Os componentes
a 2009-11-19 por Mallgur
A qualidade dos componentes de um jogo pode ser determinante para a experiência que se retira do mesmo. Creio que esta frase será consensual nos adeptos do hobby.
Mas o que são componentes de qualidade? Será uma questão de gosto pessoal? Será uma questão de funcionalidade? Será razoável produzir componentes de qualidade luxuosa mesmo para um jogo mecanicamente fraco? Será determinante serem certas peças feitas em madeira ou plástico?
Eu penso que a qualidade dos componentes é um dos pontos em que será mais fácil obter consensos num hobby onde é fácil encontrar opiniões fortes, convictas e divergentes.
A questão do gosto pessoal tem certamente um peso importante. Para mim as peças de Samurai da edição Hans Im Gluck são belíssimas. As da Ceilikan são, na minha opinião, horríveis... Gosto do minimalismo e das cores suaves e básicas da primeira e detesto o aspecto quase kitsch da segunda. Para além de achar que a edição alemã é mais adequada ao tema e época evocados no jogo, se visse as peças sem saber o que eram e qual a função em causa, preferiria as mesmas que prefiro apenas como objectos estéticos. Mas há quem discorde de mim e goste das peças da Ceilikan, começando por quem as desenhou e produz, claro.
Eu jogaria e tiraria prazer de uma partida de Samurai com a edição da Ceilikan? Creio que sim, mas se estivesse a escrever uma crítica ou análise a essa edição, esta orientação estética certamente pesaria de forma negativa na minha apreciação.
Estou consciente que na elaboração dos componentes da Ceilikan foram usadas reproduções de gravuras japonesas e que os artistas envolvidos estão familiarizados com a arte desse país. Mas gostos são gostos... Que hei-de fazer?
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À esquerda os componentes da edição Ceilikan (fotografia de Eduardo Alpendre - ealpendre no BGG). À direita os da edição Hans Im Gluck (fotografia de Terraliptar no BGG)
A funcionalidade, por outro lado, é bem mais consensual. Certamente que as peças da edição brasileira de Samurai servem bem os seus propósitos, afinal são apenas marcadores de um certo tipo de influência e, enquanto tal, o seu aspecto estético é irrelevante. Creio que também não será difícil que haja acordo em que a dificuldade de colocar os chapéus nas estátuas de Giants é um problema, mesmo sendo estes componentes esteticamente agradáveis e tematicamente integrados. É chato perder meio minuto a tentar encaixar uma peça na outra... afinal queremos jogar e não fazer puzzles 3D.
Há portanto que procurar um equilíbrio entre estética e funcionalidade. A máxima do design de que a forma deve seguir a função também aqui se aplica. Será um bom designer aquele que conseguir fazer peças esteticamente agradáveis enquanto apura a sua funcionalidade e ergonomia.
Sendo os componentes uma parte importante dos jogos, serão tão importantes que se sobreponham ao jogo em si? Será que uma edição de milhares de dólares de Monopólio, com peças em ouro e prata, dará uma melhor experiência de jogo a quem o joga? Será o Hive menos interessante se for jogado com peças feitas de forma amadora em vez das excelentes peças em baquelite?
Eu penso que não. Não será por jogar com canetas de luxo que o jogo do galo passará a ser interessante. Nem será por usar materiais de luxo que o monopólio passará a ser um bom jogo. Os problemas destes jogos são de natureza mecânica lúdica e não de componentes. O Hive deverá apresentar o mesmo nível de profundidade estratégico-táctica quer se jogue com o original, quer se use um set feito com porcas e etiquetas em papel.
Existe uma certa tendência para que a natureza dos componentes seja usada também na divisão entre jogos americanos e europeus. Eu não concordo com essa divisão nem, portanto, com a associação de componentes de um certo tipo ou material a qualquer um dos "campos". Penso que é mais um daqueles aspectos em que se extremam posições com muita facilidade e que, por isso mesmo, serve apenas para dividir uma comunidade que já de si é pequena e precisa de se manter coesa se quiser sobreviver e crescer.
Eu gosto de peças em madeira, em plástico, cartão, baquelite, papel ou em metal, desde que sejam funcionais e me permitam jogar o jogo de forma prazenteira. Esse prazer deve advir primeiro das mecânicas e desafios apresentados, só depois do toque ou estética dos componentes.
Finalmente, há a questão da durabilidade. Um jogo deve ter componentes que sejam adequados ao uso que irão ter. Cartas de papel espesso, com um bom acabamento, certamente permitirão maior longevidade. Um mapa de dimensões generosas, mas sem exageros que tornem difícil a sua montagem ou leitura facilita o fluxo de jogo e organização entre os turnos, mesmo que as ilustrações não sejam especialmente belas.
Tendo em conta estes aspectos, quando olho para um jogo e me preparo para escrever sobre ele num sentido analítico, este é um dos factores que me permito pontuar. Porque levo em conta a funcionalidade em primeiro e a estética em segundo, ou menos. Não penso que muitos vão discordar de mim se der uma pontuação alta a um jogo com componentes práticos, mesmo que os achem feios.