Ahey, :)
Agora que já estabeleci algum do meu léxico, posso começar a responder a alguns pontos. A minha primeira resposta vai ser a estes dois pedaços de post:
[quote=LadyEntropy]porque é que simplesmente não saiu do armário e se admitiu como sendo o tipo de jogador que quer ter todos os poderes do GM mas nenhuma das responsabilidades ou do trabalho?
[...]
Há um nome para o síndroma de quem escreve coisas nesta linha (e com este tom) "GMShield-Envy". Tratam-se de pessoas que têm medo de serem lixadas (ou foram muito lixadas) pelo GM e não querem confiar nele. Ou então que apenas foram GMs toda a sua vida, e assim que são obrigados a largar o poder de GM ressentem-se e começam a choramingar que querem mais![/quote]
Pois. Não. Ao lado. O meu problema com o modo de jogo tradicional não é os poderes que eu tenho ou deixo de ter, ou que quero ou deixo de querer. Aliás, na grande maior parte das sessões de jogo que contribuiram para a minha opinião, eu era o GM. Acontece apenas que sentia claramente que estava a jogar sozinho. E nas sessões que eu tinha preparado em detalhe, ainda era pior: aí, sentia que já tinha jogado tudo antes, e que agora estava só a expôr os resultados, de forma mais ou menos automática.
Criatividade
Passo a explicar: Para estar funcionalmente sentado a uma mesa de RPG, é necessária uma boa dose de criatividade e imaginação, qualquer que seja o modo de jogo que se esteja a seguir. Como eu disse no meu post anterior, alguma dessa criatividade é directamente canalizada para o processo de role-play propriamente dito; a restante é posta ao serviço da construção e manutenção das ferramentas que cada participante quiser usar.
Para muita gente, isto é apenas um exercício de estilo. Se é a criatividade em si que nos diverte, porque é que nos havemos de nos preocupar com o facto de lhe chamarmos "processo" ou "ferramenta"? Porque, tal como eu disse no meu primeiro post, o processo de role-play é intrinsecamente social e partilhado. Ao colocar a fronteira nesse ponto específico, a implicação é que a criação de ferramentas, por muito divertida que possa ser, não é social e partilhada.
Partilha
Eu estou à mesa para jogar role-play. Se fôr só para criar personagens ou para criar histórias, consigo bem fazer isso sozinho, ou pelo menos, com um jogo de computador, tipo Dragon Age ou Mass Effect, jogos esses que eu considerei excelentes, aliás. Trata-se, no entanto, de partilha.
Claro que, entre qualquer um GM e qualquer um outro jogador não-GM, o nível de partilha é razoavelmente elevado. Acontece, no entanto, que é praticamente uni-direccional: o GM está lá para partilhar o máximo que puder sobre o que preparou, com o timing que entender adequado; o jogador, o máximo que consegue partilhar são as suas reacções aos inputs do GM.
Quanto ao nível de partilha entre dois jogadores não-GMs, esse é praticamente nulo, com excepção das situações de PvP. É quase como se ambos tivéssemos raquetes de ténis, mas em vez de irmos jogar ténis, vamos os dois jogar à parede para a mesma parede. Estamos a jogar o mesmo jogo, no mesmo sítio, ao mesmo tempo, mas não estamos a jogar um com o outro.
Autoridade
Não se trata de ter "todos os poderes" do GM sem ter as responsabilidades. (Aliás, esta afirmação nem sequer faz sentido: numa actividade estritamente voluntária, poder e responabilidade são sinónimos.) Trata-se de reconhecer que a distribuição de poder é particularmente assimétrica, e que há quem esteja descontente com isso, sem saber muito bem porquê.
Também não se trata de o GM ser ou não ser justo. O GM é só um. Por muito genial que seja, é definicionalmente impossível para um único indivíduo representar e apresentar à mesa a riqueza e complexidade de respostas e consequências possíveis para uma dada acção. (Às vezes, é suficientemete difícil representar e apresentar à mesa a riqueza e complexidade de reacções possíveis da parte de um único PC ou NPC, quanto mais de um mundo inteiro.) Ora se o role-play é um processo de partilha, porque é que não havemos de partilhar este processo de construção entre todos? Antes de ver alternativas plausíveis, a minha resposta a isto era porque não era necessário. Mas depois de jogar jogos como Dogs in the Vineyard ou My Life With Master, tornou-se-me imediatamente aparente que a riqueza das situações não está sequer na mesma ordem de grandeza quando o processo é distribuído. Como tal, trata-se de reconhecer que há quem esteja descontente com a falta de riqueza das histórias das suas sessões, e não saiba muito bem como é que há-de contribuir para a aumentar.
Por último, não se trata de confiar ou não confiar no GM. Se o objectivo é o mundo e a história integrarem as acções e propósitos dos jogadores, então, no mínimo, convém que o GM perceba quais são as acções e propositos dos jogadores. Ora, o GM não consegue ler a minha mente. Vai haver imensas alturas nas quais a "linguagem" que eu tenho, limitada ao actos e diálogos in-character do meu personagem, é insuficiente para traduzir os propósitos do personagem, quanto mais os meus. Trata-se de reconhecer que há quem esteja descontente por sistematicamente as suas acções não se traduzirem nos efeitos esperados, não por o GM ser injusto, mas simplesmente porque não têm maneira de pôr as suas expectativas em cima da mesa.
E já agora, trata-se de não haver motivo absolutamente nenhum para não confiar nos outros jogadores todos.
O Reverso da Medalha
Obviamente, também há quem não só aceite todas essas limitações, como as encare como os seus creative constraints, contra os quais exercitar os seus músculos criativos. Há até quem encontre grande satisfação na simples possibilidade de confrontar os seus constructs com os do GM e imaginar essa interacção na sua mente. That's all fine.
Simplesmente, há que reconhecer que isso não chega para todos. Principalmente, há que reconhecer que, por esse mundo fora, há muito boa gente que não sabe que tem alternativas.
Uma coisa, no entanto, devo conceder: o tom dos meus posts era bastante paternalista. Acontece que até foi propositado. Se tivesse postado num tom mais normal, duvido que o pessoal que não concorda comigo ainda estivesse a falar deles, mais de quatro anos depois de eu os ter escrito. ;)
Cheers,
J.