Perikles - Session Report/Review

O Costa decidiu, numa espécie de vingança tardia da final do Euro 2004, aniquilar a Grécia. E atacou onde mais doi - Atenas. Depois de a conquistar, e com o seu candidato e as suas influências bem distribuídas pela cidade, resolveu entrar em todas as batalhas por todos os tiles que existiam. Claro que, com Corinto, Esparta e outras que tais, foi tamanha a violência com que Atenas claudicou, que jamais haveria possibilidade de uma recuperação. Ele apanhava de um lado, do outro e do outro, sem saber de onde elas vinham. Resultado: Atenas perdeu por KO e ficou muito (demasiado) debilitada para os turnos seguintes.

A espectativa, depois do Kamikaze do Costa, de Atenas perdurar até ao final do jogo, era ínfima. A montanha de tropas que a cidade tinha perdido e que agora estavam empilhadas na margem do tabuleiro da Grécia era assustadora.

O Carlos estava à vontade. Tinha pegado em Esparta no primeiro turno e, com todo o poderio terrestre da cidade, conseguiu dois tiles de batalha. Era só aguardar pelo final do jogo para amealhar a enésima vitória. Eu e o Nuno esperneáva-mos e esbracejáva-mos com a intenção de sobreviver àquele banho de sangue que Atenas havia deixado para trás. Sabíamos que pegar no jogo naquela altura, era tarefa árdua, só ao alcance, quiçá, de um James Bond stirred not shaked.

O Costa, depois da tal inefável chacina, continuava a dizer que o jogo tinha muitas pontas por onde pegar, que não era jogo para ele, que é um Martin Wallace à antiga, que quase deixava o Princes of the Renaissance num infantário para miúdos jogarem.

No segundo turno lá íamos nós, novamente, colocar a nossa influência nas cidades e distribuir candidatos.

Eu tinha decidido, antes de conhecer a chacina do primeiro turno, que iria controlar Atenas no segundo turno, utilisando o meu tile especial de Perikles que me deixaria colocar dois cubos de influência extra na cidade. Depois da chacina, claro, se pudesse mudar de estratégia teria mudado. Mas não pude. Não havia alternativas. E portanto lá fui. Com uma armada poderosa mas sem possibilidades terrestres, tentei defender Atenas com unhas e dentes para tentar que o jogo não terminasse antes do terceiro turno. A tarefa era árdua.

O Nuno tentava agora conseguir algumas vantagens em relação ao Carlos, os dois únicos jogadores com possibilidade de vencer o jogo. O Carlos levava já uma vantagem importante mas estava muito mal posicionado para o terceiro turno (se o houvesse). O Nuno, num misto de ainda não sei jogar o jogo com um joguei sempre muito bem, lá ia, de boia ao pescoço, a tentar manter-se à tona. O Costa continuava na sua senda de vingança pela tal final do Euro e, como não conseguiu controlar cidade alguma, foi buscar as valorosas tropas da Pérsia. E tentou distribuir fruta.

Com mais uma derrota neste turno e Atenas, que já tinha sofrido três derrotas no primeiro turno, perdia o jogo e este terminava aqui. Como era eu o masoquista que supostamente deveria defender Atenas comecei a aceitar aliados de um e de outro lado, tentando aguentar estoicamente o que dali viesse. Mas não era fácil. Três combates por territórios pertencentes a Atenas, ou seja, um desgaste muito grande em várias frentes de batalha que, tirando o frio rigoroso, pareciam lembrar a invasão da Rússia pelo Hitler.

Resultado final. Atenas sucumbiu ao segundo ataque. Um violentíssimo ataque provocado pelas forças de Corinto que não tiveram respeito pela cidade da Democracia.

O Carlos, como se esperava, ganhou. Os outros não sei. Eu costumo ficar em último, o Nuno é o eterno segundo e o Costa ainda deve estar a tentar perceber o que lhe aconteceu. A fazer lembrar o Nuno que, quarenta e cinco minutos depois de estar a jogar Attika, ainda não percebia porque é que tinha de pôr aquelas rodinhas na mesa!

O Jogo

Perikles é um jogo de influência política com muitas intrigas, assassinatos e batalhas à mistura. O tema é importante. A guerra do peloponeso. Até eu tive de voltar a aprender história para perceber o jogo! Péricles foi um grande democrata e um grande líder da cidade de Atenas. Esparta era a grande cidade rival. Corinto uma das grandes aliadas. Atenas uma metrópole de meter inveja a Xangai. Bem, se calhar nem tanto, mas acho que percebem a ideia. A Grécia antiga aparece dividida em seis cidades-estado mais a Pérsia. O objectivo do jogo é que, cada jogador, consiga o máximo de influência possível em cada uma das cidades, para conseguir eleger os seus candidatos às eleições locais. Depois de elegermos os candidatos que conseguiram a maioria em cada uma das cidades, vamos disputar batalhas, entre todos, ou como aliados ou como inimigos, por forma a conquistarmos territórios inimigos ou mantermos os nossos sem danos.
Podemos dizer que o jogo se divide em três fases, todas elas relevantes. A primeira fase é a de escolha de tiles de influência.
No tabuleiro existem dez tiles com cores de cada uma das cidades-estado e que são escolhidos, à vez, por forma a executarmos as acções neles impressas - colocar dois cubos de influência na cidade em causa, colocar um cubo de influência e assassinar um outro cubo de um qualquer jogador ou colocar um cubo e sugerir um candidato para um espaço de candidatura livre de uma cidade qualquer.
Aqui começam logo as complicações. Aparentemente, escolher um de dez tiles pode não parecer uma tarefa difícil mas, isto é um jogo do Martin Wallace!
Como a escolha é feita por turno e até todos os jogadores terem 5 tiles, o timing da escolha de cada um destes tem de ser muito pensado e ponderado. Dos 5 tiles que cada jogador escolhe não se pode escolher, nunca, algum de cor repetida. Ou seja, se eu quiser vantagem em Atenas (tile azul) escolho um tile de Atenas, coloco lá dois cubos de influência (por exemplo) e depois já não posso mais escolher nenhum tile de Atenas. Conforme a ordem de turno, cada jogador pode ficar muito diminuido pela escolha de uma cidade errada onde jogar a sua influência.

Depois de cada jogador escolher os seus tiles de influência, começa agora a fase de sugerir candidatos. Também por turno, cada jogador vais fazendo subir para um espaço livre da zona de candidatos (existem dois por cidade) um cubinho seu ou de um adversário.
Quando se lê as regras começamos por achar mais ou menos esquisito podermos colocar como candidato um jogador adversário. Mas não é. Cada jogador que vence uma eleição, que fica a tomar conta das tropas dessa cidade, perde o número de cubos igual ao número de cubos que tem o segundo candidato naquela cidade. Ou seja, nesta fase, se eu conseguir colocar como adversário um candidato que só tenha um cubo na cidade, só perco um cubo. Ao contrário, se o meu adversário candidato tiver três cubos, eu perco três cubos. Portanto, sermos nós a escolher o nosso adversário, pode ser bastante proveitoso.

Depois de preenchidos todos os espaços de candidatura, aqueles que tiverem maioria em cada cidade, colocam uma imagem da sua cor no espaço de liderança da cidade(s), recebem as tropas dessa(s) cidade(s) e partimos para a fase de batalhas.

Nesta fase das batalhas, luta-se por pontos vitória. Existem por turno sete tiles. Cada tile tem uma cor idêntica à da sua cidade-estado, uma ordem de combate (primeiro, combate de exército, segundo, combate de armada, por exemplo), bem como um determinado número de pontos vitória. Claro que um jogador que seja líder de Corinto não pode atacar uma cidade que pertença a Corinto. Pode defendê-la mas não a pode atacar. E isto acontece com todos os tiles.
Depois, cada jogador pode, por turno, colocar até dois tokens de uma das tropas que representa numa determinada zona de batalha (exército ou armada).
As batalhas depois são resolvidas com um sistema de probabilidades muito original. Existe uma tabela que nos diz se o atacante ou o defensor vão jogar com o factor de 2:1, 3:1, 1:1, + 2 ou -2. Ou seja, supondo que se vai resolver a batalha de exércitos relativa a um determinado tile. Viram-se as tropas, previamente colocadas pelos vários jogadores, nos locais designados e contam-se os pontos que estas somam. Se o defensor somar 6 pontos e o atacante 12, vamos lançar os dados com o factor 2:1 favorável ao atacante que, deste modo, vais ter de lançar os dados para atingir um número muito mais fácil de atingir do que o defensor. O atacante tem de lançar um 5 enquanto o defensor tem de lançar um 10. E é aqui que entra a sorte do jogo. Há algumas batalhas desiguais em que o factor sorte, realmente, pode exasperar o menos sortudo, mas estas são muito raras.
Martin Wallace consegue aqui mais uma brilhante fórmula de combate que pode deixar o mais criativo dos matemáticos algo invejoso.

Depois das batalhas resolvidas, os tiles são entregues a quem os venceu e são guardados até final do jogo, significando pontos vitória.
Por cada derrota que uma cidade tenha, é acrescentado um tile de derrota em cima do contador de pontos vitória da cidade em causa. A cidade de Atenas, por exemplo, tem 4 campos de pontuação, que valem 1, 3, 5 e 5 pontos. Se Atenas tiver uma derrota coloca-se o token de derrota em cima do primeiro 5. Se numa segunda batalha ocorrer mais alguma derrota de Atenas esta, passa a valer 3 pontos vitória para quem lá tiver colocado um líder.
E no final do jogo é só somar os pontos. O valor de cada cidade vezes o número de estátuas (líderes) que cada jogador lá colocou, mais o número de cubos de influência que estão no tabuleiro, valendo 1 ponto vitória cada cubo, mais os tiles das batalhas com os pontos vitória neles inscritos.
Tudo somado dá o vencedor de Perikles.

Arrisco dizer que estamos perante uma obra prima de Martin Wallace. De todos os jogos que já joguei este ano, Perikles parece-me o melhor.
Tem uma jogabilidade difícil, com uma curva de aprendizagem bastante pronunciada, joga-se em cerca de duas horas, e combina um determinado número de mecânicas de forma quase perfeita.
O tema está sempre muito presente em todo o jogo, à semelhança daquilo que Wallace já fez em Liberté e em Princes of the Renaissance, sendo que, na minha opinião, o único elemento que foge a esta colagem ao tema será o facto de podermos propor como candidatos jogadores adversários. Se pensarmos nisto com algum sentido prático e lógico, não parece plausível que aconteça mas, a bem da mecânica do jogo, entende-se perfeitamente esta forma encontrada, emprestando uma das armas mais eficazes e estratégicas de todo o jogo.
É inevitável que, pelo tema que foca a influência política, a valorização e desvalorização das cidades-estado, as guerras, com aliados de um lado e do outro da barricada, façamos comparações com Princes of the Renaissance. Embora já tenha jogado este várias vezes, ao contrário de Perikles, posso já afirmar que é um jogo melhor. Porque as dinâmicas apresentadas fogem ao leilão habitual e apresentam outras alternativas, muito diferentes e ao mesmo tempo consistentes entre si, tornando-o um jogo mais dinâmico e abrangente. Este, vai directinho para o meu top.

Material: 2.5/3 Interacção: 3/3 Mecânica: 3/3 Tema: 3/3 Estratégia: 3/3 Tempo/Diversão: 4/4 Regras: 0.5/1
Classificação: 19/20

Paulo Soledade

Grande report!! Sangue a jarros e a jorros, chacinas, massacres, genocídios, assassinatos, tudo coisinhas boas! Aposto que o Hugo Carvalho vai ficar fascinado por este, eheh.

Como costuma dizer um cinéfilo meu amigo, júri no Fantasporto: “este aqui dá para molhar o pão!” (no sangue, pois claro!)

Que o jogo é bom? É!
Se o jogo me enche as medidas? Não!
Não sei explicar, é demasiada intriga e politiquice para mim. Eu sou um gajo mais básico, gosto de dar um beliscão no rabo de uma gaja, gosto de uma boa alheira, sou um pouco pacífico de mais para intrigas políticas em cenários de guerra. Se calhar por isso também não gostei assim tanto de PRINCES OF RENAISSANCE, apesar de reconhecer (tal como neste PERIKLES) o virtuosismo do jogo.
Não sei explicar... Gosto muito do CAYLUS e do IM SCHATTEN DER KAISERS, ambos são também jogos densos e pesados, e jogo-os sempre que quiserem, mas estes Wallace's politico-militaristas fazam-me espécie. Se calhar é porque eu não sei jogá-los e assim perco um pouco a vontade de os jogar.

Seja como fôr. O jogo é bom e recomenda-se... pode bem ser um dos jogos do ano, vamos ver. É que esta noite é noite de IMPERIAL! Ehehheeheheh!

Feliz Natal a todos!

https://oblogdocosta.blogspot.com

[quote=soledade]As batalhas depois são resolvidas com um sistema de probabilidades muito original. Existe uma tabela que nos diz se o atacante ou o defensor vão jogar com o factor de 2:1, 3:1, 1:1, + 2 ou -2. Ou seja, supondo que se vai resolver a batalha de exércitos relativa a um determinado tile. Viram-se as tropas, previamente colocadas pelos vários jogadores, nos locais designados e contam-se os pontos que estas somam. Se o defensor somar 6 pontos e o atacante 12, vamos lançar os dados com o factor 2:1 favorável ao atacante que, deste modo, vais ter de lançar os dados para atingir um número muito mais fácil de atingir do que o defensor. O atacante tem de lançar um 5 enquanto o defensor tem de lançar um 10. E é aqui que entra a sorte do jogo. Há algumas batalhas desiguais em que o factor sorte, realmente, pode exasperar o menos sortudo, mas estas são muito raras.
Martin Wallace consegue aqui mais uma brilhante fórmula de combate que pode deixar o mais criativo dos matemáticos algo invejoso.[/quote]

Advanced Squad Leader utiliza o mesmo sistema na fase de Close Combat, bem como centenas de outros wargames, por isso o Martin Wallace não introduz nada de novo. Chama-se a isso CRT - Combat Resolution Table - baseado em comparação de forças e num wargame ou qq outro jogo bem desenhado os dados não são o random que 99% associa aos mesmos. Aos poucos vocês aprendem LOL!!!

Manuel Pombeiro
a.k.a.Firepigeon
LUDO ERGO SUM

Bom review! Embora não tenha jogado ao Perikles ainda, já joguei a todos os jogos do Wallace e posso dizer, sem vias de dúvidas, que o melhor para mim dele até hoje é o Age Of Steam. Esse jogo é mesmo, mesmo brutal. Do melhor Gamer’s Game que há.


“You can not escape me!” he roared. “Lead me into a trap and I’ll pile the heads of your kinsmen at your feet! Hide from me and I’ll tear apart the mountains to find you! I’ll follow you to hell!”

Estamos sempre a aprender, é verdade.

Não sou um wargamer, acho que nunca serei, então não conhecia o sistema.

Ainda assim, e do pouco que conheço dos eurogames, acho bem esgalhado o sistema e, quanto mais não seja, consegue, sendo assim, conciliar de forma muito interessante, os dois sistemas - wargame, eurogame.

 

 

Pá, eu também não percebi bem qual é a mecânica, mas não me parece um CRT.

Num CRT calculam-se as diferenças entre forças, sim, os tais 2:1, 3:1, etc, e depois rola-se uma vez, e consulta-se o resultado na coluna apropriada para a diferença entre as duas forças em confronto; este resultado indica que perdas (se algumas) vencedor e vencido sofreram, se alguém tem de recuar, se alguém é destruído, se alguém fica desmoralizado, etc.

Parece-me que aqui tanto defensor como atacante rolam dados, e estão a tentar bater números-alvo diferentes que são a única coisa que a tabela indica?

Tal como disse o ASL na fase de combate corpo-a-corpo é um dos que tem esta mecânica que após cálculo da proporção de forças ambos lançam os dados, e não é o único. E sim é um CRT que te indica qual o valor que necessitas de tirar (acima de ou abaixo de) baseado na proporção de forças presentes.

Manuel Pombeiro
a.k.a.Firepigeon
LUDO ERGO SUM