O Rick colocou uma série de questões muito interessantes que respeitam à estrutura do jogo. Vou procurar responder a essas questões mas é de mencionar que são domínios em que ando a reflectir há muito, tendo escrito várias colunas para a RPGnet que são aqui relevantes. Para atalhar caminho, aponto para:
Uma coluna sobre o que é (era) para mim a estrutura ideal de um jogo em termos de livros https://www.rpg.net/news+reviews/columns/ruleslaw26jul01.html
Outra coluna sobre como entendo (entendia) que deve ser estruturado o livro de regras https://www.rpg.net/news+reviews/columns/ruleslaw30aug01.html
E uma coluna de enquadramento sobre como entendo o ciclo de desenvolvimento de rpgs, no fundo uma aplicação de ideias sobre o ciclo de desenvolvimento de produtos em geral, https://www.rpg.net/news+reviews/columns/ruleslaw28jun01.html
Bem, vamos às questões do Rick:
[quote]Eu já adivinhava que queres adoptar uma abordagem modular por isso, se for possível o primeiro módulo ser um cenário introdutório que se começa a jogar em cinco minutos com personagens pré-feitas, óptimo.[/quote]
Certamente. É um dos pontos que abordei numa das colunas para a RPGnet. A minha ideia é ter um capítulo introdutório com as ideias centrais do jogo, algumas personagens pré-criadas, mecânicas simplificadas e um cenário introdutório. À imagem de um dos meus jogos de referência, o Toon ou do livrete com o BRP do meu primeiro rpg, RuneQuest II ou ainda da edição vermelha do D&D básico. Este «pacote» introdutório pode até ser oferecido como introdução ao jogo ou acoplado aos cenários para permitir jogar os mesmos sem o jogo todo. É uma questão a pensar no devido momento.
[quote]Pessoalmente, tenho curiosidade em saber mais sobre como se pode construir um jogo verdadeiramente modular.[/quote]
Eu vejo três tipos de modularidade: temática, da complexidade e da estrutura de jogo. O Prince Valiant, por exemplo, organiza as regras em termos de modularidade da complexidade: regras básicas, avançadas, opcionais. É uma abordagem corrente nos jogos de tabuleiro ou de guerra. A modularidade temática separa regras de combate, magia, etc. É comum nos rpgs e tornou-se um design comum no marketing dos jogos de mesa. A modularidade estrutural respeita à organização do cenário em função da complexidade de enredo, duração do jogo, etc. Aqui o jogo de referência é o Toon com a sua divisão entre «short stories» e «feature films», herdada – e bem – da técnica do cinema.
Eu sou fã da modularidade da complexidade. Acho que é um erro enorme atirar-se para a mão dos jogadores livros densos onde é preciso ver o todo antes de começar a jogar. Do meu ponto de vista, a apresentação do jogo deve seguir o seguinte ciclo:
1º a versão simplificada de teste, só para os jogadores entrarem no jogo ou verem se é jogo para eles.
2º as regras básicas, apreensíveis em pouco tempo e adequadas para o jogo ocasional.
3º as regras avançadas para os jogadores dedicados que jogam regularmente.
4º as regras opcionais para serem usadas conforme o gosto de cada jogador ou grupo de jogadores.
Sou também fã da modularidade temática mas é fundamental que um sistema de jogo tenha cobertura para os temas centrais da ficção de referência… e apenas desses.
E sou fã da modularidade estrutural, o que é uma questão bem mais complexa pois só se resolve com um conhecimento profundo da técnica narrativa nas suas várias formas (cinema, literatura, teatro, BD, etc.), e da sua adaptação ao rpg que está longe de ser linear. Ora neste domínio há muito pouco trabalho feito com profundidade.
[quote]Suponho que não seja só uma questão de criar o RPG normalmente e depois fazer uma versão mais simplificada e outra mais intrincada.[/quote]
Não, de facto. O ponto de partida é ter-se um plano completo do que se quer no jogo. Depois, definem-se as interrelações em termos temáticos e de complexidade. Essencial é também ter-se uma boa ideia dos princípios básicos que guiam todo o desenvolvimento do jogo. O que está em causa é uma articulação do todo em função da sua utilização e da forma como se pretende que os jogadores joguem.
[quote]Sim, mas aqui a simplicidade não tem total prioridade, senão seria algo tipo rola um dado mais ou menos tantos dados e escolhe o dado mais alto ou mais baixo. Ou o habitual rola, soma tanto e compara ao TN. Ou o já conhecido tens de rolar igual ou abaixo ao teu atributo. Aqui há outras preocupações que passaram à frente da simplicidade do sistema. [/quote]
A questão da complexidade/simplicidade não se coloca apenas ao nível das mecânicas. Bem pelo contrário, eu penso que os jogos são por vezes muito e desnecessariamente complicados em alguns domínios (como a criação ou descrição das personagens) e excessivamente superficiais noutros domínios (como a gestão do cenário). Eu gosto de personagens simples e de mecânicas simples, mas que tenham o potencial de serem aprofundadas à medida dos interesses dos jogadores mas isto é algo que veremos com o desenvolvimento do projecto.
[quote]”As histórias do Alix são muito de investigação e de resolução de conflitos políticos”, sim, mas mais num sentido de exploração do ambiente do que num deslumbramento pela perícia investigativa ou capacidade diplomática das personagens, não é? [/quote]
De facto a perícia investigativa ou a capacidade diplomática são… básicas, superficiais, mas o foco também não está propriamente na exploração dos ambientes. O foco das histórias do Alix está nas emoções, nos conflitos de personalidade, nos sentimentos. As personagens envolvem-se em conflitos apaixonados e depois constroem enredos e intrigas para atingirem os seus fins. Muitos desses enredos e intrigas são secretos e é aí que intervém o Alix, no confronto para pôr fim a uma manigância em curso. Não é uma história policial em que o objectivo é descobrir o complô, é antes uma história em que este é mais ou menos evidente mas onde é preciso convencer as pessoas de que ele existe ou tentar convencê-las a não aderirem ao mesmo. Quer dizer, trabalha-se as emoções. São aspectos que vou tentar transpor para o jogo, daí as convicções.
[quote]Dá-me a impressão que o cenário é, de facto, mais importante que os protagonistas, o que coloca uma grande responsabilidade nos ombros do Cenarista.[/quote]
Eu diria que a grande responsabilidade está nos ombros de quem desenha o jogo… É o designer que tem que captar bem os tópicos centrais das histórias do Alix e transpor os mesmos para o jogo de forma simples e jogável (passe o pleonasmo). Se o fizer de forma adequada e se passar os conceitos para o Cenarista, este não terá dificuldade em cumprir a sua tarefa, sobretudo se ler com cuidado a BD.
[quote]”Eu acho que o jogo se deve centrar em personagens relacionadas com o Alix mas não neste. Assim como o César é a grande personagem mas não está no centro das histórias, o Alix pode desempenhar o mesmo papel para as personagens dos actores.”
É pá, mas assim estás a jogar o personagem secundário do personagem secundário Que tal os actores poderem encarnar os seus próprios "Alixes" em vez de orbitarem à volta dele? O Alix não é justamente um bom exemplo para um PJ? Do que tens visto, quando é isso que acontece em outros RPGs de material licenciado, qual é o problema que encontraste? De facto, esta necessidade de secundarizar os PJs pareceu-me estranha quando a li. [/quote]
O problema de jogar o Alix é a interacção entre as histórias vividadas pelos actores e as histórias da BD. É resolúvel mas pode criar problemas aos jogadores. Aliás, a questão coloca-se de forma algo semelhante ao escritor de ficção. Por exemplo, no livro publicado pelo Público na semana passada, Vercingetorix, o verdadeiro protagonista não é o Alix, é Vercingetorix. Este é uma personagem histórica que o Jacques Martin tornou personagem de ficção. No fim ele deu uma boa volta para integrar a ficção na história de tal forma que a sua história alternativa não entra em conflito com a história real. O problema é que ele não pode repetir isto muitas vezes com uma única personalidade histórica. Pode fazê-lo mudando de personagem histórica mas é muito difícil manter a coerência entre ficção e história se toda a ficção se construir em torno de uma única personagem histórica. Ora um problema semelhante se coloca entre rpg e ficção do Alix. É possível jogar um cenário em que o Alix é o protagonista e preservar a coerência com a história do Alix narrada nas BD. É muito mais difícil fazer o mesmo para uma sucessão de enredos de rpg tendo o Alix como protagonista.
É por isto que eu penso que a melhor solução é um jogo em que os protagonistas são personagens outras que interagem com as personagens históricas e com as personagens de ficção.
[quote]A mecânica de resolução vai então ser scene-based?[/quote]
Não. A ideia de estrutura é a seguinte:
Cenário de base, o ponto de partida do jogo, a situação inicial. Na prática define quem são os participantes e quais os seus objectivos, necessariamente antagónicos para que haja conflito que precise de ser resolvido. É a partir daí que se desenvolve o enredo que chegará ao fim com a resolução do cenário de partida, num sentido ou noutro. Essa resolução ocorre na cena chave, o clímax.
Entre o cenário de partida e o clímax ocorre um número variável de cenas. Cada uma delas permite avançar o enredo em direcção ao clímax. Em termos de rpg, uma cena é uma situação de jogo, um conflito local. Num jogo de D&D, por exemplo, é uma sala num dungeon, um encontro.
Cada cena tem de ser resolvida e essa resolução faz-se por uma sequência de acções. Em rigor, podem existir cenas que se resolvem com uma só acção mas normalmente exigem mais de uma. Naturalmente, o clímax como cena que resolve o enredo deve ser a cena mais complexa.
As mecânicas de jogo intervêm ao nível das acções, não são mecânicas de cena. O que é essencial é que as mecânicas sejam pensadas em termos da estrutura ( acção » cena » enredo ). Por exemplo, o que é importante não é matar o NPC X, o que é importante é, qual o impacto da morte do NPC X no desenrolar do enredo?