Ahey, :)
Right. Next bit. :)
[quote=LadyEntropy]O personagem é algo que o jogador tem controlo total. É o seu pequeno mundo é que ele decide sempre e a toda a hora o que acontece. Talvez se tenha de submeter às regras do grande mundo, mas, ei, não importa porque um jogador tem SEMPRE controlo do seu personagem, do pequenino grande mundo que alguém que é mais que um amontoado de números e palavras numa folha. Talvez o senhor João não saiba o que isto é, tão ocupado a olhar para a história e a querer poder interferir na história que esquece que existem outras coisas para além da história. Que, por exemplo, é perfeitamente possível passar várias horas apenas a explorar o mundo, ou a interagir.[/quote]
Vou dedicar-me a este parágrafo, poque me parece ser mais ou menos central à tua linha de raciocínio. Aliás, a linha de fecho do post é uma reiteração da primeira frase. Acontece, no entanto, que o parágrafo está apenas todo errado...
Controlo Total do Personagem
Comecemos por aqui: a afirmação de que um jogador tem controlo total sobre seja que elemento de jogo fôr é, à cabeça, falsa. Todos os elementos de jogo são partilhados e negociados, de acordo com o processo de role-playing. Mesmo sem ir para além das "regras do grande mundo", é mais ou menos trivial interpretar um personagem de modo disruptivo, que bloqueie o engagement de outros jogadores com o jogo.
Não, não estou a falar de ser um jogador abusivo de propósito. Estou a falar de inadvertidamente anunciar acções ou atitudes que, pura e simplesmente, não se enquadram na continuidade do jogo. Normalmente, re-estabelecer e gerir essa continuidade é o papel do GM, mas num grupo funcional, qualquer participante pode, e deve, pedir esclarecimentos ou sugerir alterações quando as coisas não fazem sentido no seu imaginário. Isto tudo sem falar nos Glamours e Charm Persons e outros exercícios de controlo partilhado forçado...
Sim, eu sei, o controlo ou falta dele da entidade personagem não é realmente o issue central deste parágrafo. O issue central aqui gira à volta da criatividade que é possível exercer sobre a parte "interna" do personagem, a parte que só existe dentro da cabeça do jogador e que não é partilhada. É admitidamente vasta, e aí sim, o jogador tem total controlo e há espaço para muita coisa. Só que isso é apenas um construct. O jogador também tem total controlo (dentro da lei e da moral de cada um) sobre a maneira como se veste para a sessão de jogo. Ambos têm aproximadamente o mesmo peso para o conteúdo do jogo, que é basicamente zero. Se eu quiser imaginar uma personagem para mim próprio, posso bem fazê-lo sozinho.
Há pessoal que diz, "sim, mas embora a única parte que me divirta seja imaginar internamente o meu personagem, preciso de tudo o que acontece à mesa para exercitar essa imaginação". Não estou a dizer que és uma dessas pessoas, mas sei que existem. Deixem-me ser claro: considero que isso é diversão à minha custa, e considero que é um abuso do meu tempo como jogador e do espaço à minha mesa. Se querem jogar comigo, joguem comigo, e não apenas ao meu lado.
(Este assunto não é o mesmo que o problema da chamada Defesa de Nuremberga, embora estejam fortemente relacionados. Para quem não sabe, a Defesa de Nuremberga consite em dizer "eu só fiz o que [o meu personagem]/[as regras do setting] me obrigaram a fazer." Uma discussão detalhada dete assunto está fora do âmbito deste post, mas seguir-se-á em breve.)
Para Além Da História
Esta também está completamente ao lado. Explorar e interagir é o que toda a gente faz. Não existe role-play sem exploração e interacção, é uma impossibilidade prática. E já agora, exploração e interacção, sejam elas quais forem, também geram história. Pode ser uma história trivial e desprovida de significado, mas haverá necessariamente alguma. Deverão haver plot events algures. Nunca me aconteceu, em sessão de jogo nenhuma, passar mais que dois ou três minutos com os personagens apenas a olhar e o GM só a descrever a paisagem.
Já me aconteceu várias vezes passar tempo, mas oh, tanto, tanto, tanto tempo a ouvir diálogos in-character entre PCs e NPCs (ou, pior ainda, só entre NPCs) que eram basicamente acerca de nada, e que não tiveram quaisquer consequências, tirando o facto de induzirem em mim, como jogador, um torpor quase irresistível. Mas, mesmo assim, o conteúdo desses diálogos, à sua maneira, é história. Vazia, é certo, mas mesmo assim, história.
Curiosamente, conheço algumas pessoas que vibram imenso com este tipo de cenas. A maioria (dos que eu conheço) pertence ao Campo A (o campo do role teatral). Por inerência, este pessoal aprecia bastante as sessões de jogo em Mother May I, porque é onde têm mais contexto para fazer brilhar a sua côr. Bom para eles, digo eu. Também há quem goste dos filmes do Manoel de Oliveira, e toda a gente tem o direito de gostar daquilo que gosta.
Igualmente curioso, também conheço muita gente para quem a história só é interessante se tiver um pouco mais de sumo. Aqui, no entanto, as opiniões dividem-se entre os que realmente gostam de ir atrás do que o GM tem para dar, a quem o modo Mother May I não incomoda nada, e os que realmente preferem contribuir para o contexto e consequências das suas acções.
(Na minha experiência, o pessoal que gosta activamente de Mother May I mas também gosta activamente de histórias com sumo é mais ou menos como o pessoal que gosta activamente de módulos publicados mas não gosta de resolução detalhada. Em minha opinião, estão a ver mal alguma parte do filme. Mais uma vez, uma discussão alargada deste tema está para além do âmbito deste post. Por agora, basta-me admitir que este pessoal existe.)
O Que O Sr. João Até Sabe
A maior falácia do parágrafo, no entanto, é que o que está em causa no Mother May I não é aquilo de que o jogadores activamente gostam ou desgostam. Tal como disse noutros posts, as pessoas são razoáveis e crescidinhas e lidam bem com o que têm à frente.
O problema é que as pessoas não sabem o que não sabem. O que está realmente em causa é a malta que gosta do conceito de role-play mas que está, pouco a pouco, a perder o gás. As sessões cada vez mais sabem a menos. Troca-se de GM e o problema continua. Troca-se de regras e o problema continua. Troca-se de setting e o problema continua. Troca-se de grupo radicalmente e as coisas melhoram por uns tempos, mas mais cedo ou mais tarde, voltam ao mesmo. E não sabem muito bem porquê. Sabem que há momentos realmente explosivos, mas são cada vez mais difíceis de alcançar.
Pior. Apesar de não estar realmente satisfeita, há muita malta que entra em negação e que tem reacções verdadeiramente epidérmicas quando alguém lhes diz que nem tudo está bem e talvez haja melhor.
Era exactamente aqui que eu estava antes de descobrir o Prime Time Adventures em Março de 2005 e o Shadow of Yesterday, aí um anito mais tarde. Aliás, era onde estava quase todo o meu grupo de L5R. Eramos oito jogadores, seis dos quais a caminhar lentamente para o abandono saudoso do hobby. As duas excepções eram um gajo para quem qualquer coisa serve, desde que se possa estar com os amigos a sonhar alto e mandar umas bocas, e o GM, que , apesar de ter preferências pessoais, considera todos os modos de role-playing intrinsecamente válidos e divertidos e está disposto a experimentar tudo.
Obviamente, eu podia assumir que o problema era meu, e podia ter ficado caladinho, à procura de maneira de o resolver. Acontecem, no entanto, duas coisas: uma, eu já tinha resolvido o meu problema, com PtA e TSoY; duas, várias conversas, nos meetups e não só, e vários posts em fóruns e blogs, demonstraram patentemente que o problema era mais que só meu. Os dois únicos indivíduos que, por pura reacção alérgica, se recusaram a experimentar o TSoY depois do fim da campanha de L5R, agora ,já não jogam muito, se é que jogam de todo. Não considero que isto tenha sido uma coincidência.
Já agora, é interessante tentar reflectir sobre de onde vêm estas negações e reacções alérgicas. Talvez venha do facto de ser sempre pelo menos um bocadinho arrogante da parte de alguém tentar sugerir a outrém que podem não ter visibilidade total dos seus próprios gostos. Ou talvez venha do facto dos tais "momentos explosivos" se terem tornado tão raros e preciosos que se torna necessário protegê-los a todo o custo. Ou talvez venha do facto de verem o seu grupo de jogo posto em risco por algum dos outros jogadores de repente se ver atraído por algo diferente.
(Esta última é mais comum do que se poderia pensar. Já houve gente que declarou abertamente que a principal razão da sua antipatia para com este tipo de teorias é o facto de lhe terem roubado parceiros de jogo. Em minha opinião, esta atitude é particularmente insidiosa. Consegue ser simultaneamente auto-derrotista e inaceitavelmente egoísta.)
A Outra Face
Uma coisa, porém, devo conceder. Os posts do Mother May I estão escritos num tom realmente paternalista.
Mas, "this behavior was by design". Acontece que eu á tinha tido várias conversas acerca do fenómeno. De um modo geral, o pessoal entrava em denial e discordava cordialmente, sem sequer se dar ao trabalho de perceber do que é que eu estava a falar. Quanto mais paternalista eu era, no entanto, maior a probabilidade da atração do abismo fazer com que as pessoas parassem, ouvissem e pensasem, quanto mais não seja porque se sentiam obrigadas a dar-se ao trabalho de construir uma resposta suficientemente coerente para me deitar abaixo.
That's good enough for me. Se eu tivesse escrito num tom calmo, especulo que terias lido, terias visto que aquilo não era acerca de ti, e terias seguido em frente. Assim, estamos agora aqui, quatro anos depois, a discutir o tema. A minha esperança é que haja malta que, ao ler isto, perceba que mais vale não jogar com gajos como eu às suas mesas, ou que mais vale só jogar com gajos como eu às suas mesas, e que isto lhes renove o gosto pelo hobby. De uma maneira ou de outra, quanto mais gente houver a jogar, seja de que maneira fôr, mais eu saio a ganhar. :)
Cheers,
J.