Gostava aqui de tentar clarificar alguns apectos.
1º) Definição do setting - Project Senate
Quando eu, num comentário anterior, usei exemplos da República Romana isso teve que ver com aspectos da mecânica do jogo em concreto. Podia ter usado outros exemplos de outros contextos de relações de poder - com efeito, vou tentar dar exemplos paralelos relativos a Assembleias Gerais de empresas ou de uma Confederação Galáctica de Estados algures no universo onde se joguem relações de poder.
2º) Tipificação/modelação das personagens iniciais
Mais do que construir classes ligadas à estrutura do Setting propriamente dito o ponto que eu queria salientar era o de existir uma relação clara entre as características das personagnes (Aptitudes) e aquilo que elas representam em termos de jogo. Ou seja, é crível que alguém, ainda para mais poderoso, envidenciando uma determinada capacidade numa área, assuma um role padrão - chame-se-lhe classe, arquétipo, carreira, whatever. Assim, por exemplo:
Prevalência de Military Aptitudes (Foreign Policy) - General Romano; CEO de uma mega-corporação; Almirante da frota da Confederação Galáctica;
Political (Domestic Policy) - Magistrado romano; Chairman da mega-corporação; Conselheiro da Confederação Galáctica; Presidente da Assembleia-Geral do Benfica
Comercial - Mercador de escravos romano; CFO da mega-corporação; empresário com uma frota espacial mercantil; José Veiga (empresário ligado ao Benfica)
Personal (behind the scenes) - Advogado de prestígio ou assassino reputado a soldo de Senador romano; Director do Departamento de Auditoria da mega-corporação (chibo do CEO); Chefe dos serviços secretos da Confederação Galáctica
Ou seja, estou a tentar dar exemplos de uma relação plausível (e não setting-based) entre características e roles das personagens. Acho que este aspecto até já foi sugerido mencionado noutra altura pelo BOrg. No fundo é o modelo de d20 Modern - um herói cuja característica prevalecente é a Strenght é o Strong Hero; a Wisdom o Dedicated Hero e assim por diante.
3º) Game design relativo à construção de relações de poder --- tipificação das mesmas --- Ligação entre relações e recursos a gastar
Quando eu disse que me parecia que as regras do jogo encurtavam o leque de relações que 1 personagem podia ter, deixando de fora outras importantes baseava-me nas pontuações construídas para o jogo.
Senão, vejamos as regras na prática (peço desculpa vou voltar ao senador romano mas que bem poderia ser o CEO).
Quando inicio o jogo tenho direito ao somatório de 30 níveis de relações (relationship levels) assim distribuídas - uma high-level; 3 mid-level e 5 low-level (uma de mid-level e duas de low-level têm de ser com entidades colectivas). Supondo que há mais 3 jogadores na mesa deixo 3 relações por definir. Ou seja, vou escolher à partida 6 relações.
Supondo que escolho uma de Alto-Nível quero que seja colectiva - o Senado como um todo. Quero ser um senador com boa imagem no Senado, todos me olham com respeito (Attachment 4; Alignment 4; Availability 2; Background 0) - nível da relação: 8
Escolho duas de Mid-level: Como uma destas tem de ser colectiva escolho os Tribunais. Sempre que quiser desembaraçar-me de processos judiciais meto umas cunhas e eles arquivam os processos (Attachment 1; Alignment 2; Availability 2) - Nível 5
Outra de mid-level - um General Romano de quem sou amigo mas que costuma estar muito tempo fora de Roma em missão (Attachment 3; Background 2; Availability 1) - Nível 6
Restantes 3 de low-level. Quero ter algum contacto com a Assembleia da Plebe para tentar aprovar leis por essa via caso elas, por algum motivo, sejam chumbadas no Senado (Availability 2 - Nível 2);
Quero ter algum contacto com o gabinete dos cônsules em exercício para facilmente ter uma audiência com eles (Availability 3 - Nível 3). Quero também ter um mercador de escravos que me financie projectos (Alignment 2; Availability 1 - nível 3)
Bom, passo agora para a fase de Resource Mix e de cálculo de Initial Resources. Recorde-se "players should calculate the initial value for each resource by adding together the various contributions from each relationship". Certo é que ainda me faltam definir 3 relações com os restantes PCs mas já posso definir os valores de Resources que possuo até este momento da criação da personagem.
Assim, a relação com o Senado confere-me 4 de Clout e 4 de Reputation. A relação com os Tribunais 5 de Manpower. Com o General 6 de Manpower mas -2 de Wealth. A rel com a Assembleia da Plebe 1 de Manpower e 1 de Reputation. A rel. com o Gabinete dos Cônsules 2 de Clout e 2 de Reputation. A rel. com o mercador de escravos 3 a Wealth. Até aqui: Wealth 1; Clout 6; Manpower 12; Reputation 5. Genericamente, até aqui, sou um senador reputado e com contactos relevantes mas a minha situação financeira não é grande coisa. Se eu não emendar isto no resto do processo de criação da personagem vou ficar a pertencer à aristocracia falida ou qualquer coisa do género.
Chegando aqui, e era onde eu queria chegar, já posso expressar de novo a ideia de que 9 relações a definir à partida são redutoras porque excluem outras tantas relações de poder do Senador. E não estou a falar da amante, cuja relação não releva para o jogo visto que não contribui com recursos à disposição do senador. O ponto é que, segundo o que me parece constar das regras, são as relações definidas à partida que conferem todos os recursos que o PC tem à sua disposição para o jogo por meio da relação entre Resource Mix e da lógica de fixação dos initial resources. Ou seja, o Power Circle do personagem confina-se às (poucas) relações que ele pode definir à partida.
Mais ainda. Ou estou em erro ou não há especificação nas regras sobre como é que os recursos gastos são recuperados ou se eles mesmos são reprodutíveis (riqueza tende sempre a gerar mais riqueza).
Como assim? Nos jogos de computador de RTS como por exemplo o Civilization IV, o Rome: Total War, o Age of Empires a lógica é sempre o jogador, de início, apetrechar-se de infra-estruturas de produção para depois as usar em proveito próprio. Nesse sentido, no caso do Senador (ou do CEO empresarial) é pouco crível que ele não possua essas fontes de recursos, elas mesmo reprodutíveis. Nomeadamente, a propriedade de terras aráveis que lhe conferem rendimentos da agricultura; minas que lhe conferem metais preciosos; participações sociais em empresas ou corporações mercantis; financiadores que lhe arranjam dinheiro. Logo, uma relação com o administrador das suas propriedades, outra com o administrador das minas, outras com os demais sócios das empresas onde participa. Bom, dessas relações todas só uma é que coube no modelo apertado das 9 que em cima procurei construir - o mercador de escravos. A não ser que se parta do pressuposto de que como ele não escolheu relações que lhe deêm à partida Wealth então ele tem mesmo de pertencer à aristocracia falida. Mesmo assim, 30 pontos para um círculo de poder que podia chegar à dezenas ou centenas de relações parece-me curto. A não ser que (mas isso não parece estar nas regras) que exista um Inner Circle de jogo que dê recursos imediatos e um Outer Circle que lhe dê igualmente recursos, mas que não esteja definido nas fichas.
Além de que o problema da recuperação de recursos ou dos recursos reprodutíveis não pareça claro: Senão, por exemplo, eu vou escolher as seguintes relações à partida - relação colectiva com os súbditos de uma província da qual eu sou Governador, que me pagam mensalmente impostos exorbitantes (Wealth: you name it) ou relação com os outros accionistas da Universal Motors Mega-corporation da qual detenho 70% das acções.
Aqui o ponto-chave que gostava de ver clarificado era o trinómio: Relationships --- Resource mix --- Power Circle confinado e segmentado a para aí 15 relações iniciais, de acordo com a pool inicial de relationship levels.
4º) Dinâmicas de combate
Bem, aqui não há muito mais a acrescentar senão que ao Project Senate 2 não interessa densificar nem aprofundar o combate ou o mass-combat. Com efeito, mete-se tudo no mesmo saco: ou eu tenho recursos para invadir a Gália ou não tenho recursos para invadir a Gália. Depois logo se vê como recuperar os recursos.
Aqui também tenho dúvidas acerca da congruência das regras. Vou dar um exemplo: O general e político romano Marcus Licinius Crassus (ca. 115 a.C- 53 a.C) que fez parte do 1º triumvirato com o Júlio César e com o Pompeu Magno era no apogeu do seu poder o homem mais rico de Roma. Sequioso de glória e de aumentar a sua riqueza obteve um Comando Militar para travar a guerra com o reino dos Partos. Não obstante ele ter vastíssimos recursos à sua disposição (Manpower; Wealth) preparou mal a campanha em termos de planeamento militar e sofreu uma estrondosa derrota contra os Partos. Estes acabaram por o apanhar e conta-se que o mataram fazendo-lhe engolir ouro fundido para o castigar da sua ambição por riquezas.
Para que é que isto interessa para o Project Senate? Ao combater os Partos as probabilidades de os derrotar unicamente numa lógica do dispêndio de recuros não tem enquadramento. Neste caso, a mestria militar dos Partos, a imprudência do Crasso, fizeram com que as probabilidades (aleatórias) que ele tinha de vencer não fossem de 50% como é próprio da distribuição normal emulada pela tabela de resolução que o Project Senat usa para Goal Resolution. Não obstante Crasso ter todos os recursos à sua disposição (Manpower; Wealth) os factores que envolveram a campanha militar enviesaram de tal modo as probabilidades que ele tinha de vencer que eles nunca poderiam ser simulados numa lógica de totalidade de recursos afectos contra um lançamento com uma Challeng Rating na base de uma distibuição normal. As variáveis que neste caso funcionavam contra o Crasso, enviesariam muito a média e o desvio-padrão a favor dos Partos, independentemente dos recursos afectos a este objectivo.
Bom, como isto já vai longo, e independentemente da questão matemática, o que eu queria salientar é que nem sempre os recursos compram tudo e que há factores externos - especialmente em combate - que podem influenciar a estatística (a distribuição normal não sendo a regra sacrosanta para emular todos os casos). Citando o DMG de AD&D 2ª edição - "Combat being an uncertain thing at best".
Para o pessoal que tem acompanhado o Project Senate sintam-se livres de comentar isto que eu escrevi. Gostava também de ouvir a opinião do João.
Boas.
LCSylla