Neste grupo, este deveria ter sido o primeiro tópico para esclarecer, a quem não conhece o género, o que é wuxia. Fica aqui este artigo que vou duplicar nos Artigos deste site para dar uma maior visibilidade. Muito se fala de wuxia, mas a tendência das pessoas é considerar filmes wuxia como unicamente filmes com wire-fu e muitas artes marciais, quando na verdade essa é apenas uma parte do que é wuxia. O género wuxia é mais complexo e este artigo destina-se a esclarecer o que é para os menos iluminados.
WUXIA, O QUE É?
Muitas vezes, damos mais importância a wu e pouca importância a xia.
Wuxia (Uu-chía) significa literalmente "heróis de artes marciais" e está para os Chineses como Fantasia (no sentido Tolkien, Robert E. Howard e outros) está para o Ocidente. Wuxia é um género com uma vasta e antiga tradição na cultura Chinesa e figura em todas as áreas da cultura popular. Este género é específico da China por causa da conjunção única de artes marciais (wu) com a filosofia Xia (homem e mulher cavaleiro). Cavaleiro aqui não tem o mesmo sentido que no Ocidente mas é uma tradução aproximada dos valores morais destes heróis que, à semelhança dos heróis dos romances de cavalaria da Idade Média, lutam a favor dos fracos e oprimidos. Ao contrário dos cavaleiros, um xia poderia ser tanto de origem nobre como humilde, vagueando em busca de aventura.
O xia tradicional é um homem/mulher que luta contra a injustiça, muitas vezes governos ou oficiais corruptos. Honrado, a sua palavra é inviolável, e a sua reputação mais importante que a própria vida. Mais ainda, um xia é um mestre de artes marciais que não hesita em recorrer às suas capacidades para defender a sua causa. No cinema ou literatura moderna, esta é a versão idealizada dos xia. Historicamente e na ficção mais tradicional, os xia são menos românticos. Aqui, poderão ter motivações mais dúbias como a vingança, fama ou riquezas.
O SISTEMA DE VALORES
Os oito atributos comuns pelos quais os xia se regem são altruismo, justiça, invididualismo, lealdade, coragem, honestidade, a recusa da riqueza e a sede de glória. Exceptuando o individualismo, todas as restantes características derivam de Confúcio. Outro conceito importante para alguns xia é a vingança. Embora muitos xia sejam influenciados pelo Budismo que preza o perdão e compaixão, alguns xia aliam o sentido de justiça ao de vingança. Este código é de tal maneira respeitado que os xia estão dispostos a morrer por ele. Para além disso, mesmo os vilões xia respeitam parte deste código e não é incomum ver os vilões agir de modo honrando em determinadas ocasiões. A lealdade é também bastante importante, bem patente na noção de irmãos de sangue, e baseia-se no princípio da reciprocidade. Um xia que não fosse tratado com respeito não se sentiria na obrigação de reciprocar o acto.
Mas o que distingue os xia da sociedade é o seu individualismo e a sua vontade em usar a força (artes marciais) para atingir os seus objectivos. Os xia eram tanto admirados pela sociedade como considerados marginais devido ao seu desprezo por determinadas convenções sociais. Uma dessas convenções é a família (uma das tradições mais importantes para os Chineses). Muitas vezes, os xia davam mais importância à lealdade pessoal do que à lealdade para com a família. Isto era uma grave violação dos escritos de Confúcio. Para piorar a situação, muitos xia demonstravam desprezo pela autoridade, violando a relação governante-súbdito. Isto resultava não só do facto de muitos governantes seram corruptos como no sentido de igualdade da sociedade.
JIANG HU
Significa literalmente "rios e lagos" e constitui o universo paralelo de wuxia - um mundo alternativo de guerreiros de artes marciais que se congregam em seitas, escolas de artes marciais e clãs. Originalmente, referia-se aos lugares recônditos onde os hermitas viviam - longe da civilização, na natureza, o mundo dos rios e lagos. Mais tarde, tornou-se uma metáfora para o mundo onde todos aqueles que, por uma razão ou outra, vivem à margem da sociedade - foras-da-lei, prostitutas, guerreiros de artes marciais, bandidos, xia, aventureiros, cultistas, rebeldes, etc. Passou também a incluir monges e padres quando estes se envolviam em aventuras wuxia. O Jiang Hu inclui o Wulin.
WULIN
Enquanto o Jiang Hu tem bases históricas, já o Wulin existe apenas no mundo da ficção e é o termo usado para descrever o Mundo das Artes Marciais. Este é o mundo descrito por autores como Jinyong e Gu Long, no qual os xia dedicam as suas vidas a aperfeiçoar as suas artes marciais, a lutar pela justiça, verdade e as virtudes Confucianas. Xia mais materialistas procuram a glória, fama e riqueza. O Wulin está incluído no Jiang Hu e pode dizer-se que todos os membros do wulin pertencem ao Jiang Hu mas nem todos os membros do Jiang Hu pertencem ao Wulin.
ARTES MARCIAIS
Apesar de wuxia se basear em artes marciais verdadeiras, o género eleva o poder destas artes ao níveis fictícios. Assim, algumas das capacidades demonstradas pelos combatentes são:
- a utilização de sequências de movimentos codificados conhecidos como zhao com capacidade para defrontar inimigos armados.
- a utilização de objectos diários como pincéis, ábacos e instrumentos musicais como armas letais, e a utilização de armas com precisão mortal.
- a utilização de qïnggong, ou seja movimentos rápidos e leves, que permitem subir paredes, saltar sobre a água, ou saltar acima do normal. Isto é mais conhecido nos filmes como wire-fu onde os actores são suportados por fios para dar a impressão desta leveza.
- a capacidade de controlar a força interna mística conhecida como qi (chi) e que serve para atacar, defender ou obter capacidades sobre-humanas.
- a capacidade de usar acupressão que significa usar um dedo, cotovelo ou arma para tocar nos pontos de pressão corporais do oponente para matar, paralizar, bloquear as artes marciais, etc. Isto baseia-se em práticas reais Chinesas.
Consistente com as crenças Chinesas da relação entre o sobrenatural e físico, estas capacidades estão ao alcance de qualquer um, desde que estejam dispostos a dedicar o seu tempo a estudos rígidos e prolongados. Na ficção, as artes marciais são substancialmente fictícios embora exista a crença de que já existiram outrora e que o seu conhecimento se perdeu com o passar do tempo. Umas das teorias mais populares para explicar porque é que hoje em dia não se consegue atingir o nível de poder de outrora tem a ver com método de transmissão do conhecimento do mestre (shifu) para o discípulo. O mestre retinha sempre o último capítulo do conhecimento para que o discípulo não fosse tão poderoso quanto ele. Durante sucessivas gerações isto foi acontecendo até aos dias de hoje. Esta teoria, no entanto, e por popular que seja, tem poucas bases reais.
HISTÓRIAS
Geralmente, as histórias são histórias de aventura com fortes elementos culturais e contexto histórico. As intrigas diferem de autor para autor. Uma das mais comuns apresenta um jovem protagonista (geralmente do sexo masculino), na China Antiga, que sofre uma tragédia (a perda do mestre ou da família), ultrapassa obstáculos e atribulações imensas, estuda artes marciais com um grande mestre ou consegue obter um manual raro de artes marciais. Eventualmente, o protagonista emerge supremo no mundo das artes marciais.
Outra história pode incluir um herói já extremamente capaz que enfrenta um inimigo igualmente poderoso. A história descreve todo o conflicto até que o herói sai glorioso.
LITERATURA
Escritores wuxia importantes incluem:
- Jinyong
- Gu Long
- Huang Yi
- Wen Rui'an
- Liang Yusheng
- Sima Ziyan
- Xiao Yi
Destes, o mais famoso é sem dúvida Jinyong que é considerado o Tolkien da China. As suas histórias, complexas e gigantescas que fariam da Guerra e Paz um livro de bolso, são a epítome do género wuxia, com relações complexas entre personagens, uma forte base histórica e excelentes histórias de aventuras.
FILMES
Alguns filmes wuxia mais acessíveis (os títulos em Português são incluídos quando souber a sua versão):
Se me tiver esquecido de alguma coisa, façam o favor de acrescentar que eu editarei o artigo.