PTA: Heritage & Roborally & Amber

Bom, e foi mais um fim-de-semana em cheio! Abriram-se logo as hostilidades role-playísticas na sexta-feira à noite, com a segunda sessão da nossa série de PTA intitulada Heritage.

O Mendes falou brevemente dela aqui no seu blog. A minha opinião? Soube a pouco, pois claro. Limitámo-nos a concluir o episódio que tinhamos começado na semana anterior. Ou seja, quando os motores de toda a gente já estavam bem aquecidos e entusiasmados para percorrer as 24h de Le Mans foi exactamente quando parámos. Bom, mas o lado bom disto é que já nesta sexta vamos começar o segundo episódio e (em teoria) concluí-lo numa sessão, com o foco e concentração da parte dos jogadores que isso implica.

Da outra vez a coisa pareceu-me, no conjunto, mais interessante pois estávamos frescos de criar a série, o conceito, os personagens, o eleico secundário, os cenários, etc. Desta vez começamos com os motores “a frio”. De resto, a série é de “aventura” e desta vez limitámo-nos a fazer cenas num deserto perdido na terra de ninguém, bem longe dos nossos cenários pessoais, elencos secundários e, pelo menos no meu caso (não sei se os outros jogadores têm um ou não), dos nossos Nemesis. Basicamente, estávamos a jogar à aventura, à descoberta, ao mistério, quando acho que o esqueleto do jogo (e de uma série das que me dá gosto ver) é essencialmente os personagens e as suas issues.

Alguém quer saber do monstro da semana na Buffy?! Não, toda a gente quer é saber se a relação dela com X dura mais uma semana, e se ela derrota o monstro a tempo de ir ao baile de finalistas, e se ela consegue ao menos por um dia que seja viver a vida de uma rapariga normal (cujas problemas às vezes são bem mais complicados de resolver do que simplesmente despachar um vampiro), e toda a gente quer ver se é desta que a Willow ganha um pouco de confiança em si mesma, e se o Xander finalmente consegue encontrar uma namorada, e se vamos saber mais daquele lado perfeitamente humano do Giles que todos pensávamos que não tinha vida própria, etc. Basicamente, acho que é o único aspecto que falta à nossa série.

Ah, mas antes que me interpretem mal, eu tenho de dizer que foi uma sessão bem boa! Toda a gente interessada todo o tempo, toda a gente a contribuir todo o tempo, ideias boas a surgir de parte a parte, momentos de tensão, comédia, medo. O único problema, como diz o Mendes na Forge, é só e apenas que não foi uma sessão extraordinária, quando já nos apercebemos que há ali um grande potencial escondido mesmo por baixo da superfície, potencial esse que ainda falta minar e trazer à luz. A frustação é apenas ele estar tão perto e ainda assim fora do alcance.

Mas não está completamente fora do alcance. Temos tido aquilo que eu considero vislumbres regulares. As character scenes têm sido quase todas lindas, a única pena é serem poucas porque normalmente a primeira coisa que vem à cabeça dos jogadores (e não me estou a excluir do grupo) é pedir uma plot scene, pois para isso nunca falta inspiração (ou palpites dos outros jogadores). De resto, tenho adorado a liberdade de criar cenas e de as narrar. Até já estou a ultrapassar a minha relutância inicial em, como jogador, participar na narração e começa a adorar fazê-lo (na verdade até lhe sinto a falta noutros jogos!! leiam mais à frente). Nem sempre a consigo aproveitar a coisa da melhor maneira, mas já deu para reparar que aquilo que eu às vezes perco horas a fazer através de um texto de ficção posso fazer in-game em dois minutos.

Um exemplo prático, criei uma espécie de Kicker para a próxima sessão ali, na hora, no momento. Ocorreu-me subitamente que seria uma situação bem fixe de explorar para o meu personagem - que é um mercenário ganancioso e líder actual da equipa H1 - ver-se de súbito despedido por ter agredido o filho do patrão por causa de um assunto de saias (ambos andam atrás da mesma rapariga, e ele é o Nemesis do meu personagem, portanto é muito apropriado). Assim que chegámos ao final do episódio, era finalmente a hora de experimentarmos a regra do “Next Week On…” onde os jogadores e produtor descrevem todos, nalgumas frases, um pedaço de uma cena que querem ver incluída no episódio seguinte. Quando chegou a minha deixa, introduzi logo uma conversa telefónica com a namorada a dizer ao meu personagem que o patrão da Heritage o aceita de volta se ele pedir desculpas ao filho por o ter agredido. A resposta dele foi “Esse #$%#$& que se #$@%!”

Sempre quero ver o que vai sair dali, e jogar a cena de pancadaria, sobretudo para descobrir o que é poderia levar o personagem a agredir fisicamente o filho do seu patrão. Além disso, sendo a Issue do meu personagem a ganância e a falta de controlo que ele tem sobre o seu desejo por mais dinheiro e poder, despedi-lo parece-me ser o começo perfeito para introduzir o seu episódio de Spotlight, que será no terceiro episódio da série. Ou seja, vamos começar a aflorar o assunto e a preparar o terreno para o Big Bang.

Bom, e antes que o nosso produtor se assuste, eheh, obviamente que não quero manter o personagem fora da equipa por mais do que umas cenas. Sendo isto uma série de TV, obviamente que ele vai ter de voltar mesmo a tempo de ajudar os outros protagonistas em mais um caso bem bicudo e dar uma mãozinha para salvar o dia. A diversão vai ser exactamente descobrir o tamanho dos sapos que ele vai ter de engolir para voltar à equipe. E já agora saber se ele não aceita, enquanto está no olho da rua, umas “ofertas” de dinheiro que lhe vão sair bem caras num futuro próximo.

Estou deliciado. Fiz isto em alguns minutos, seguindo apenas as próprias regras e conselhos do jogo, quando a minha actuação normal seria perder horas a escrever um texto de ficção e depois pedir muitas desculpas ao GM para ver se ele podia colocar mais aquela bola em jogo. A melhor parte é que ainda vou poder jogar a situação In-Character, em vez de me limitar a escrevê-la. Brilhante!

Eu que chateio toda a gente com os Kickers acho que vou também começar a chateá-los com um “Next Week On…”!

E brilhante é também poder narrar uma cena mais pessoal quando se está minimamente inspirado. No final deste primeiro episódio tive ocasião de narrar a morte de uma NPC nos braços do meu personagem e de realmente personalizar aquilo e torná-lo mais intenso para mim. Não foi cinco estrelas, mas chegou pelo menos às quatro.

Agora falta começar a criar cenas e situações brilhantes durante todo o jogo, em vez de só irregularmente. Acho que à medida que todos nós nos sentirmos mais familiarizados com regras, premissa da série, personagens e suas Issues, que isso vai começar a ser mais fácil e natural. Neste momento toda a gente ainda fica com aquela cara, eu inclusivé, de “Mas que raio é que vou eu inventar agora?” quando lhe pedem uma cena.

Bom, mas isto foram duas horas da nossa noite. Acabado o episódio e depois de resistirmos à tentação de começar logo outro, passámos para um boardgame: Roborally. Já tinha ouvido falar muito dele, se não me engano até pelo nosso amigo além-mar Itiro, mas não fazia a mínima ideia que era assim. Pensava que eram corridas “violentas” de robots num circuito tipo F1. Estava longe de imaginar algo assim tão… diferente e original! Já fiquei fã, e para minha grande pena afinal sempre tinha razão, pessoal: o jogo está out-of-print há uns tempos. Felizmente, a Avalon Hill tem planeada uma nova edição já para este Verão, portanto não vou ter de esperar muito pela minha cópia.

Mas as minhas jogatanas de fim-de-semana não ficaram por aqui. Ontem (Domingo) houve mais uma sessão de Amber, yeah! Desta vez o meu momento alto assemelhou-se, curiosamente, a um ambiente que tenho visto aparecer no nosso PTA, em grande evidência durante a parte de criação da a série e depois irregularmente durante o jogo em si (e cuja grande frustação é exactamente não durar o jogo todo!). Eu tinha acabado de decidir que o meu personagem estava inconsciente (o que é sempre uma coisa que vai completamente contra quase tudo o que vem escrito num RPG normal onde há regras mais que fixas para decidir coisas assim) e outros dois PCs aproveitaram-se do facto para entrarem no interior da mente dele e procurarem algumas respostas para acontecimentos/comportamentos estranhos.

Chamo-lhe um momento PTA porque estava toda a gente em perfeita sintonia, dando palpites sobre o que podia acontecer a seguir, e o que é se podia descobrir, e o que é o seu próprio personagem podia deixar escapar involuntariamente para os outros. Lindo!

Além disso, nessa mesma parte, dei por mim a falar com a GM mais ou menos nestes tons: “Põe aí uma cena assim e assado”, “Lindo, mas ainda mais fixe se for uma mulher a morrer e não um homem!”, “Ei, espera, não podemos voltar atrás e ver o PC e ela beijarem-se apaixonadamente minutos antes de ele a matar com uma facada no meio do baile de máscaras?” Era como estar a pedir uma cena no PTA, excepto de forma mais atabalhoada e insegura! Felizmente a GM não tem qualquer problema com os jogadores a meterem-se em assuntos que outros GMs consideram sua propriedade exclusiva (até porque é isso que quase todos os livros ensinam que é a forma “certa” de jogar).

Também há uma coisa que resulta muito bem e que acho que podia beneficiar o nosso PTA e qualquer outra campanha com um foco narrativista, que é os jogadores bangarem-se uns aos outros, não num sentido pornográfico mas no sentido de criarem Bangs uns para os outros. Sim, porque às vezes o GM já tem muito com que se entreter e não pode ser criar fogos em todos os locais ao mesmo tempo. Estou a pensar nisso agora porque foi algo que o Jota andou conscientemente a tentar fazer nesta sessão para o meu PC; quase criava ali algo para rivalizar com o Big Bang que originou o universo, mas infelizmente os constrangimentos do setting não o permitiam inteiramente e acabou por acontecer apenas numa escala micro. A intenção dele acho que até é mais envolver o seu personagem na história do que propriamente aumentar a diversão dos outros, mas a verdade é que me pôs a pensar nisso.

Como já escrevi uma vez no velho blog, joguei muitos anos (e até bem recentemente), ao lado de um jogador que era um perfeito pioneiro nesta arte ainda mal-explorada de “bangar o próximo”. Fica prometido que vou tentar fazer o mesmo nas próximas de sessões de PTA; se tenho o poder de criar uma cena, posso ter um pouco mais de cuidado e criar algo com potência suficiente para colocar outro PC para além do meu em cheque, ou pelo menos cenas com pormenores, detalhes ou consequências que tragam um valor acrescentado a outros jogadores. Eu até tenho ideia de que muitos de nós bloqueamos em PTA quando nos pedem uma cena exactamente porque estarmos só a pensar no nosso personagem e no que lhe pode acontecer não parece correcto. Ajudará talvez pensar que estamos a contribuir para o grupo (será por isso que toda a gente pede tantas plot scenes, porque à partida envolvem logo o grupo todo e toda a gente tem sempre sugestões para isso?), nem que seja só um bocadinho, nem que seja uma insignificância. No mínimo dos mínimos, vou tentar que haja outros PCs presentes para interagirem com a cena sempre que pedir uma coisa mais pessoal como uma character scene.

De resto, parece que há novidades no horizonte próximo. Os planos para uma mini-campanha de Vampire: the Masquerade do António estão bem encaminhados e que talvez já daqui a duas semanas possamos andar pelas noites de Lisboa a sugar pescoços. Vamos ver o que sai dali!

E o Jota, como se sabe, está também pronto para nos catapultar para o futuro (mais precisamente 2300AD) para o meio de invasão alienígena em larga escala. Aposto que vai ser divertido… se os nossos personagens não morrerem durante a criação de personagem, como parece que podia acontecer na edição original cheia de gralhas do Traveller 2300, eheh. Ena, isso devia ser giro! :slight_smile:

Bom, e por esta semana é tudo. Fiquem bem, e joguem até se fartarem!

Olá.

Por acaso a minha intenção era envolver-te mais na história: dar-te lenha pra te queimares :slight_smile:

Houve outro bang interessante nesta sessão (aliás, foi uma sessão mto porreira). Aliás, tem havido uma série de bangs e contra-bangs nesta campanha de Amber que nos últimos tempos correu mais ou menos assim (este exemplo é one-sided, eu realmente não sei o que se passa na cabeça do jogador do Balthazar):

O Balthazar tem um plot para conquistar Amber (acho!);

O Collin (eu) tem uma responsabilidade de defender Amber;

O Collin vai atrás de informação sobre o plot do Balthazar, e descobre um artefacto crucial que talvez lhe permita chegar bem perto da verdade;

O Balthazar tem que escolher entre deixar o Collin à solta, esperando que ele acabe por desistir, ou expor-se, e acaba por escolher a segunda: destrói o artefacto mas deixando uma prova de que o artefacto é importante e de que o Collin anda perto (ou seja, expos-se);

O Collin tem que escolher entre manter um low profile (pode arranjar outro artefacto) ou confrontar o Balthazar, e escolhe a segunda: trás uma horda de 10 000 guerreiros e vem pedir satisfações ao Balthazar, o que o vai lixar no futuro aos olhos dos outros príncipes (ninguém gosta de um cabeça quente);

O Balthazar tem que escolher entre enfrentar este desafio de um “upstart”, ou baixar a bola (algo muito pouco natural no Balthazar) para controlar os estragos, e escolhe a segunda: consegue tirar a água do capote, mas a fraqueza dele pode dar ideias erradas a outros inimigos (olha o Balthazar a fraquejar, bate no gajo!); eu próprio fiquei surpreendido de ele não ter sacado da espada e desafiado o Collin para um duelo :slight_smile:

Etc., etc., e tudo isto em meia sessão de jogo (excepto a obtenção do artefacto).

Agora, não tenha a certeza se isto são bangs Narrativistas ou Gamist (mas porra eu fiquei FODIDO quando o artefacto foi destruído!); mas neste caso nós fizemos tudo com intervenções da GM pontuais, apenas para nos picar e nos fazer tomar decisões.

Aliás, uma boa parte desta sessão de Amber foi feita através de situações criadas por um jogador metidas na frente de outro; a pesquisa à mente do Ricardo foi decidida por nós mas orientada por ele, e no processo eu (o Collin) ainda teve direito a ver uma cena escolhida pelo outro (o Balthazar), que foi selecionada cirurgicamente (dizem) para me dar info suficiente para as minhas investigações se tornarem interessantes. Ou seja, o Balthazar tá-me a pedir um bang :slight_smile:

Eh pá, isto parece-me uma excelente maneira de fazer as coisas andar em frente num RPG em que não exista uma história pré-definida. Tem resultado nas melhores sessões que já joguei desde Cthulhu a D&D. O GM põe as coisas a andar, vê onde é que os jogadores podem interferir uns com os outros, e desafia-os a fazerem isso mesmo :slight_smile:

JP

Carry on… banging! :slight_smile: