O Pai e a Mãe

Charles S. Roberts, Don Greenwood, Tom Shaw, Richard Berg, Bob McNamara, Richard Hamblen, Alan R. Moon, Allan B. Calhammer, Tactics II, Titan, Civilization, The Russian Campaign, Acquire, Diplomacy, We the People, Dune, Circus Maximus, Republic of Rome, Colossal Arena, 1830: The Game of Railroads and Robber Barons, TwixT, Age of Renaissance, Kremlin, B-17: Queen of the Skies, History of the World, Kingmaker, Legends of Robin Hood, Merchant of Venus, Magic Realm, Stellar Conquest, Up Front, Advanced Squad Leader, e a lista não tem fim. E o que une todos estes autores e todos estes jogos é um nome que se tornou uma lenda no mundo dos jogos de tabuleiro para adultos: The Avalon Hill Game Company (TAHGC). Ainda hoje, passados mais de 10 anos desde que foi adquirida pela Hasbro, os seus jogos são procurados, os jogadores prestam atenção ao que é dito por autores que lá trabalharam, e os novos jogos são colocados na balança em comparação com jogos então criados. Não é raro ver comentários como: "É como aquele jogo da Avalon, mas numa versão mais light e actualizada", "A Avalon Hill fez isso também no jogo xyz", "O Zé tem experiencia neste tipo de jogos desde os tempos em que trabalhou na Avalon".

A TAHGC nasceu em 1954, numa cave na cidade de Avalon, no estado americano de Maryland, pela mão de Charles S. Roberts, de forma a este conseguir distribuir um pequeno wargame de nome Tactics II. Nesta altura a designação da empresa era simplesmente The Avalon Game Company. A seguir ao Tactics II, seguiram-se inúmeros titulos, sendo que só cerca de metade dos mesmos eram wargames. Em 1962 devido a um acumular de dividas, a empresa acabou por ser comprada pelo seu maior credor, a gráfica Monarch Avalon Printing, ficando como sua subsidiária e mudando o nome pelo qual é conhecida hoje em dia: The Avalon Hill Game Company. O controlo da TAHGC foi sempre efectuado por Eric Dott e depois pelo seu filho JAckson, conhecidos como Papa Dott e Baby Dott. Os maiores responsáveis pelos anos dourados que se seguiram, foram os seus directores Tom Shaw e mais tarde Don Greenwood, que orientaram a linha editorial da AH quase até ao fechar da loja.

Um dos sucessos da AH deve-se a ter tornado acessivel ao público em geral de trazer por casa a capacidade de jogar wargames em cima da mesa da cozinha, que escusava assim o jogador de se meter nos wargames de figuras, popularizados desde o tempo do H.G.Wells (o popularizado escritor de A Guerra dos Mundos) no final do século XIX, mas que obrigavam à utilização de miniaturas para representar os exércitos e a ter terreno 3D (como se ve hoje em dia nas miniaturas de comboios), e a ir além de pequenas batalhas com poucas centenas de miniaturas, até campanhas que podiam modelar todo um conflicto. Com base nestes jogos a AH apressou-se a explorar quase todos os conceitos e temas de jogos de tabuleiros imagináveis, desde os jogos recreacionais e de família até às simulações de desporto, sendo estes últimos que a sustentaram sempre.

A AH foi pioneira em quase tudo quanto tenha a ver com jogos de tabuleiro, sendo só rivalizada nos finais dos anos 70 pela SPI. Entre os conceitos que tornou comum encontram-se a utilização da grelha hexagonal, zonas de controlo, movimentos ponto-a-ponto, CDG's, tabelas de combate, efeitos de terreno no movimento, tabuleiros de jogo montados, entre muitos outros. Também esteve na linha da frente com uma revista (The General) para promover o hobby e a venda dos seus produtos, que se manteve num formato bi-mensal durante 32 anos. Numa altura pré-internet, a revista The General servia de ponto de encontro dos apreciadores dos jogos da AH, promovendo os jogos por correio (PBM), a procura de jogadores, e a criação de um ranking internacional dedicado a todos os jogos, o AREA. E não foi só na área dos wargames que a AH se tornou a referencia contra a qual todas as restantes editoras se mediam, também em jogos de comércio, intriga, desporto, etc. Exista um tema e é raro a AH não ter criado um jogo que o trate.

Enquanto muitos hoje em dia pensam na AH como uma editora exclusiva de wargames, esta também foi responsável por lançar e promover clássicos que ainda hoje se vêm publicados, como o incontornável Diplomacy, Titan ou o 1830. Com a aquisição da linha de jogos da 3M, em 1976, passou a produzir e promover jogos como o Acquire, que só então passaram a ficar conhecidos. Em paralelo e pela mão do Don Greenwood, lançou uma série de convenções anuais para promover os jogos de tabuleiro, como seja a Avaloncon, que hoje em dia é conhecida como a World Boardgamming Championships, a maior e mais importante convenção mundial de jogos de tabuleiro.

No entanto, e segundo os criticos, a AH fechou-se no seu modelo de negócio e estagnou durante quase 20 anos, falhando incrivelmente as mais variadas tendências do mercado, chegando ao RPG tardiamente e com produtos de baixo nível, nunca entrando realmente no mercado dos CCG's, e gastando a sua reputação na tradução directa de vários titulos de jogos de tabuleiro para PC, em produtos de muito baixa qualidade, mesmo para os níveis de então. E o fim de uma era, em que um jogo de tabuleiro começava com uma produção de 10 mil unidades, aproximou-se a passos largos. Entre outras tendencias do mercado, o gigante dos jogos de tabuleiro não viu o aproximar dos jogos online. E todos nós sabemos os milhares de milhões que hoje em dia essa área de jogos gera.

Com uma série de falhas e lutas legais à volta de titulos a serem passados para PC, a Avalon Hill encontrava-se em 1998 com um armazém cheio de caixas de jogos por vender, com uma série de titulos para PC que simplesmente não vendiam e com o volume de vendas a cair para níveis impensáveis apenas 10 anos antes. O PC tinha chegado e estava a afastar os jogadores da mesa para o écrân. Para quê estar uma tarde de volta de um jogo em que as decisões demoravam 1 hora a que se juntavam 2 horas de cálculos de valores, se o computador reduzia isso a 1 hora de decisões estratégicas e tratava de todos os cálculos em 5 minutos.

A 4 de Agosto de 1998, um dos vários empregados acabados de ser despedidos - tudo aponta para ter sido J.C. Connors a meter a notícia no ar sem autorização -, colocava no website da AH a noticia de uma forma seca, que a Monarch Avalon tinha vendido a sua divisão de jogos (conhecida como TAHGC) à Hasbro por 6 milhões de dólares, ao mesmo tempo que tinha despedido a maioria da equipa criativa. A Monarch nesta altura por cada dolar que investia nos jogos de tabuleiro, estava a ter um retorno de 66 cêntimos. Face ao buraco financeiro em que a AH se estava a tornar, só os mais descuidados foram surpreendidos pela noticia.

O fim da era dourada dos jogos de tabuleiro orientados para um público adulto chegou sem se fazer notar. Empunhando bocadinhos da bandeira dividida em pedaços, existem hoje em dia pequenas editoras que conseguiram os direitos para alguns dos jogos anteriormente publicados pela AH, como sejam os casos da Multiman Publishing (MMP), da GMT e da Valley Games, para além de publicarem novos jogos. No grande vazio deixado pela AH, apareceram ainda os jogos alemães, orientados também eles para um público adulto. A influência em todos eles da AH é mais ou menos palpável, mas sempre inegável.

O legado da época dourada da AH, traduz-se directamente hoje em dia nos cobiçados Prémios Charles S. Roberts que distinguem anualmente a excelência nos wargames históricos.

O Pai foi o Charles, a Mãe foi a Avalon, e todos nós sempre que jogamos fazemos com que a sua prole passe à próxima geração.

Manuel Pombeiro
aka Firepigeon
LUDO ERGO SUM

Nota: para quem gostar de ler um pouco sobre o que foi a Avalon Hill recomendo vivamente as seguintes geeklists no BGG: My Four Years at Avalon Hill pelo Alan R. Moon e My days at the end of Avalon Hill pelo J.C. Connors.

Este artigo apareceu originalmente na coluna A Fortaleza no site TuJogas, e é apresentado aqui como homenagem a quem desapareceu deste mundo no passado dia 20 de Agosto. Que os dados nos sejam sempre favoráveis Charles.

E que infelizmente acabou em mais uma trademark da Hasbro. A AH teve anos de glória, depois sofreu o impacto de diversificações mal sucedidas (para os rpgs), do fim da guerra fria e do quadro de referência em que se movia muita da criatividade gamística dos anos 70 e 80, e da secundarização da mesa face ao teclado e écram. Hoje é triste visitar o sítio da AH e ver o que por lá resta.

Pergunto-me se resta alguma das grandes empresas de jogos de tabuleiro (fundamentalmente jogos de guerra) da época de ouro ainda existe e é produtiva.

Sérgio Mascarenhas

A grande rival da altura era a SPI que acabou absorvida pela Decision Games. A MMP ficou-se com todos os direitos do ASL, e mais uns quantos titulos. A GMT agarrou também uns quantos. A Valley Games de vez em quando consegue agarrar os direitos de um ou outro jogo para fazer o reprint.

Existem uma catrefada de titulos da AH que a Hasbro está sentada em cima sem lhes fazer nada, outros que os autores automaticamente ficaram com os direitos aquando da aquisição, e ainda muitos que parece que ninguém sabe quem é o detentor actual dos direitos.

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A Yakinto ainda existe mas há muito que deixou de publicar jogos de tabuleiro. Continua a dedicar-se, e é curioso, à produção de materiais para jogos.

A Hasbro tem um catálogo imenso de produtos que não sabe, não quer ou acha que não é económico utilizar. Não é só a AH, a TSR e a WotC, há mais umas quantas editoras que tinham sido compradas por estas.

Há razões para isto. Aqui há tempos estive a tentar perceber a economia dos jogos e fui ver os R&C da Hasbro e da Mongoose (porquê esta? Porque é uma editora de rpgs e apenas destes que publica dados reais da sua actividade). Para chegar aos dados do D&D só por dedução e «adivinha educada». Ora esta apontava para o facto de que o D&D não deveria vender muito mais do que a Mongoose... Eu podia estar a atirar para o lado mas penso que não, parece-me que o D&D vale muito menos do que por aí se pensa. Se isto é assim do D&D, o que não será dos jogos de tabuleiro?

Sérgio Mascarenhas

Ve este artigo que escrevi à tempos no TuJogas:[url=https://www.tujogas.com/P/artigo_view.cgi?artigo_id=142]O Monstro dos Jogos[/url].


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Bom artigo, embora eu não seja muito crítico da estratégia de negócio da Hasbro, mesmo se me deixa amargos de boca como consumidor. O mesmo, aliás, quanto à Mattel. (A transformação dos Action Man da minha infância nos blocos de plástico disformes do presente é uma desgraça.)

Mas isto de lógicas capitalistas e das suas consequências, não há que apontar o dedo apenas aos gigantes como a Hasbro. A AH também andou a armar-se à grande empresa capitalista do quintal dos jogos de simulação. No campo do rpg, entrou num negócio com a Chaosium para que não teve unhas. No domínio das miniaturas, comprou a Ral Partha e, inadvertidamente, matou um dos poucos concorrentes da GW com algum potencial (e melhores minis).

Quando tiver tempo vou desencantar os R&C da Hasbro e postar por aqui uma leitura do ponto de vista de um amante de jogos de simulação.

Sérgio Mascarenhas

Só uma nota para assinalar que a AH desapareceu mesmo. Até há algum tempo atrás ainda existia como empresa ou ao menos como marca da Hasbro dedicada aos jogos de tabuleiro. Acabou-se. Os jogos de tabuleiro da marca AH foram integrados na Wizards. Faz sentido, diga-se de passagem.

Porém... a Wizards apenas reconhece na sua primeira página uma das linhas de jogos que herdou da Avalon Hill, a Axis & Alies. Isto dá a entender que quase todo o pouco que ainda restava da AH na Hasbro foi terminado.

Por outro lado, resta saber se isto significa que a Wizards ficou com a gestão do catálogo de jogos AH, existentes e passados. E a questão de saber se a Hasbro estaria disponível para vender a marca Avalon Hill...

Sérgio Mascarenhas