As regras
a 2009-12-03 por Mallgur
Voltando um pouco ao primeiro número desta coluna, um dos títulos possíveis para a mesma chegou a ser "O que faz um jogo?"...
A ideia da coluna é falar sobre os vários aspectos dos jogos que nos levam a apreciá-los ou não, por isso uma observação global dos seus artigos poderia conduzir a uma visão do que constitui e define um jogo.
Mas afinal o que é, de facto, um jogo?
Pesquisando pela web poderemos encontrar múltiplas definições, mas em todas elas existe uma referência a regras. As regras são um elemento essencial e determinante de um jogo e, por isso mesmo, um dos mais importantes na definição não só da natureza mas também da qualidade do mesmo.
Nesta perspectiva torna-se evidente que a apreciação de um jogo é condicionada, se não mesmo determinada, pelas suas regras e pela forma como as mesmas estão estruturadas e são apresentadas.
Por um lado temos a questão da definição do regulamento que constitui a base, ou maior parte, do desenvolvimento de um jogo. As regras determinam os objectivos de cada jogador, a forma como pode proceder durante o jogo na prossecução desses objectivos, os recursos que lhe são fornecidos para o fazer e as recompensas ou penalizações que correspondem a cada uma das opções e actividades que decida fazer enquanto joga. Em alguns casos podemos mesmo dizer que o jogo não é mais que um conjunto de regras. Por exemplo, o jogo das escondidas praticado por quase todos nós em criança, não tem componentes para além dos próprios jogadores e o tabuleiro, ou área de jogo, será limitado apenas pela vontade dos jogadores. Poderia jogar-se às escondidas pelo mundo inteiro...
Esta definição de regras acaba por ser o principal motivo porque louvamos ou criticamos os jogos de que gostamos ou não. No fundo, aquilo que nos leva a gostar ou não de um jogo são as suas regras. Podemos, como defendo na edição anterior desta coluna, gostar mais ou menos de certos componentes, podemos achar que um jogo é prejudicado por estes ou que está sobre-produzido mas se as mecânicas, interacção e desafio forem agradáveis, ou terríveis, tudo o resto se torna secundário. E as mecânicas, interacção e desafios são o resultado directo do que é imposto pelas regras.
Outro aspecto importante é a forma como as mesmas são transmitidas aos jogadores.
Quando temos o luxo de poder contar com alguém que nos explique o jogo, a forma como o faz pode ser facilitadora do entendimento e da apreciação do mesmo, ou ter o efeito oposto. Da mesma forma, o modo como está escrito um regulamento pode ser um elemento benéfico ou prejudicial à experiência resultante de o jogar.
Um jogo pode estar muito bem pensado, ser inovador, divertido e dar-nos um gozo tremendo mas se as regras estiverem mal escritas ou forem mal explicadas, o mais provável é que surjam dúvidas durante a partida, que se façam coisas erradas e que o resultado do jogo não seja o esperado.
Se isso acontece com apreciadores de jogos, haverá uma certa tolerância e até mesmo alguma curiosidade para descobrir a forma correcta de jogar e tentar de novo. Por vezes é assim que se descobre uma pérola onde antes se via um grão de areia sem valor. Mas se acontece com pessoas menos predispostas a investigarem e fazerem o esforço extra para descobrir como se joga correctamente, pode perder-se uma oportunidade e o jogo acabar os seus dias encostado a um canto.
Já tive experiências de ambos os casos, felizmente mais de sucesso que de erro.
A primeira vez que experimentei o Battlestar Galactica, não gostei. Na verdade as regras quase não me foram explicadas, ficando a introdução ao jogo praticamente reduzida a uma descrição dos componentes. Tentou-se a via do "vamos jogando que logo percebemos o que se passa", o que com este jogo não resulta. É um jogo demasiado longo para se passar a primeira meia hora a tentar fazer sentido das coisas e das acções dos outros jogadores. Mais tarde voltei a jogá-lo algumas vezes, com clarificações feitas sobre as noções que obtive à primeira vez, e agora consta na minha colecção e é, até ao momento, o melhor semi-cooperativo que conheço.
Existem várias aproximações à exposição das regras. Há quem opte por escrevê-las de forma muito estruturada, em títulos, secções e alíneas. Há quem opte por envolver a explicação numa espécie de narrativa ou diálogo. Existem, certamente muitas outras... Para não tornar este artigo demasiado extenso, opto por focar a minha atenção na aproximação humorística.
Recentemente adquiri o Savannah Tails, da Fragor Games e pude verificar que os criadores do jogo mantêm uma forma bem-disposta de escrever as regras dos seus jogos. Já o tinha visto em Shear Panic, Snow Tails e também o pude ver já no Antler Island.
A ideia é boa. Facilita um pouco a leitura que pode por vezes ser muito seca. Mas há que não perder de vista o objectivo de transmitir de forma clara e tão esclarecedora quanto possível as regras do jogo.
No caso de Savannah Tails, existem alguns problemas nesta área. A definição do traçado das pistas, por exemplo, deveria dizer que cada uma das linhas coloridas deve ser contínua, ou que as pegadas aí desenhadas devem ter sempre a mesma direcção. Ao falar apenas na possibilidade de virar os elementos que constituem a pista ao contrário para definir percursos mais ou menos complexos, leva a situações em que a pista se torna confusa e a problemas e entraves no desenrolar do jogo. Aconteceu-me na primeira tentativa com o jogo e depois a outros elementos que o tentaram também jogar. Sim, as regras são divertidas de ler, sim o jogo é interessante e bem concebido. Mas numa avaliação crítica as regras levariam uma nota apenas um pouco acima da negativa.
Este aspecto das regras é outro que me atrevo a pontuar. Creio que a forma como as regras estão escritas e apresentadas será normalmente apreciada da mesma forma pela generalidade dos jogadores. Alguns poderão preferir a forma estruturada, outros a forma narrativa, mas penso que nenhum as achará boas se tiver que colocar muitas questões nos fóruns online para descobrir como se joga correctamente.