Uma das dúvidas que me assolou depois de pensar no último post e que foi confirmado na resposta a um comentário à publicação duplicada na comunidade on-line Abre o Jogo, o tal acerca das Redes Sociais de Roleplayers, foi quem será efectivamente essa espécie rara de gamer, o Roleplayer?
Ao contrário das outras espécies de gamers, de boardgamers a wargamers e tudo o resto que nem me atrevo sequer a tentar enumerar exaustivamente, os roleplayers são poucos e obscuros. Houve quem alguma vez tenha escrito na rpg.net que o número de roleplayers na América seria igual aos apreciadores de Ópera ao Vivo, ou seja para aí 1% da população. Se tal fosse o caso em Portugal teríamos, de entre os 10 milhões de habitantes, 1000 jogadores prováveis pertencentes à tal rede. Eu pessoalmente já entrei em contacto com uns 20-30 desde que jogo e sei que existem pouco mais que esses em Portugal devido aos registos feitos no Abre o Jogo e informações em segunda-mão. Então onde estão os outros cerca de 900?
Realmente existem outros condicionantes que limitam em muito esse número optimista, além do facto da maioria dos grupos de jogos não terem presença visível na Internet porque não têm esse interesse ou inclinação.
Acho que a condicionante principal para um número reduzido é a natureza própria do Homo Ludus Personae. Salvo excepções (e existem sempre excepções), o roleplayer pertence a uma cidade grande ou com forte tecido urbano, num espaço que não lhe providencia muitas actividades ao ar-livre ou onde os hábitos de “brincadeira” são mais domésticos devido à falta da presença parental durante o dia ou à falta de confiança na segurança do ambiente exterior. Devido também a este facto consome muita literatura e filmes num espaço privado e demonstra um à-vontade com o inglês de quem já convive com ele há muito tempo onde a maioria dos jogos que joga se baseiam ou tentam emular pois o sempre tiveram como público-alvo. Tem tendências artísticas ou de criação literária e sente-se à vontade em partilhar as suas ideias em público e submetê-las aos escrutínio do seu grupo de amigos ou de pessoas que partilham os seus gostos. Gosta de uma actividade com pontos de contactos abstractos e cuja experiência não é replicável e mensurável ou até passível de crítica profunda dos seus pares além do seu grupo restrito jogadores/amigos. Tem um "vencimento dispensável” que decide gastar em livros caros e acessórios de jogo que não têm utilidade facilmente reconhecível pelos seus pares. Dentro de todos os possíveis meios de entretenimento imediatos, visíveis e acessíveis decide-se dedicar a um que lhe consome três a quatro horas semanais fixas, normalmente aos fins-de-semana, que depende da presença comprometida de um grupo específico de pessoas e que depende demasiado das ideias e estado de espírito desses participantes.
E estas são só algumas das características do roleplayers que encontrei por aí, no meu caminho. Provavelmente existe ainda este ou aquele aspecto de uma das características que enumerei que é passível de ser discutido. Mas mesmo assim, não admira que hajam poucos roleplayers! São mesmo poucas as pessoas que se encaixam neste perfil que mal defini…
Ainda hoje orientei a actividade que referi anteriormente com os meus alunos: uma sessão/estória completa de RPG, durante cerca de 3 horas, baseada na “Terra de Og" da Devir (“Land of Og” da Wingnut Games) e desenvolvida pelo grupo de pensadores brasileiros de RPG, Narrativas Iterativas.
O objectivo era fazê-los contextualizar o conhecimento que lhes foi transmitido sobre a vida do homem pré-histórico e da origem da formação das línguas humanas. Claro que o cenário proposto pela actividade não era de uma grande exactidão científica (o seu foco original era o ensino de Língua Inglesa) mas dava-lhes alguns pontos de contacto com o universo fictício que eram tanto imediatos como divertidos.
A maioria da turma participou entusiasticamente com gestos e uso criativo de palavras e acções tendo em conta resolver as situações problemáticas propostas. Contudo menos de um quarto desinteressou-se ou participou pouco. Um dos alunos era “co-narrador” a par do professor e o seu entusiasmo esmoreceu igualmente na segunda parte. Esta actividade usava regras muito simples e apesar de ter apenas uma habilidade especial por cada homem pré-histórico (poder fazer pinturas rupestres, dar saltos longos, conseguir fazer fogo, etc.) e um conjunto de 8 palavras conhecidas retiradas de uma lista de 50 (14 palavras para o membro mais inteligente da tribo e sua habilidade especial) que efectivamente constituíam a totalidade da ficha de personagem, desconfio que um jogo mais regras atraísse tanto a dedicação de todos. Em conversas paralelas sobre a origem da actividade apenas um ou dois ficaram mais interessados mas sem nada de definitivo combinado. E isto num “mercado” virgem de potenciais jogadores sem referências anteriores ou necessidade de compromisso a não ser o actividade imediata.
Talvez seja preciso aceitar mesmo que o número potencial de jogadores RPG será sempre reduzido e sempre em proporção com o tamanho da população já existente. Mesmo que a literacia, influxo de cultura pop e “vencimento dispensável” soba ou desça, este facto é uma constante. O que de certo modo só torna mais importante o reforçar dos “nós” da rede social de roleplayers.