Rui diz o seguinte:
[quote]Eu não conheço a fundo o BRP, mas conheço bastante bem o GURPS e algumas coisas de WoD, e posso dizer que estás errado na tua análise; se pegares no GURPS (pelo menos no Lite) consegues fazer uma personagem em menos de 5 minutos, e se calhar com mais profundidade do que com o BRP, porque as Vantagens e Desvantagens no GURPS permitem-te logo acrescentar dados da personalidade e do background da personagem, algo que o BRP não permite (pelo menos da versão do CoC) - logo isto já é uma grande vantagem; lembro-me que há vários anos atrás, quando comecei a jogar rpg a sério (leia-se diariamente) um amigo meu pegou no livro base e fez o Batman - só com o livro base. O sistema também é terrivelmente simples: rolas 3d6 e somas à tua skill. Podes depois acrescentar-lhe qualquer um dos excelentes (e não sou eu que o digo, mas as várias críticas) suplementos para ter mais regras e mais universos. Podes ainda contar com a 4ª edição, belíssima na minha opinião, e com (finalmente!) bom suporte para supers; esta 4ª edição é suficientemente sólida para também fazer um excelente jogo de skirmish táctico, ao nível do D&D 4º, algo que tenho certeza que o BRP não faz - a menos que tenha levado um grande re-vamp, e nesse caso não podemos continuar a dizer que "é o mesmo sistema há 20 anos" - mas isto eu também não posso confirmar, porque tirando o Elric! e o CoC nunca lhe peguei.
O WoD é igualmente fácil de usar, usando apenas 2 livros: o WoD básico, e o Armory Reloaded (acho que é esse o nome). Com eles tens material suficiente para te por a jogar (comuns mortais, note-se) em qualquer época que queiras; o exemplo disto é a muito boa campanha de fantasia de um dos criadores do Vampire, cujo nome me falha, e usando apenas esses 2 livros. O sistema também é extremamente simples: a soma do teu atributo com a tua skill dá-te o número de dados a rolar, cada dado que saia 7 ou mais (acho eu), é um sucesso, quantos mais sucessos melhor. Os atributos e skills podem comparar-se à classificação dos filmes, por isso sabes que se a tua Força for 5, tu és realmente dos mais fortes à face da Terra, o que para um iniciado é facílimo de apanhar.[/quote]
Pega no BRP Quick Start: criação de personagens, 5 páginas, sistema de jogo, 7 páginas (estou a incluir a secção sobre o tempo), em ambos os casos com muitos gráficos pelo que é mais curto em termos reais.
Em termos qualitativos as personagens são todas descritas da mesma maneira, ou seja, com os mesmos atributos e competências. O que as distingue é o valor quantitativo desses atributos e competências. Se compreendes uma personagem, compreendes todas.
O sistema inclui a tabela de resistências de que eu não gosto, diga-se de passagem.
Combate, 3 páginas. Regras especiais, 3 páginas. Num caso e noutro trata-se de casos especiais de aplicação do sistema de base.
São 18 páginas para jogar um humano comum. Se se retirarem os gráficos são menos 4 ou 5. O calhamaço do livro de regras desenvolve o que aqui está e introduz tudo o que é sobrenatural, mas são desenvolvimentos sobre esta base.
GURPS Lite 4 ed (a que tenho comigo). Criação de personagens, 14 páginas bastante mais densas (não incluindo o equipamento), que correspondem a umas 20 do BRP. Sistema de jogo, 3 páginas no início mais 3,5 páginas lá mais para a frente, de novo bastante mais densas do que no BRP. Combate e outras regras, 8 páginas, sempre mais densas.
Para ser honesto, é possível que o GURPS cubra coisas que o BRP QS deixa para o livro de regras completo mas a impressão geral é a de que é bastante mais pesado do que este para fazer o mesmo.
Agora olha para a folha de personagens do BRP. Mostra-a a um jogador novo. Está lá tudo. Basta dizeres-lhe, «isto são as características que representam as capacidades congénitas da personagem, os seus valores determinam-se da maneira Y e são usadas da maneira X; isto são as competências que representam as capacidades adquiridas da personagem, determinam-se da meneira Z e utilizam-se da maneira N». O novato vê lá tudo menos os valores. Compreende rapidamente que os das caractertísticas variam numa escala que grosso modo vai de 0 a 20 e os das competências funcionam à base de percentagens. Para um português estas são duas escalas perfeitamente compreensíveis pois correspondem às que ele utiliza para as competências escolares. Põe um grupo de novatos e dás a mesma explicação para todos com a mesma facilidade, só recorrendo à folha de personagems consegues explicar todo o sistema.
Agora agarra na folha de personagens do GURPS. Está basicamente vazia. Mostra-a a um novato e ele fica quase na mesma, está quase tudo em branco. O novato vai ter de ir para o livro de regras e perder-se nas 14 densas páginas do GURPS Lite para tentar construir uma personagem. Com base em escalas de valores muito menos intuitivas para um português do que as do BRP.
E isto é só ao nível do jogo Lite. Se formos para os jogos completos... no BRP é basicamente o mesmo. O que lá vem a mais são opções para adaptar o sistema a universos de jogo diferentes. No GURPS é mais navegação para pesca à linha sem satélite nem sonar.
Digas o que disseres, o BRP é mais simples. Como é evidente, quem conheça bem o GURPS não tem dificuldades de maior mas estamos aqui a falar de iniciação aos rpgs e o mesmo se pode dizer de qualquer sistema. Independentemente disto o BRP é bastante mais simples, transparente e de apreensão imediata.
E quanto ao Batman... no BRP eu consigo criá-lo com o QS, nem preciso de ir ao livro base. (O que eu não encontro no QS é o equipamento do Batman, mas isso é outra história.)
Agora em particular uma coisa que tu dizes e que merece ser analisada a fundo:
[quote]dados da personalidade e do background da personagem, algo que o BRP não permite (pelo menos da versão do CoC)[/quote]
Estás completamente a leste, desculpa a franqueza. Se há sistema que foi determinante na história do rpg para impor a personalidade e o background como aspectos essenciais dos jogos foi precisamente o BRP. A diferença é que o fez da forma correcta. Vejamos...
RuneQuest, primeiro jogo BRP (aliás, pai do BRP). O background era fundamental. Superdesenvolvido, mesmo pelos conceitos de hoje. Sistema complexo de cultos, de inserção social, de enquadramento em sociedades bem detalhadas e especificadas. As personagens visam precisamente evoluir dentro desse quadro.
RuneQuest, aí à volta de 1980. Criados os traços de personalidade para NPCs. Salto de 10 anos para o Pendragon (uma variante do BRP com o d20 em lugar do d100). Esses traços tornam-se uma componente fundamental do jogo. Até hoje não há sistemas que se comparem ao Pendragon na qualidade do sistema a este nível.
Call of Cthulhu, aí por 1980. Cria de uma assentada a descrição psicológica das personagens. De uma assentada torna essa descrição uma característica essencial do jogo - e não só um bonitinho para usar às vezes. Chama-se a característica Sanidade. Uma das maiores e verdadeiras inovações que ocorreram na história dos rpgs pós DD.
Stormbringer. Coloca no centro o posicionamento psicológico da personagem na luta entre Caos e Legalidade.
ElfQuest. Mais uma vez, inclui traços de personalidade essenciais para modelarem aspectos chave do universo de jogo, em torno das noções de amor e paixão.
O que é diferente no BRP? Não generaliza. Tal como sucede para a magia e para outros poderes (psi, supers, etc.), o BRP considera que eles são específicos de cada contexto, pelo que não devem ser abordados em termos de regras genéricas.
O facto é que os sistemas genéricos não o são de todo. Tenta criar com o GURPS a personalidade ou o background de um indiano, de um africano, de um chinês ou de um sul americano. Tenho a certeza de que dás com os burrinhos no chão em menos de um fósforo. A única coisa que consegues criar com o GURPS é um americano ou, vá lá, um ocidental.
Pessoalmente prefiro muito mais a abordagem do BRP. Mostra bom senso e saber de experiência feito. Cada background é diferente dos demais, sobretudo se for um background rico, bem caracterizado e que se destaque. Precisa, por isso, de um tratamento especial, não vai lá com generalidades.
Da mesna maneira, cada género e cada universo reforça um certo padrão de leques de personalidade. A psicologia das personagens de Lovecraft é marcadamente diferente das de Howard ou das de Tolkien. Mais uma vez, o sistema de representação dessas diferenças deve ser específico e não uma selecção dentro de um catálogo genérico.
Foi com base nestes pressupostos que os jogos da Chaosium foram sendo desenvolvidos. Não por acaso o resultado foi uma série de jogos que marcaram a história do rpg, incluindo alguns dos mais estáveis que existem no mercado. O CoC continua a vender sem diferenças de fundo relativamente ao jogo publicado em 1980 ou 1981.
E que dizer do skirmish táctico? O «cresci» com o RQ2 e 3. Olha, batem aos pontos o DD4 ou o GURPS como jogo de escaramuças tácticas. O GURPS conheço mal mas o DD4 conheço bem, mesmo sem o ter jogado. O RQ2/3 (que está integralmente incorporado no BRP) é bem melhor do que este pois faz o mesmo de maneira muito mais simples, sem recorrer a tantas regras de excepção, bastando-se com um core muito forte. Em 1980 foi publicado um suplemento para o RQ2 chamado Rune Masters. Os Rune Masters eram os pcs de topo do sistema, diga-se de passagem. Esse suplemento tem umas secções fantásticas sobre como utilizar o RQ precisamente para escaramuças tácticas. Em lugar de introduzir regras e mais regras basta-se com uma aplicação inteligente das regras do sistema de base, ou seja, com conselhos. Ora é isto que deve ser um jogo, a aplicação inteligente do sistema. Não deve ser este a dar as respostas, elas devem ser encontradas pela criatividade dos jogadores. É como te digo, bate o DD aos pontos. E foi feito há quase 30 anos para um jogo «ultrapassado»...
O WoD? A definição de personagens não é muito diferente do BRP: atributos e competências. O que os diferencia é a escala quantitativa usada e as mecânicas de jogo. O BRP é muito mais intuitivo, ponto final. Qualquer pessoa, sobretudo entre nós, sabe interpretar um valor entre 0 e 20 ou uma percentagem. O WoD... vá-se lá saber. Com a ajuda de um amigo bom em matemática começa-se a ter iuma ideia. E depois há aquelas dicepools potencialmente infindáveis... E depois há o facto de que o BRP foi usado para uma variedade muito maior de settings com resultados francamente bons, o que se não pode dizer do WoD que sempre ficou mais especializado (sem prejuízo de poder ser utilizado de forma mais variada).
Em suma, entre o DD4, o GURPS, o WoD e o BRP, o último, hands down!
Sérgio