Já faz mais de dezasseis que comecei a jogar RPG. Minha primeira personagem foi um ladrão vulgaríssimo retirado de um dos modelos já existentes na caixa básica do Dungeons & Dragons primeira edição.
Nesta época no Brasil era quase impossível conseguir livros e aqueles que haviam conseguido conseguiu algum livro de regras ou um suplemento de bom grado cediam fotocópias a todos os amigos. Nós que jogávamos naquele tempo fazíamos parte daquilo que hoje é conhecida como “Geração Xeróx”.
O mais engraçado é que no Brasil, Portugal sempre foi conhecido como um verdadeiro paraíso do RPG. Um paraíso onde o material abundava e toda a gente jogava. Nós sabíamos que a primeira edição do D&D havia sido traduzida para o português daqui de além-mar (ainda outro dia achei esta caixa da primeira edição num alfarrabista daqui de Lisboa) o que era impensável na realidade brasileira da época.
Além disso já havia a tradução portuguesa da trilogia do Senhor dos Anéis em seis capítulos, disputada a tapa no Rio de Janeiro, e de vários livros de outros escritores ligado ao universo de RPG como o Michael Moorcock, Le Fanu, Locevraft e vários outros menos conhecidos, todos editados em formato de bolso pela Europa-América. Isso sem contar que era daqui que vinham os livros do tipo Aventuras Fantásticas em que se podiam saltar de uma página a outra e lutar contra monstros.
Apesar de todos os defeitos da editora, que é cultuada por uns e amaldiçoada por outros, foi somente com a edição do GURPS pela DEVIR que o RPG saiu do anonimato e começou a difundir-se.
Surgiram grupos abertos como o da extinta livraria Alfarrabista do Rio que todos sábados abria suas portas para que mestres sem jogadores e jogadores sem mestre pudessem se encontrar e avançar com longas secções de jogo nas mesas da casa. Deste grupo faziam parte personagens importantes como o Flávio Andrade que escreveu o livro Deafio dos Bandeirantes, e o autor de Tagmar, que foram os primeiros RPG brasileiros.
Hoje o Brasil, apesar de não ser o melhor lugar para jogar RPG, tem uma grande população de jogadores. São comuns encontros que juntem milhares de jogadores, lojas especializadas e portais web sobre o tema, como o www.rederpg.com.br, que para mim é o melhor no género e deve ser considerado por qualquer jogador e mestre.
Qual eu vim para Portugal em 1999, esperava encontrar uma realidade muito semelhante. Nada de extraordinário mas, pelo menos, com o jogo minimamente difundido. Qual não foi minha surpresa quando descobri que no país cujas publicações foram responsável pelo primeiro contacto de vários brasileiros com a fantasia e com o RPG, o jogo era simplesmente desconhecido…
Mesmo nas faculdades, onde no Brasil é normal haver grupos a jogar pelos corredores, ninguém fazia ideia de que havia algo que se assemelhasse com RPG e os poucos que reconheciam o nome assimilavam-no aos jogos de computador ao estilo de Baldur’s Gate como se o livro tivesse vindo do vídeo e não ao contrário.
Eu que sempre fui muito ligado ao jogo, acabei por deixar de lado o cenário lusitano e continuando a conversar com amigos brasileiros. Acabei até por me envolver com a criação de alguns netbooks mas daqui mesmo nunca via nada acontecer.
Eventualmente alguém tentava fazer alguma coisa. Lembro-me que houve um projecto de um portal português, muito fraquito, que não deu em nada, acabando depois por transformar-se na página Dados na Mesa, https://bodak.ptisp.org/dados, e de mais alguns que surgiram e morreram exactamente por se manterem apenas na Internet.
O RPG evolui quando é jogado e num país pequeno como Portugal, em que nada ou muito pouco existe em termos de RPG, o caminho passa necessariamente por pequenas associações que congreguem jogadores e permitam a evolução.
Primeiro vem o jogo caseiro. Mas este é muito fechado pois ninguém que já não nos conheça, entra em nossas casas. Por isto é essencial encontros regulares como os que descrevi, que aconteciam na Alfarrabista do Rio.
Quando um grupo de cinco jogam em casa, se um se casar, outro entrar na faculdade e outro ainda se mudar para longe, acaba o grupo e todos ficam sem jogar. Quando se costuma ir a encontros pode-se pelo menos jogar nestas mesas esporádicas ou então conhecer novos jogadores e montar novas mesas fora dali.
Além disso é muito difícil para quem nunca jogou descobrir o que é RPG. Assim com para mim, mesmo após tantos anos como jogador e mestre descrever o que é RPG. RPG tem que ser jogado. É por isso que estes encontros regulares são importantíssimos. Eles têm a vantagem de permitir que aqueles que nunca jogaram possam aparecer do nada, mesmo sem conhecer ninguém, e jogar. E é a partir do jogar que tudo começa.