O Japão é uma terra fascinante, pelo menos em termos históricos. As constantes guerras civis até à altura do reino de Tokugawa cativaram o Ocidente como nenhum outro país o tinha feito. É um lugar propicio para servir de base a jogos, e o ano passado serviu de base para o tema do boardgame da Queen, Shogun.
Este enorme boardgame, pelo menos em termos de eurogames pois para amerigames temos as caixas como Tide Of Iron ou Descent da Fantasy Flight Games, trata sobre as guerras no Japão. Publicado anteriormente como Wallenstein, esta nova versão muda o mapa de jogo. Até 5 jogadores podem jogar, controlando um dos poderes militares do Japão antes da era Tokugawa. O objectivo é simples, ganhar o máximo número de pontos possíveis através de guerra e da construção de edifícios como templos e palácios. Depois de 2 turnos, cada turno representando um ano inteiro, o jogo acaba e quem tiver mais pontos ganha.
Vamos à análise.
Em termos de apresentação este jogo é realmente um mimo. Do melhor que há. Temos um manual de regras com um design excelente, que é fácil de ler e compreender e que, acima de tudo, não é confuso. A clareza das regras é importante num jogo como este em que um jogador poderá se sentir um pouco de pé atrás ao ver os conteúdos da caixa. O insert da caixa é útil e muito prático, com todas as peças a terem um lugar com as proporções exactas, o que impede que o jogo se torne uma confusão ao preparar e arrumar. Os componentes são típicos de um eurogame, cubos de várias cores, pequenas fichas de cartão e o fabuloso tabuleiro. A grande vantagem deste jogo, e algo que eu gostaria de ver em muitos mais boardgames, é o facto do tabuleiro ter dois lados diferentes, o que permite aos jogadores jogarem cenários diferentes quando se fartarem de um dos lados. Embora ambos os lados não sejam muito diferentes, as diferenças são subtis e causam um impacto tremendo para quem está habituado a um dos lados. Mas ao falarmos de componentes temos que obrigatoriamente falar da cubetower, o cartão de visita do jogo. Ora, a cubetower tem como objectivo randomizar os cubos para lá atirados e isso faz com grande eficiência. É um componente muito bom que atrai as atenções de qualquer jogador, e mais importante ainda, é um componente bem prático. Em termos de apresentação este jogo leva nota máxima, é um exemplo a seguir por todas as empresas de boardgames.
Quanto ao tema, bem, este jogo tenta. Realmente tenta. E quase que falha. Há que lembrar que o Shogun é um eurogame acima de tudo e, como tal, o tema é secundário às mecânicas. E realmente neste jogo o tema parece mesmo secundário, um jogador não fica com a ideia de que é um grande general Japonês a comandar tropas. Apesar disso o jogo tem um tema mais forte do que, por exemplo, o Notre Dame ou o Louis XIV. Mas fora isso, é um típico eurogame, tema tem pouco e colado a cuspo. Mas para quem está habituado só a eurogames vai se supreender pela positiva pelo tema.
Quanto a estratégia e táctica, há que salientar um facto logo à partida. Isto não é um wargame. Isto nem de longe nem de perto se assemelha a um wargame. Isto é simplesmente um típico eurogame com mecânicas de conflicto entre jogadores inseridas no meio, e apesar de um wargame ser, de facto, acerca de conflito entre jogadores este jogo não é um wargame. Logo não pensem que um wargame é parecido ao Shogun que não é nem nunca irá ser. Posto isto, este jogo tem uma boa dose de táctica, uma boa e forte dose. O jogo tem 10 fases que são sorteadas ao acaso e cada fase terá que ser jogada por todos os jogadores por ordem, o que implica que planos a longo-prazo normalmente não costumam funcionar durante muito tempo neste jogo. Mas o que o jogo perde em riqueza estratégica ganha em heterogeneidade táctica. Este jogo é um perfeito exemplo de como um eurogame pode ser bastante táctico e mesmo assim beneficiar disso. Planos de curto-prazo costumam funcionar muito bem e sem muitos problemas. Apesar disto o aspecto estratégico do jogo é suficientemente grande para que os jogadores não se sintam frustrados pelo jogo. A estratégia neste jogo normalmente está limitada ao facto de um jogador querer atacar uma província vizinha. No entanto há um grande entrave nisso, e esse é o facto de que no jogo, em cada turno, só se pode combater duas batalhas por jogador, ou seja, duas acções das dez disponíveis. Isso é realmente muito pouco num jogo que clama ser de conflito e afasta os cépticos que gostam de conflitos mas que acham que os eurogames de conflito não têm nada. Este pormenor realmente magoa o jogo num todo geral e os jogadores que gostam de conflitos acabarão por sair muito desapontados. Apesar disto o jogo é multifacetado o suficiente para qualquer jogador poder ganhar o jogo sem recorrer muito à guerra. Aliado a isto a cubetower assegura que todas as batalhas tenham resultados imprevisíveis, o que acaba por ser bom no contexto deste jogo. No fim este jogo é um bom exemplo de como um eurogame pode ser táctico e continuar a ser bem agradável apesar dos seus pontos negativos.
Quanto ao factor sorte, este jogo tem algum, começando pelo cubetower, que torna aleatório todos os resultados de todas as batalhas. O cubetower é, de facto, o motor principal do jogo que impede que o jogo se torne chato, e isso é bom. Este factor de sorte, talvez demasiado grande para puristas do eurogame, assegura que nenhum jogo é igual e que qualquer estratégia infalível que se tenha planeado não seja tão infalivel assim. Como resultado, o cubetower é uma adição bem-vinda ao jogo e torna-o sempre diferente em todos os jogos. Outro factor sorte é a disposição das dez cartas de acção, que são dispostas de maneira randómica, com as primeiras cinco viradas para cima e as restantes viradas para baixo. Isto determina a maneira como o turno será jogado e como os planos dos jogadores serão efectuados. Para alguns este jogo tem demasiada sorte mas, para mim, este jogo tem a dose de sorte perfeita apesar de ser muita. Para o jogo que é era necessário esta dose de sorte e no final tudo acaba por resultar bem.
A questão da interacção entre jogadores é engraçada. Apesar de haver conflito entre jogadores a interacção deste jogo acaba por ser muito mais baixa do que se pode pensar. Quando uma pessoa analisa o jogo e vê como jogou, então apercebe-se que afinal a maior parte da interacção entre jogadores só ocorre durante as batalhas, quando os exércitos de dois jogadores se encontram e batalham por uma província. Não há mais interacção entre jogadores, não há diplomacia entre jogadores, não há quase nada em termos de interacção e isso é uma pena tremenda pois é uma boa oportunidade perdida. Se este jogo tivesse alguma mecânica a recriar algum tipo de diplomacia entre os poderes representados em jogo então este boardgame seria espectacularmente incrível, mas sendo assim este jogo acaba por não ter grande interactividade entre jogadores e isso acaba por prejudicar o jogo como um todo, o que é uma pena. Fora o metajogo, em termos de interacção entre jogadores este jogo não é forte. Não comprem este jogo se procuram algo com bastante interactividade entre jogadores. Mesmo assim este jogo acaba por ser bastante divertido de se jogar e os jogadores acabarão por se divertir bastante, e no fim é isso que conta num boardgame.
Quanto ao peso do jogo, eu diria que este jogo é um Heavy Middleweight. Este jogo obriga um jogador a decidir face a uma constante avalanche de decisões. De facto este jogo não é nada leve, estando mais próximo de um Louis XIV do que de um Puerto Rico. Não é algo do género Die Macher, nem de longe, mas é bastante pesado para se ser aproximado sem preocupações. Em suma, um eurogame pesado que irá satisfazer aqueles jogadores que gostam de muito peso nos seus jogos.
Quanto a ser um gamer’s game ou um filler, este jogo está muito próximo de ser um gamer’s game. Muito próximo mesmo. Mas não o é. Não considero este jogo um gamer’s game apesar do seu peso e das mecânicas pois falta um grau de complexidade que está presente em gamer’s games mas que não está presente com tanta força neste jogo. Acho que falta algo ao jogo, como diplomacia acima referida. No fim eu sinto que este jogo tenta ser um gamer’s game e quase consegue mas acaba por faltar um pouco de profundidade que tornaria neste jogo mais rico e profundo e complexo do que é. Não pensem que por isto este jogo é simples, não o é de maneira nenhuma, é um jogo com mecânicas bem boas e com sólida interacção entre as mecânicas, mas se a interacção entre as mecânicas tivesse mais complexidade ou mais efeitos este jogo seria um perfeito gamer’s game. Como ele é, no entanto, está a um pequeno passo de ser um gamer’s game, e sem dúvida muitos consideram-no um gamer’s game mesmo.
Quanto à longevidade este jogo tem uma nota bem alta. Para começar temos os dois lados do tabuleiro que previnem o aborrecimento de se instalar depois do jogo ter sido jogado muitas vezes. Depois temos a disposição das cartas de acção, que tornam o jogo imprevisível todos os turnos. Estes dois factores ajudam em muito a longevidade deste jogo e nós só ficamos a ganhar no fim. Um excelente exemplo de como tornar um jogo num jogo com grande longevidade. Se querem comprar um eurogame que acaba por ser diferente em todas as sessões, então este é um bom jogo para tal.
Quanto ao dinamismo, este boardgame é bastante dinâmico, nunca caindo na armadilha de tornar cada sessão igual à anterior. Mas, como referido acima, o jogo podia ser muito mais dinâmico se tivessem sido acrescentadas mecânicas para estimular a interactividade entre jogadores. O jogo tem boa dinâmica, mas o que acaba por se tornar evidente é que podia ter muito mais. Apesar disso é um jogo excelente e dinâmico, nunca encravando e apresentando sempre aos jogadores novas possibilidades de jogadas diferentes.
Quanto a introdução a novatos estamos perante um caso bicudo. Por um lado este jogo é bem pesado e o conflito entre jogadores poderá assustar ou causar má impressão a novatos, sem falar que é um jogo bem pesado e que só isso poderá desencorajar alguém que nunca tenha jogado a um boardgame. Por outro lado este jogo é genuinamente divertido de se jogar e isso pode cativar novatos. Mas pessoalmente eu não introduziria novatos com este jogo, pois apesar das regras simples e fáceis de entender acontecem muitas coisas durante o jogo que obrigam a nossa atenção constantemente, e isso poderá ser demasiado para um novato. Continuem com o Carcassonne e o Catan e o Ticket To Ride para introduzirem novatos, pessoalmente acho este jogo um passo demasiado grande para quem não tem experiência em boardgames.
Quanto a analysis paralysis, temo que este jogo sofra um pouco disso numa das fases, que é a fase dos jogadores escolherem as acções a decorrer nas províncias. Essa fase por si só é longa e demora algum tempo mas se apanharmos um jogador que sofra de analysis paralysis então essa fase vai demorar muito mais tempo, e como não se pode começar a jogar a próxima fase sem antes esta estar completa, isto acaba por implicar uma enorme perda de tempo à espera que o jogador se decida. Portanto tenham cautela, se tiverem um jogador que sofre de AP no vosso grupo então pensem bem antes de comprar este jogo. Mas se não tiverem então este jogo joga-se rapidamente e mesmo a fase de escolherem as acções é concluída num instante.
Quanto a downtime, este jogo tem muito pouco. Só se nota na fase acima referida é que se nota o downtime mas nas restantes fases os jogadores acabam por esperar quase nenhum tempo até à conclusão das jogadas dos outros jogadores. Eu diria que este jogo é decorre a um ritmo bem rápido de facto e como tal aconselhado a quem goste de fazer jogadas rapidamente e sem esperar.
Em termos de tempo, este jogo demora entre uma a duas horas, o que não é muito para o jogo que é. É um jogo em que o tempo passa rapidamente pois estamos a divertir-mo-nos a jogá-lo. Tem um bom tempo de jogo que acaba por ser o tempo certo para o jogo, não aborrecendo os jogadores com tempo a mais e não os deixando a desejar por mais com tempo a menos.
As mecânicas do jogo estão bem elaboradas, são funcionais, interagem decentemente entre elas e acabam por ser simples. É um bom exemplo de um eurogame com mecânicas sólidas, mas um jogador acaba por pensar que podia haver mais mecânicas a cobrir mais situações, e que as mecânicas tivessem mais interactividade subtil entre elas. Mas tal como está é muito bom, tendo por exemplo a mecânica de alimentar as tropas com arroz ao mesmo tempo que tentamos que não haja revoltas nas províncias. E no fim estas boas mecânicas resultam num excelente jogo.
Em termos de visual, este jogo, embora não seja algo excelente de se ver, irá atrair as atenções de quem passa devido ao tamanho enorme de espaço que o jogo ocupa, às cores que englobam o jogo a meio da sessão e, obviamente, ao cubetower. É um bom jogo para chamar as atenções e, quem sabe, converter alguém aos boardgames, embora claro direccionando essa pessoa para um Ticket To Ride.
E é isto.
Apesar da minha análise poder parecer um pouco negativa eu pessoalmente gosto bastante do jogo. É incrivelmente divertido de se jogar, as sessões são animadas e todos os jogos são diferentes dos anteriores. É um jogo que vicia e que o grupo irá falar sobre ele depois do jogo acabado.
É um boardgame excelente, sólido, com regras simples mas que contem uma boa dose de complexidade. Jogadores veteranos irão acabar por se afeiçoar a este jogo devido à facilidade de o jogar e na gratificação que este jogo nos oferece. É um eurogame com conflito directo entre jogadores, algo incomum de se ver hoje em dia, e acaba por ser tornar num jogo memorável.
Apesar deste jogo não ser um wargame, jogadores que gostem de conflito directo poderão se interessar neste jogo. Como disse na análise, acaba por haver pouco conflito mas para um eurogamer que queira um bocadinho mais de conflito mas que não quer jogar amerigames ou wargames então este é o jogo ideal para ele.
Um excelente boardgame que irá divertir qualquer grupo de eurogamers. Podia ser um boardgame brilhante e inesquecível mas também podia ser muito muito pior.
Recomendado a todos os eurogamers que querem andar um bocadinho mais à porrada e a todos os amerigamers que queiram jogar um eurogame e andar um bocadinho à porrada.
16 de 20.