Tal como referi no artigo anterior, desenvolvi no âmbito do módulo Viver em Português (cujo programa mistura Língua Portuguesa, História e Cultura de uma maneira abrangente) uma actividade de Roleplaying com uma boa dose de Gaming.
Numa oportunidade interesseira, pois também era meu propósito divulgar dissimuladamente este tipo de lazer para tentar encontrar mais jogadores na zona de Santarém, organizei os meus formandos em grupos de dois e distribui-lhes os papéis de homens pré-históricos da era do degelo. Cada um deles tinha uma habilidade especial (ser forte, fazer fogo, agilidade, etc.) e um vocabulário restrito escolhido de entre uma lista limitada de 50 palavras. De certo modo criaram/recriaram cada personagem escolhendo os atributos (o vocabulário limitado que os seus homens primitivos podiam usar além de gestos) e inventando mais alguns maneirismos e descrição física dos mesmos.
A actividade já estava delineada e as situações apresentadas já estavam pré-escritas. Uma crise assolava a tribo, a comida escasseava e a madeira também. Uma tempestade de neve na noite anterior cobria a montanha onde se localizava o refúgio cavernoso da tribo. O mais respeitável ancião da tribo vira-se para os jovens caçadores e diz: “Madeira Fogo Ir” gesticulando devagar e em sofrimento. O que é que fariam os oito jovens adultos pré-históricos? Que desafios e peripécias iriam enfrentar?
Confrontados com a necessidade de se organizarem alguns dos formandos tomaram iniciativa e fez-se um sorteio dos personagens, uma velha forma de trazer imparcialidade e profissionalismo à organização dos grupo de trabalhos na escola. Mas de qualquer modo a receptividade à ideia da actividade foi heterogénea. Alguns mostraram-se entusiasmados, outros mostraram-se duvidosos, e um deles voluntariou-se para tomar o papel de narrador da estória. Como nunca tinham experimentado este tipo de actividade fui mais cauteloso e deleguei nesse aluno voluntarioso a responsabilidade co-narração da estória fornecendo-lhe os materiais necessários e algumas indicações. Face à perspectiva de ser uma actividade lúdica que envolve aleatoridade, uns formandos até fabricaram um d6!
Sendo um grupo de jogo grande (16 formandos representando 8 personagens) e terem naturalmente dificuldade em organizar a contribuição para a actividade pois falavam efectivamente todos ao mesmo tempo e aliado ao facto de um dos personagens ter a habilidade de fazer pinturas rupestres ou desenhos no chão e regularmente deslocar-se ao quadro branco, por vezes a participação e o andamento da actividade era um pouco confusa e cansativa.
Contudo a pequena estória que envolvia conflitos com tigres dentes-de-sabre, rios difíceis de atravessar e mamutes presos num buraco conseguiu ser jogada em 4 horas com intervalos. Alguns mas poucos formados aborreceram-se e o meu co-narrador, apesar de eu ter sempre aproveitados todas as suas ideias e narrações, esmoreceu na segunda metade da actividade.
As descrições e relatos dos formandos não eram bastante vívidas e coloridas, cabendo-me a mim dar-lhe um pouco de vivacidade e uma boa dose de risco. Memoráveis foram as trapalhadas frutíferas do homem primitivo que apenas possuía uma bela dose de sorte diabólica como habilidade principal. Contudo a dificuldade que tinham em comunicar conceitos mais abstractos e planos conjuntos de acção usando um vocabulário reduzido foram muito interessantes para a contextualização de como poderá ter acontecido a evolução da língua a partir de sons perceptíveis usados entre homens primitivos, o que foi complementado por mim no fim da sessão numa espécie de resumo.
O interessante também foi a frustração de alguns face aos conflitos físicos entre homens primitivos e animais perigosos. A actividade não tinha regras específicas quanto ao sucesso ou insucesso dos ataques de lança e moca. Apenas cobriam o efeito de um dos homens ter sido mordido, o que lhe prejudicava aleatoriamente as acções sucedâneas que tentassem executar. Mas o facto de terem sido mordidos ou não era decidido por mim tendo em conta a necessidade da estória e de ilustração do perigo que eram os animais selvagens para a integridade física dos membros da tribo. Alguns formandos ressentiam, sem verbalizarem, a minha manipulação por detrás das cenas como narrador.
Quando acabamos a maioria gostou muito da actividade e mostrou vontade em repetir uma experiência semelhante. O terem jogado Lobisomens d’Aldeia Velha numa sessão anterior garantiu definitivamente para esse entusiasmo e para não rejeitarem de antemão esta nova experiência. Esta actividade em particular garantiu o sucesso da minha mais recente abordagem: mostrar o Basic Starter Set de Dungeons & Dragons. Mas sobre isso falo depois.