Serenissima

Quem não gostaria de comandar uma frota mercante no Mediterrânio na era da Renascença, comprando e vendendo variados bens com um pouco de pirataria à mistura? Pois esse é o tema deste boardgame, Serenissima.

Publicado pela Eurogames, agora desaparecida, este boardgame vem numa caixa enorme. A apresentação deste boardgame é impecável, com peças de plástico por todo o lado, incluindo os barcos, fortes, marinheiros, bandeiras. O tabuleiro é dos melhores desenhados que vi até hoje, muito colorido e muito funcional. As regras são fáceis de digerir e aprende-se o jogo num instante. O jogo no fim é mesmo lindo de se ver, com todas as peças e barcos espalhados. E isto sem falar no facto que a caixa traz slots para todas as peças. Em termos de apresentação, é um 20.

Neste jogo temos um determinado número de rounds, determinado pelo número de jogadores. Escolhemos um dos quatro poderes marítimos da época. Durante esses rounds, a nossa função é comprar bens e depositá-los em portos que controlamos. Quantos mais bens diferentes um porto nosso tiver, mais pontos ganhamos. Pelo meio construimos fortes e barcos, contratamos marinheiros, afundamos barcos dos adversários, conquistamos portos neutros ou dos adversários e tentamos ganhar o monópolio de certos bens. É basicamente um jogo de comércio sem negocição entre jogadores onde a palavra de ordem é encher os nossos portos com bens diferentes.

Neste jogo o tema pega muito bem. De facto é dos melhores jogos em que a relação tema-jogo funciona. Realmente ao jogarmos o jogo temos mesmo a sensação de sermos um poder marítimo a tentar conquistar a supremacia do Mar Mediterrânico. O tema neste jogo funciona, e funciona muito bem. Logo é um jogo que pode ser bom para os que não gostam de muitos promenores abstractos nos seus jogos e que goste de ver um tema sólido que funcione e encaixe com o boardgame e as regras.

Existe um factor sorte neste jogo, na forma dos combates. Quando dois navios (ou um navio e um porto) estão no mesmo espaço, o navio que se acabou de mexer tem que pedir permissão para passar ao dono do navio que não se mexeu. Três situações podem acontecer. Ou o navio passa porque o outro jogador deu permissão, ou o navio não passa e fica encalhado, ou é atacado. Quando é atacado, entram os dados em cena. Basicamente a fórmula é simples, o número de marinheiros em cada barco mais um rolar de dois d6, um para cada jogador. Subtraem-se os marinheiros de cada barco conforme o valor do barco. Se um abrco ficar sem marinheiros, então o barco pode ser saqueado ou conquistado. Este é o único aspecto de sorte no jogo, e sinceramente, até nem me importo muito, pois um barco com muitos marinheiros nunca cairá vitima de um barco com um só marinheiro. Mas que um mau rolar de dados pode influenciar o jogo, isso pode.

Este jogo têm um equilibrio estratego-táctico brilhante. Está presente em todo o lado. Será que tentamos comprar ouro para encher a nossa capital ou será que compramos roupa, mais comum e fácil de arranjar mas que não rende tanto? Será que tentamos adquirir o monópolio das especiarias, perdendo assim turnos valiosos? Ou será que pomos mais marinheiros num barco para ele navegar mais espaços em vez de menos marinheiros para caber mais bens no barco? Este jogo tem tanta estratégia como táctica, e é brilhante nesse aspecto. Estamos sempre a pensar tanto em curto-prazo como em longo-prazo. O jogo obriga-nos a pensar nessas duas vertentes constatemente. De facto, é dos melhores boardgames equilibrados em termos de estratégia e táctica que vi até hoje. Um sucesso de boardgame designing.

A interacção entre jogadores neste jogo é quase nula, pelo menos interacção activa. Ela só se manifesta nas permissões dos barcos passarem quando dois barcos de jogadores diferentes estão no mesmo espaço e também nos combates entre barcos ou entre barcos e portos. Interacção passiva há muita, no entanto. Os bens são limitados e ter um monópolio é brutal. Logo os jogadores correm para comprar o máximo possivel de cada bem antes que esgote. Portanto, se gostam de negociações pesadas vão ficar desapontados com este jogo mas se não se importam, ou até mesmo se gostam de ser muito porcos, então este jogo é para vocês.

A longevidade deste jogo é notável. Apesar de o tabuleiro não ser modular, há sempre uma estratégia nova a adoptar. Cada jogo parece decorer de maneira diferente. Este jogo atrai e obriga os jogadores a jogarem-no muitas vezes até o conseguirem dominá-lo. Têm uma boa longevidade e até hoje ainda não me cansei deste boardgame.

O peso deste jogo está situado no middleweight eurogame. Nem é leve nem é pesado. Está simplesmente no meio da escala. O que o torna não aconselhável como filler. Com um tempo médio de duas horas, este jogo é mais um Gamer’s Game que um Filler. Embora não seja verdadeiramente um Gamer’s Game, também não é um jogo leve. Obriga os jogadores a puxarem pela cabeça constantemente.

O que me traz ao aspecto de saber se é bom para non-gamers. A apresentação e o tema sem dúvida que atrai bastante qualquer non-gamer. O jogo em si tem a vantagem de não ser pesado, o que é bom para non-gamers, mas as batalhas entre navios pode ser demasiado porco para alguém não habituado a estas andanças. No entanto, há muitos piores jogos para introduzir novatos, logo eu recomendo este jogo a non-gamers, desde que os gamers não sejam muito porcos.

O dinâmismo deste jogo é notável. Como disse, há um equilibrio quase perfeito entre estratégia e táctica, mas mais que isso, o jogo realmente evolui cada turno. Os bens tornam-se mais escassos, os portos mais cheios de bens. Existe um dinâmismo de base económica, uma simples aplicação da teoria da procura e oferta, que faz com que o jogo esteja constatemente em mutação, e isso é bom. Nenhum jogo é igual ao anterior.

Este jogo dá-se um pouco ao problema de Analysis Paralysis. Pode acontecer, principalmente se o jogador tiver uma mente muito analítica, mas não é nada de preocupante. As rondas fluem bem neste jogo e normalmente sabe-se o que se quer fazer em poucos segundos.

As mecânicas deste jogo são basicamente comércio e comprar bens para os colocar noutro sitio. Combate também é uma parte do jogo, embora possa-se jogá-lo sem combatermos uma única vez.

Este foi dos primeiros boardgames que comprei e nunca me arrependi. É um jogo que é fácil de jogar. É realmente bom, no entanto sem nunca atingir os níveis brilhantes de algo como o Advanced Civilization, o Caylus ou o Puerto Rico.

Joga-se bem ao jogo e no fim ficamos com a sensação de querermos jogar mais. A apresentação fantástica do jogo também ajuda.

É um bom jogo, acima da média comum dos eurogames, que infelizmente está out of print. No entanto se conseguirem arranjar uma cópia eu recomendo que o façam, pois o boardgame merece ser jogado e apreciado. É um feito de design simples com alguns aspectos brilhantes e que enriquecerá a experiência de qualquer boardgamer, seja ele novato ou veterano.

Enfim, recomendado. Há melhor no mercado, mas não tantos assim, de facto há muito mais pior que melhor. Comprem, não se vão arrepender.

15 de 20.

https://www.boardgamegeek.com/game/232

Há uma copia e eu ando há que tempos para jogar. No entanto, como sei que o jogo é bom, recomendei-o ao meu cunhado - o Musashi (ou BiL para os amigos) - e aconselho a forçarem-no a levar este jogo para os encontros de quarta-feira na Runadrake (isto se mais ninguém tiver este jogo). Acho que vão gostar. Aliás, é dificil não ficar deslumbrado com as várias frotas espalhadas pelo mediterrâneo durante o jogo.

O Ricardo Madeira tem uma cópia do jogo. Sem dúvida, eu aconselho a levarem o jogo à Runadrake, pois é um bom jogo. E visualmente falando, como disseste, é lindo de se ver.


“You can not escape me!” he roared. “Lead me into a trap and I’ll pile the heads of your kinsmen at your feet! Hide from me and I’ll tear apart the mountains to find you! I’ll follow you to hell!”