos se divertirem mais. Esta é uma rara situação em que alguém se destaca dos outros não só pelas suas capacidades de expressão, criatividade e raciocínio de que já falamos, mas também pela sua capacidade de liderança, ou seja, de fazer o grupo dar o melhor de si mesmo, de criar condições para que todos desenvolvam essas mesmas capacidades. O potencial desta situação - e só por isso é que é excelente - é fazer o grupo voltar ao princípio de um mestre-jogo satisfatório, ou seja, uma dinâmica em que cada participante encontra algo em que o outro pode melhorar, porque todos evoluem e não há mitos ou lugares marcados.
Seria confortável se alguma classificação servisse para indicar que situação seria melhor, mas já vimos que o importante é a dinâmica que se desenvolve. Um grupo de mau mestre-jogo evolui para satisfatório ganhando capacidades. Um grupo de mestre-jogo satisfatório evolui para bom através de experiência. Um bom mestre-jogo evolui para excelente fazendo os outros serem bons. Um grupo de jogo excelente evolui para mau pondo em causa as suas capacidades.
Esta dinâmica é importante para que todos se sintam parte do mesmo hobbie, para que cada vez mais gente se interesse, jogue, discuta, compre, critique, invente e se divirta.
Os RPGs não precisam de mitos. Os RPGs precisam de ti.
Obrigado a todos.